Rumeu - Faculdade de Letras
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Universidade Federal do Rio de Janeiro A IMPLEMENTAÇÃO DO ‘VOCÊ’ NO PORTUGUÊS BRASILEIRO OITOCENTISTA UM ESTUDO DE PAINEL. Márcia Cristina de Brito Rumeu Volume I 2008 E NOVECENTISTA: 2 A IMPLEMENTAÇÃO DO ‘VOCÊ’ PORTUGUÊS BRASILEIRO OITOCENTISTA UM ESTUDO DE PAINEL. NO E NOVECENTISTA: Márcia Cristina de Brito Rumeu Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Prof.a Doutora Célia Regina dos Santos Lopes. Rio de Janeiro Dezembro de 2008. 3 A Implementação do ‘Você’ no Português Brasileiro Oitocentista e Novecentista: Um Estudo de Painel. Márcia Cristina de Brito Rumeu Orientadora: Célia Regina dos Santos Lopes Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: Presidente Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou – UFRJ Professora Doutora Jânia Martins Ramos – UFMG Professora Doutora Claúdia Nívia Roncarati de Souza – UFF Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva – UFRJ Professora Doutora Maria Eugenia Lamoglia Duarte – UFRJ (Suplente) Professor Doutor Emílio Gozze Pagotto – USP (Suplente) Rio de Janeiro Dezembro de 2008. 4 Rumeu, Márcia Cristina de Brito. A implementação do ‘Você’ no Português Brasileiro Oitocentista e Novecentista: Um estudo de painel./Márcia Cristina de Brito Rumeu. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2008. xxi, 928f. 2v. il.; 31 cm. Orientadora: Célia Regina dos Santos Lopes. Tese (Doutorado) – UFRJ/FL Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2008. Referências Bibliográficas: f. 257 – 273. 1. Mudança Lingüística 2. Quadro Pronominal 3. A inserção de ‘Você’ no Português Brasileiro. 4. Cartas Pessoais (Familiares). I. dos Santos Lopes, Célia Regina. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. A Implementação do ‘Você’ no Português Brasileiro Oitocentista e Novecentista: Um Estudo de Painel. 5 Dedido integralmente este trabalho aos meus amados pais “Alfredo Rumeu” e “Antonia Rumeu” pelo senso de responsabilidade com que me apresentaram à vida. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por iluminar a minha vida e por me impulsionar a pensar e a concluir este trabalho. À querida orientadora Célia Lopes pela orientação solidária, séria, paciente, competente, e, principalmente, comprometida com a coerência de uma investigação lingüística. Aos queridos professores Dinah Callou e Afranio Barbosa pela seriedade com que me apresentaram à pesquisa lingüística no interior dos arquivos públicos do Rio de Janeiro. Aos meus amados pais “Antônia Rumeu” e “Alfredo Rumeu” por sempre me terem mostrado o valor do conhecimento na trajetória de vida do ser humano. Aos dois, sou sinceramente grata por terem fortalecido a minha alma, com muita responsabilidade e com uma humilde sabedoria. Ainda no círculo familiar, agradeço também a todos os meus familiares e, especialmente, a minha sempre tão solícita irmã “Cristiane Rumeu” pelo carinho e compreensão. Aos queridos amigos e companheiros de trabalho da Escola Municipal Rubens de Farias Neves, da Escola Municipal Baden Powell e do Colégio Estadual Jeannette de Souza Coelho Mannarino com os quais compartilho as angústias e as alegrias do magistério. Agradecimentos especiais merecem as queridas amigas e colegas de profissão Ana Carla Morito Machado, Ana Carolina Morito Machado, Eliane Belford, Lindaura, Orjana Moreira, Rita e Zelimar Batista pela compreensão e cumplicidade que sempre demonstraram para comigo. Aos professores e aos alunos que compartilharam comigo o “saber”, contribuindo, portanto, para o meu amadurecimento pessoal e profissional. Por fim, agradeço a todos os ‘mais que amigos’ que, mesmo geograficamente distantes, torceram silenciosamente por mim ... 7 SINOPSE Análise sociolingüística do comportamento do indivíduo (panel study, cf. Labov 1994), nos séculos XIX e XX, em relação ao emprego das formas Tu e Você como sujeitos pronominais. Estudo da implementação do Você no quadro pronominal do Português Brasileiro com base na produção escrita de brasileiros cultos. 8 ENTRE O “VOCÊ” E O “TU”1 “Apontas-me, como crime, a minha mistura de “você” com “tu” na mesma carta e, às vezes, no mesmo período. Bem sei que a Gramática sofre com isso, a coitadinha; mas me é muito mais cômodo, mais lépido, mais saído – e, portanto, sebo para a coitadinha. Às vezes o “tu” entra na frase que é uma beleza; outras é no “você” que está a beleza – e como sacrificar essas duas belezas só porque um Coruja, um Bento José de Oliveira, um Freire da Silva, um Epifânio e outros perobas “não querem”? Não fiscalizo gramaticalmente minhas frases em cartas. Língua de cartas é língua em mangas de camisa e pé-no-chão – como a falada. E, portanto, continuarei a misturar o “tu” com “você” como sempre fiz – e como não faz o Macuco. Juro que ele respeita essa regra da gramática como os judeus respeitavam as vestes sagradas do Sumo Sacerdote. Logo, o dever nosso é fazer o contrário.” (Trecho de Carta redigida por Monteiro Lobato, em São Paulo, 07/11/1904, ao amigo Godofredo Rangel e publicada na Revista Língua Portuguesa. In: Revista Língua Portuguesa, Ano III, Número 27, p.38, Janeiro de 2008.) 1 Trata-se de trecho de carta de Monteiro Lobato redigida ao amigo Godofredo Rangel que, segundo o biógrafo Vladimir Sacchetta, está incluída na Coletânea de Cartas “A Barca de Gleyre” (1944). 9 RESUMO A IMPLEMENTAÇÃO DO ‘VOCÊ’ PORTUGUÊS BRASILEIRO OITOCENTISTA UM ESTUDO DE PAINEL. NO E NOVECENTISTA: Márcia Cristina de Brito Rumeu Orientadora: Célia Regina dos Santos Lopes. Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa PósGraduação em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Língua Portuguesa. O objetivo principal deste estudo é investigar, com base em cartas pessoais oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, o processo de inserção de Você no quadro pronominal do PB e o seu nível de coexistência com o Tu. A partir do rigoroso controle do perfil sociolingüístico dos informantes, à luz de Lobo (2001a), analisa-se o comportamento lingüístico dos indivíduos ao longo de suas vidas, em fins do século XIX e na primeira metade do século XX (panel study cf. Labov 1994). O caráter inovador deste trabalho está na tentativa de elaboração de uma proposta metodológica para o estudo de painel voltado para sincronias passadas. Partindo do pressuposto de que Você apresenta, no século XVIII, um caráter híbrido, comportando-se como uma forma pronominal de tratamento (Rumeu, 2004), postulam-se, para fins do XIX e para a primeira metade do século XX, indícios mais nítidos da sua pronominalização e conseqüente inserção no quadro pronominal do PB (cf. Duarte 1993, 1995). Isso se deve ao fato de, no século XIX, fase de transição, a forma Você ser empregada como um tratamento de prestígio, usado pela elite brasileira nas cartas de pessoas ilustres (Soto, 2001) e, ao mesmo tempo, ser adotado no uso doméstico (Lopes e Machado, 2005). 10 A análise da variação entre as estratégias relacionadas a formas de P2 (Tu) e de P3 (Você) evidenciou o emprego predominante de formas de Tu sobre Você. O estudo de painel mostra que, na produção escrita das mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães, o pronome-sujeito Você é mais produtivo, principalmente, no contexto sócio-histórico dos anos 30. No que se refere à representação formal dos sujeitos pronominais, há praticamente uma distribuição complementar: sujeito Tu nulo e Você pleno, o que parece apontar um estágio de transição para a mudança de parâmetro do sujeito nulo (cf. Duarte 1993, 1995). Com relação ao sujeito Você, constatou-se uma distribuição equilibrada entre pleno e nulo, com favorecimento para o primeiro. Se, por um lado, a forma inovadora desvendaria um comportamento típico de uma língua de sujeito nulo, por outro, já revelaria, na amostra, indícios do que se firmará mais tarde: maior índice de preenchimento da posição de sujeito no PB. O Tu ainda resiste como pronome complemento não preposicionado (te) e como pronome possessivo (teu/tua). O Você se instalou mais rapidamente, no quadro pronominal do PB, como sujeito, preferencialmente preenchido, e como complemento preposicionado (com você) – actuation problem, cf. Weinreich et alii (1968) –, considerando a sua história de pronominalização Vossa Mercê>Você como um processo mudança que pareceu ser notadamente conduzida pelas mulheres no contexto sócio-histórico do Brasil dos anos 30 (embbeding problem, cf. Weinreich et alii 1968). Editam-se, com fac-símile, em volume anexo, cento e setenta cartas trocadas entre os brasileiros da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Palavras-chave: Mudança Lingüística, Quadro Pronominal, A inserção de ‘Você’ no Português Brasileiro, Cartas Pessoais (Familiares). Rio de Janeiro Dezembro de 2008. 11 ABSTRACT The implementation of ‘Você’ in Brazilian Portuguese of the nineteenth and twentieth centuries: A Panel Study. Márcia Cristina de Brito Rumeu Advisor: Célia Regina dos Santos Lopes. The abstract of the Doctoral Thesis submitted to the Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –, as part of the necessary requirements to obtain the Doctor Title in Portuguese Language. The main aim of this doctoral thesis is to research the insertion of ‘Você’ (You) in the pronominal system of the Brazilian Portuguese and the level of coexistence with the pronoun ‘Tu’ (You) in hand-written private letters of the Brazilian family Pedreira Ferraz - Magalhães. Based on a rigorous control of the sociolinguistic profile of informants of the personal letters, in the light of Lobo (2001a), the linguistic behavior of writers was analyzed along their lives, in the end of the nineteenth century and on the first half of the twentieth century (panel study, cf. Labov 1994). The innovator side of this investigation is the application of the methodology so as to develop the panel study according to the labovian ideas to explain the progress of the linguistic change in the past. Taking into consideration the “cross-bred” side of Você, in the 18th century, as a pronominal form of address (Rumeu 2004), it is possible to postulate that there are clear-cut evidences of the linguistic change process suffered by Você, at the end of the nineteenth century and in the first half of the twentieth century. It contributed to its insertion in the pronominal system of the Brazilian Portuguese as a pronoun of the 2nd person singular of discourse (Duarte 1993, 1995). In fact, the pronoun Você (You) was used as a way of prestige treatment by the 12 upper class of Brazilian society at the end of the nineteenth century (Soto 2001); moreover, the Você is also adopted in the homely use (Lopes e Machado 2005). This study shows that the pronoun Tu (You) was preferred by writers of the Pedreira Ferraz – Magalhães family. The panel study suggests the high productiveness of the subject-pronoun Você (You) in the handwriting production of the women in the thirties of the twentieth century. In relation to the formal representation of the pronominal referential subject, there was a complementary arrangement: Tu as null subject and Você as full subject. This result indicates a transition level in order to show a parameter change of the language of null subject as shown by empirical researches (Duarte 1993, 1995). If the pronominal form Você (You) would reveal the language of the null subject, otherwise, it would also bring out vestiges of the future: the advance of the full subject in Brazilian Portuguese. The pronoun Tu still resists as a complement pronoun without prepositions (te) and as possessive pronoun (teu/tua). The pronoun Você was installed quickly as full pronominal subject and as a complement pronoun with prepositions (com você) – actuation problem, cf. Weinreich et alii (1968). Concerning the history of grammaticalization of Vossa Mercê>Você in Portuguese, it is possible to recognize that the Brazilian women led the linguistic change in the thirties of the twentieth century (embedding problem, cf. Weinreich et alii 1968). One hundred seventy hand-written private letters, exchanged among the Brazilian writers of the Pedreira Ferraz – Magalhães family, are being edited with facsimile’s help in an attached volume. Key-words: Linguistic Change, Pronominal System, The implementation of ‘Você’ in Brazilian Portuguese, hand-written private letters (easy style letters). Rio de Janeiro 13 December, 2008. SUMÁRIO VOLUME I Índice de Gráficos, Imagens, Quadros e Tabelas ........................... 17-20 Abreviaturas e Convenções ............................................................... 21 CAPÍTULO 1. APRESENTAÇÃO ................................................................. 22 CAPÍTULO 2. REVISÃO HISTÓRICO – DESCRITIVA ......................................... 28 2.1 Breve resgate da história de formação do Você no português. 28 2.2 O resgate de estudos sobre a alternância Tu e Você no português brasileiro. .................................................................. 32 2.2.1 Os pronomes Tu e Você no português brasileiro escrito: estudos diacrônicos dos séculos XIX, XX e XXI. . 32 2.2.2 Os pronomes Tu e Você no português brasileiro falado: estudos sincrônicos. ........................................... 42 CAPÍTULO 3. AS CARTAS PESSOAIS CONTEXTO SÓCIO – HISTÓRICO DA DO FAMÍLIA PEDREIRA FERRAZ – MAGALHÃES BRASIL OITOCENTISTA E NO NOVECENTISTA. .......................................................................................................... 58 3.1 A caracterização da amostra constituída: uma família brasileira culta no despertar do século XX. ................................................ 58 3.2 A história privada das famílias Pedreira Ferraz e Castro Magalhães. ................................................................................ 65 CAPÍTULO 4. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ............................ 81 4.1 A Mudança lingüística à luz dos pressupostos variacionistas.77 4.2 A variação e a mudança lingüística em tempo real de curta duração: os estudos de painel e de tendências aplicados a análises 14 diacrônicas. ............................................................................... 86 4.3 O fator gênero em processos de variação e mudança lingüísticas.. .............................................................................. 91 4.4 Por um estudo de painel em sincronias passadas: os entraves e os avanços da aplicação de um modelo. ..................................... 97 4.5 Proposta metodológica para os estudos da mudança lingüística em tempo real de curta duração: o estudo de painel em sincronias passadas. ................................................................................ 107 CAPÍTULO 5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS .............................. 115 5.1 A variação entre as formas de P2 (Tu) e P3 (Você): a amostra e os grupos de fatores. .............................................................. 115 5.2 Resultados gerais das formas relacionadas a Tu e a Você nas cartas da família Pedreira Ferraz-Magalhães. ........................... 125 5.3 O sujeito pronominal Tu e Você na família Pedreira – Ferraz Magalhães: um estudo em tempo aparente. ............................. 151 CAPÍTULO 6. O PRONOMINAL ESTUDO DE PAINEL EM SINCRONIAS PASSADAS: A REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO TU E VOCÊ EM CARTAS OITOCENTISTAS E NOVECENTISTAS. ................................................................................ 163 6.1 A estabilidade dos missivistas Dr. Pedreira, Fernando e Pe. Jerônimo: a preferência pelo Tu pronominal. ............................ 169 6.2 A instabilidade das missivistas Maria Elisa e Maria Joana: a preferência pelo Tu pronominal. ............................................... 194 6.3 A instabilidade das missivistas Maria Bárbara e Maria Rosa: a preferência pelo Você pronominal. ............................................ 211 6.4 A estabilidade da missivista Maria Leonor: a preferência pelo Você pronominal. ..................................................................... 231 6.5 Breves considerações com base no estudo de painel dos homens e das mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães. ................................................................................................ 238 15 CAPÍTULO 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................... 249 8. BIBLIOGRAFIA................................................................................. 257 VOLUME II EDIÇÃO FAC-SIMILAR SEMI-DIPLOMÁTICA DA DAS CARTAS FAMÍLIA PEDREIRA FERRAZ – MAGALHÃES Apresentação das Normas para a transcrição de manuscritos dos séculos XIX e XX. ........................................................................ 22-25 Edição das cartas pessoais oitocentistas e novecentistas da Família Pedreira Ferraz – Magalhães aliada às Fichas de identificação dos missivistas. ............................................................................... 28-654 Ficha de identificação do missivista Dr. Pedreira ...................... 26 Cartas do missivista Dr. Pedreira ........................................ 28-64 Ficha de identificação da missivista Zélia ................................. 68 Cartas da missivista Zélia ................................................... 70-83 Ficha de identificação do missivista Jerônimo .......................... 91 Cartas do missivista Jerônimo .......................................... 93-113 Ficha de identificação da missivista Maria Teresa .................. 115 Cartas da missivista Maria Teresa .................................. 117-133 Ficha de identificação da missivista Maria Amália .................. 136 Cartas da missivista Maria Amália .................................. 138-142 Ficha de identificação da missivista Maria Bárbara ................ 146 Cartas da missivista Maria Bárbara ................................ 148-172 Ficha de identificação da missivista Maria Elisa ..................... 174 Cartas da missivista Maria Elisa ..................................... 176-222 Ficha de identificação do missivista Fernando ................. 223-224 Cartas do missivista Fernando ........................................ 226-366 16 Ficha de identificação do missivista Pe. Jerônimo ................... 367 Cartas do missivista Pe. Jerônimo ................................... 369-407 Ficha de identificação da missivista Maria Leonor .................. 409 Cartas da missivista Maria Leonor .................................. 411-465 Ficha de identificação da missivista Maria Rosa ..................... 466 Cartas da missivista Maria Rosa ..................................... 468-522 Ficha de identificação da missivista Maria Joana ................... 526 Cartas da missivista Maria Joana ................................... 528-653 ANEXO Árvore genealógica da Família Pedreira Ferraz – Magalhães. 17 ÍNDICE DE GRÁFICOS, IMAGENS, QUADROS E TABELAS: Quadro 1: Representação gráfica da pirâmide social portuguesa nos séculos XV e XVI: ampliação dos contextos de uso da forma Vossa Mercê no português europeu. ........ 31 Imagem 1: A família Pedreira Ferraz - Magalhães em 1890. ..................................... 73 Imagem 2: Os oito filhos religiosos de Zélia, reunidos no Mosteiro do Bom Pastor (Rio de Janeiro), em Janeiro de 1933. ............................................................................ 75 Quadro 2: Padrões de mudança lingüística no indivíduo e na comunidade, conforme Labov (1994). .......................................................................................................... 86 Quadro 3: Padrões de mudança no indivíduo e na comunidade adaptados de Labov (1994:83) por Sankoff (2006:05). ............................................................................. 88 Imagem 3: Trecho da carta de Maria Rosa, com 70 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 21.02.1948. .................................................................................................. 99 Imagem 4: Trecho da carta de Maria Rosa, 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro. Mosteiro do Bom Pastor, 16.09.1898. ...................................................................... 99 Imagem 5: Trecho da carta de Maria Leonor, com 29 anos, ao avô Dr. Pedreira. Belém do Pará, 13.06.1909. ............................................................................................. 100 Imagem 6: Trecho da carta de Maria Leonor, com 29 anos, a mãe Zélia, em 10.10.1909. .......................................................................................................... 100 Imagem 7: Trecho da carta de Maria Bárbara, com 17 anos, a mãe Zélia. Mosteiro do Bom Pastor, 20.05.1900. ...................................................................................... 100 Imagem 8: Trecho da carta de Fernando, com 29 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922. ........................................................................................... 101 Imagem 9: Trecho da carta de Maria Rosa, com 53 anos, a Maria Joana (Jane). Montevidéu, 15.02.1931. ...................................................................................... 101 Imagem 10: Trecho da carta de Maria Rosa, com 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro. Mosteiro do Bom Pastor, 26.06.1898. .................................................................... 102 Imagem 11: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 59 anos, a sua filha. Rio de Janeiro, 20.11.1922. ......................... 102 Imagem 12: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 49 anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 16.10.1912. .................... 102 Imagem 13: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 57 anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 29.03.1920. .............................................................................................................................. 103 Imagem 14: Trecho da carta de Maria Leonor, com 40 anos, a irmã Maria Joana (Jane). PE, Olinda, 11.07.1920. ........................................................................................ 103 18 Imagem 15: Trecho da carta de Maria Rosa, com 56 anos, ao irmão (Bebê). La Plata, 05.04.1934. .......................................................................................................... 104 Imagem 16: Trecho da carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. Pouso Alegre, 08.12.1922. ..................................................................................... 104 Quadro 4: Cartas oitocentistas e novecentistas da Família Pedreira Ferraz – Magalhães distribuídas pelas fases A (1877 – 1897), B (1898 – 1923) e C (1924 – 1948) .. 117-119 Quadro 5: Síntese com a distribuição das cartas pessoais em relação à faixa etária dos missivistas. ........................................................................................................... 120 Tabela 1: Distribuição geral das ocorrências de P2 (Tu) e P3 (Você) em cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães: todos os dados. .............................................................................................................................. 125 Tabela 2: A combinação das formas pronominais Tu e Você com formas de P2 e P3 nas cartas oitocentistas e novecentistas. Valor de aplicação: Tu (P2). .......................... 130 Imagem 17: Trecho da 3ª página da carta de Pe. Jerônimo, com 44 anos, ao irmão Fernando. (Vila Antonio Dias, MG, 21.09.1925.) .................................................... 132 Tabela 3: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação às categorias gramaticais (pronomes/verbos) na amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Valor de aplicação: Tu (P2). ................................................................. 134 Tabela 4: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) pelos missivistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Valor de aplicação: Tu (P2). ........................... 137 Tabela 5: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em função do gênero dos missivistas. Valor de aplicação: Tu (P2). ................................................................ 140 Tabela 6: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação à faixa etária dos missivistas. Valor de aplicação: Tu (P2). .......................................................... 141 Tabela 7: Cruzamento dos grupos de fatores gênero e faixa etária em relação à produtividade das formas de P2 (Tu) e de P3 (Você) nas cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz Magalhães. ............................................. 143 Tabela 8: Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas pessoais oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. ........................................... 146 Quadro 6: Missivistas do estudo em tempo aparente. ............................................ 152 Tabela 9: Distribuição dos dados de Tu e Você pronominais em relação aos grupos etários: estudo em tempo aparente (1905 – 1920). ................................................. 152 Gráfico 1: Estudo em tempo aparente: uso de Tu e Você como sujeitos de segunda pessoa do discurso distribuídos entre os missivistas jovens, adultos e idosos da Família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os anos de 1905 e 1920. ...................... 154 Tabela 10: Distribuição dos dados de Tu e Você pronominais em relação aos grupos etários/gênero: estudo em tempo aparente (1905 – 1920). ..................................... 155 19 Gráfico 2: Estudo em tempo aparente: ocorrências de Você distribuídas pelo gênero (feminino e masculino) em relação à faixa etária dos missivistas (jovens, adultos e idosos) da família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os anos de 1905 e 1920. ....... 155 Tabela 11: A representação nula ou plena do sujeito pronominal por homens e mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães entre 1905 e 1920: um estudo em tempo aparente. .................................................................................................... 157 Gráfico 3: A representação pronominal do Você pelos homens. .............................. 159 Gráfico 4: A representação pronominal do Você pelas mulheres. ............................ 159 Quadro 7: Missivistas do Estudo de Painel. ........................................................... 165 Tabela 12: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas do Dr. Pedreira aos filhos entre os anos de 1876 e 1896. ........................................... 170 Gráfico 5: Comportamento lingüístico do Dr. Pedreira em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso nas cartas destinadas à filha Zélia entre os anos de 1877 e 1896. ...................................................................... 172 Tabela 13: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas do missivista Fernando entre os anos de 1919 e 1933. ........................................ 176-177 Gráfico 6: Comportamento lingüístico do missivista Fernando em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1919 e 1933. ......................................................................................................... 178 Tabela 14: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pelo informante Pe. Jerônimo aos irmãos entre os anos de 1905 e 1931. .............................................................................................................................. 186 Gráfico 7: Comportamento lingüístico do missivista Pe. Jerônimo em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1905 e 1931. ............................................................................................ 190 Tabela 15: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Elisa aos irmãos entre os anos de 1915 e 1938. .195 Gráfico 8: Comportamento lingüístico da missivista Maria Elisa em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1915 e 1938. ......................................................................................................... 198 Imagem 18: Trecho de carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo em Pouso Alegre, 29.06.1922. ..................................................................................... 199 Tabela 16: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Joana aos irmãos entre os anos de 1912 e 1947. 20 ....................................................................................................................... 202- 203 Gráfico 9: Comportamento lingüístico da missivista Maria Joana em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1912 e 1947. ............................................................................................ 207 Tabela 17: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Bárbara aos irmãos entre os anos de 1911 e 1928. .............................................................................................................................. 212 Gráfico 10: Comportamento lingüístico da missivista Maria Bárbara em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1911 e 1928. ............................................................................................ 215 Tabela 18: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Rosa aos irmãos entre os anos de 1908 e 1948. .219 Imagem 19: Trecho da carta de Maria Rosa, com 41 anos, ao irmão Pe. Jerônimo, confeccionada em Montevidéu, 11.09.1919. .......................................................... 222 Gráfico 11: Comportamento lingüístico da missivista Maria Rosa em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1908 e 1948. ............................................................................................ 224 Tabela 19: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Leonor aos irmãos entre os anos de 1913 e 1933. .............................................................................................................................. 232 Gráfico 12: Comportamento lingüístico da missivista Maria Leonor em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1913 e 1933. ............................................................................................ 235 Gráfico 13: Emprego de “Você” na posição de sujeito em cartas pessoais: painel dos homens da família Pedreira Ferraz – Magalhães ao longo de suas vidas. ................ 239 Gráfico 14: Emprego de “Você” na posição de sujeito em cartas pessoais: painel das mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães ao longo de suas vidas. .............. 240 Quadro 8: Proposta de Estágios da Pronominalização de Vossa Mercê > Você no PB adaptado de Rumeu (2004). .................................................................................. 251 21 ABREVIATURAS E CONVENÇÕES: AN - RJ → Arquivo Nacional C1 – C 30 → Carta 01 a Carta 30 NURC → Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta PB → Português Brasileiro PE → Português Europeu PHPB – RJ → Projeto Para uma História do Português Brasileiro (Equipe do Rio de Janeiro) PEUL → Programa de Estudos sobre o Uso da Língua PnB → Português no Brasil P2 → Segunda Pessoa do Singular P3 → Terceira Pessoa do Singular [- EU] → Segunda Pessoa (Traço de Pessoa Semântica) [Ø eu] → Segunda Pessoa (Traço de Pessoa Formal) 22 CAPÍTULO 1. APRESENTAÇÃO. Esta tese tem como tema geral o estudo da norma escrita culta do português brasileiro (doravante PB) em cartas pessoais oitocentistas e novecentistas. A partir do controle do perfil sócio-cultural dos informantes (missivistas), à luz de Lobo (2001a), investiga-se o comportamento lingüístico de brasileiros cultos unidos por vínculos familiares (família Pedreira Ferraz – Magalhães) ao longo de suas vidas, em fins do século XIX e na primeira metade do século XX (panel study cf. Labov 1994). Em termos do objeto de estudo, analisa-se, com base nessas cartas pessoais (familiares), o processo de inserção de Você no sistema e o seu nível de coexistência com o Tu no PB dos períodos em estudo. A análise da implementação de Você no quadro pronominal está estruturada em três estudos parciais intrinsecamente relacionados. O primeiro é reservado a um levantamento geral de todas as realizações das formas de P2 (Tu) e de P3 (Você) encontradas nas missivas que compõem a amostra. O objetivo é depreender os contextos em que o Tu ainda resiste e os ambientes morfossintáticos em que o Você é introduzido mais rapidamente no sistema. Considerando o fato de outros estudos (Lopes 2007; Lopes 2008; Lopes e Duarte 2007; Lopes e Machado 2005; Marcotulio et alii 2007; Rumeu 2004) terem evidenciado o sujeito como um domínio funcional favorecedor à pronominalização de Você no PB, produz-se, em um segundo momento, um estudo em tempo aparente (apparent time, cf. Labov 1994) cujo foco se restringe à representação nula ou plena das formas Tu e Você como sujeitos pronominais. Acredita-se que a distinção entre homens e mulheres distribuídos nas três gerações (jovens, adultos e idosos), no período de 1905 a 1920, permita esboçar quem impulsionou o avanço de Você no quadro pronominal do PB. No terceiro, analisa-se, em relação à representação nula ou plena dos sujeitos Tu e Você, o comportamento 23 lingüístico de oito informantes da família brasileira em distintos intervalos de tempo (estudo de painel). O objetivo é, sobretudo, sugerir os procedimentos metodológicos do estudo de painel em sincronias passadas a fim de evidenciar, em conformidade com o pensamento laboviano, a progressão da mudança lingüística em tempo real de curta duração. As hipóteses deste trabalho foram formuladas a partir dos resultados de outros estudos sobre o tema na tentativa de depreender como, quem e quando o Você suplanta o Tu no PB. A partir da constatação de Rumeu (2004) de que o Você, no século XVIII, ainda se comportava como uma forma pronominal de tratamento, postula-se que, em fins do século XIX, e, no século XX, seja possível entrever mais evidências da sua pronominalização e conseqüente admissão no nosso quadro pronominal, cf. Duarte (1993). Nesse período de transição, o Você ainda conserva uma relativa formalidade, mas se manifesta, por outro lado, em alternância com o Tu. Em outras palavras, entende-se que ainda que o Você viesse sendo empregado, desde o século XIX, como forma de tratamento da elite brasileira, representada pelo imperador Dr. Pedro II e a condessa de Barral, cf. Soto (2001), já se mostrava generalizado no uso doméstico dos Ottoni, cf. Lopes e Machado (2005). Acrescente-se o fato de ser a mulher da família Ottoni (Bárbara Ottoni) a responsável pelo emprego de tal inovação lingüística na intimidade da relação entre avó-netos (crianças) e mãe-filha. Partindo dessas observações, busca-se, neste estudo, testar a hipótese laboviana (1990) de que as mulheres tendem a alavancar os processos de mudança lingüística, sendo assim consideradas “inovadoras”. As mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães, ao preferirem o inovador Você, poderiam ser consideradas “inovadoras”, conforme previa Labov (1990)? Outra hipótese se refere ao momento da implementação de Você no quadro pronominal do PB. Machado (2006:99) comprovou, com base em peças teatrais, que, a partir de 1918, o Você se consolida como principal 24 estratégia de referência à segunda pessoa, alterando “substancialmente o comportamento do preenchimento dos sujeitos ao longo do século XX, visto que a elevação da freqüência de uso das formas plenas está intimamente ligada ao aumento da freqüência do emprego de você”. Isso posto, acredita-se que a partir do estudo pormenorizado do comportamento de cada um dos informantes em sua individualidade, através da análise de painel (panel study, cf. Labov 1994), seja possível confirmar ou infirmar o período entre os anos 20 e 30 do século XX como o momento de instauração do Você no sistema pronominal do PB. Ademais esta investigação ofereça um pormenorizado estudo de painel direcionado à elucidação do nosso passado lingüístico, dispõe-se, à comunidade acadêmica, a edição semi-diplomática de cento e setenta cartas familiares produzidas por “mãos” legitimamente brasileiras. Acompanha-se a produção escrita da família Pedreira Ferraz – Magalhães basicamente em três gerações. A primeira geração é a do Dr. Pedreira (patriarca da família) que escreve aos filhos e aos netos, no contexto histórico-social da corte carioca, em fins do século XIX. A segunda geração é a de Zélia (filha do Dr. Pedreira e matriarca da família) que escreve aos seus filhos em inícios do século XX. A terceira geração é a dos filhos de Zélia (netos do Dr. Pedreira) que trocaram correspondências entre si, no interior dos conventos do Brasil e do exterior, no decorrer da primeira metade do século XX. Destaque-se que, com base na produção escrita desses informantes cujos perfis sociais – origem (nacionalidade e naturalidade), filiação, idade, gênero (sexo), nível de escolaridade, representação social – foram levantados, seja possível entrever as redes de relações sociais tecidas entre brasileiros que nasceram e viveram no Brasil imperial e republicano. Trata-se, pois, de amostras de cartas familiares confeccionadas por informantes pertencentes a uma abastada e conservadora família rigidamente vinculada aos valores do catolicismo cristão, o que permitirá elucidar aspectos sócio-históricos e lingüísticos da vida 25 corriqueira de uma família de brasileiros, mais particularmente cariocas, no seu convívio familiar. Estima-se que, através dos estudos lingüísticos embasados nos textos escritos em terras brasileiras tais como as cartas de comércio produzidas no Brasil da segunda metade do século XVIII, editadas por Barbosa (1999), as cartas particulares do Recôncavo Baiano do século XIX, editadas por Lobo (2001a), as cartas da administração pública e as cartas da administração privada confeccionadas no Rio de Janeiro dos séculos XVIII e XIX, editadas por Rumeu (2004), seja possível contribuir para a análise da face brasileira assumida pela língua portuguesa na realidade sócio-histórica do Brasil (Português no Brasil). A esses corpora que vieram elucidar o português no Brasil, apresenta-se o estudo lingüístico-filológico de Carneiro (2005) que, por sua vez, contribui para a reconstrução da história do PB, ao editar cartas de brasileiros cultos (cartas da administração privada), confeccionadas no Brasil, no desenrolar de todo o século XIX, mais precisamente entre 1809 e 1904. Assim sendo, entende-se que esta investigação lingüística venha a acrescentar aos estudos sobre a constituição histórica do PB, uma vez que as cartas em estudo apresentam alto caráter pessoal e foram confeccionadas por informantes letrados, vinculados a uma mesma família e representantes, nesta investigação, da escrita culta do Rio de Janeiro, no início do século passado. Assumindo o objetivo de vislumbrar a expressão da escrita efetivamente praticada por escreventes letrados, na sua produção textual informal, pretende-se, não só, no que se refere à análise lingüística, investigar o processo de implementação de Você no quadro pronominal, mas também, no que toca à construção da sócio-história de uma família culta que circulava na corte carioca no alvorecer da República, responder as seguintes questões: 26 1. Considerando que Rumeu (2004) detecta, em cartas setecentistas e oitocentistas, um Você híbrido, busca-se responder a seguinte questão: em que estágio de pronominalização se encontra o inovador Você na virada do século XIX e primeiro quartel do século XX no PB, transition problem, segundo Weinreich et alii (1968)? 2. Por que ocorreu a inserção de Você no quadro pronominal do PB (actuation problem, cf. Weinreich et alii 1968)? Qual é o contexto sóciohistórico de implementação da forma Você nas matrizes lingüística e social do PB (embbeding problem), conforme Weinreich et alii (1968)? 3. A investigação do caminho trilhado pela forma Você (transition problem, cf. Weinreich et alii 1968), na virada do século XIX para o século XX, passa pela análise do comportamento lingüístico do indivíduo no uso idiossincrático do conservador Tu (estratégia de referência ao interlocutor licenciada pela norma gramatical) e do inovador Você (estratégia nova de referência ao interlocutor). Deseja-se, através da proposta de confecção de um estudo de painel (panel study), pensada por Labov (1994), refinar a metodologia de estudo da mudança lingüística em tempo real voltada para sincronias passadas. O objetivo é organizar os procedimentos de estudo da mudança em progresso na diacronia a fim de depreender o comportamento dos membros da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Esses indivíduos, ao mudarem de faixa etária, se mostram estáveis ou instáveis em relação à variação entre os pronomes-sujeito Tu e Você? Com o intuito de dar conta dos objetivos desta investigação, estruturou-se este estudo em sete capítulos. No primeiro capítulo, introdução, apresentam-se as diretrizes gerais deste trabalho, as hipóteses que o norteiam e as amostras que o embasam. No segundo capítulo, expõem-se alguns resultados de trabalhos lingüísticos sobre a variação Tu e Você em diferentes corpora do PB dos séculos XIX, XX e 27 XXI. Posteriormente, no capítulo 3, caracterizam-se os corpora e recupera-se a história da família Pedreira Ferraz – Magalhães. No quarto capítulo, explicitam-se os pressupostos teórico-metodológicos que fundamentam esta análise lingüística à luz da Teoria da Variação de orientação laboviana. Passa-se, no capítulo 5, à análise descritivoanalítica não só dos resultados gerais da variação Tu e Você (item 5.2) em diferentes contextos morfossintáticos, mas também dos resultados do estudo da mudança em tempo aparente (apparent time cf. Labov 1994), no item 5.3, com relação ao preenchimento do sujeito. O capítulo 6 apresenta o estudo de painel dos missivistas (panel study, cf. Labov 1994). Enfim, chegam-se, no capítulo 7, às considerações finais desta tese. No segundo volume desta tese, apresenta-se a edição fac-similada semi-diplomática de cento e setenta cartas (170) trocadas entre os membros da família Pedreira Ferraz – Magalhães. As referências do onde e do quando foram produzidas as missivas, da naturalidade, da nacionalidade e da idade do autor das cartas, seguidos de um breve resumo do conteúdo das epístolas são expostos antes da transcrição da carta. Expõem-se também as fichas de identificação de todos os missivistas das cartas, confeccionadas à luz de Lobo (2001a), e a árvore genealógica da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Acredita-se ser legítima a preocupação do lingüista-pesquisador em expor, à comunidade acadêmica, a reprodução fac-similar da missiva não só para que se confirme ou infirme a interpretação do código escrito, mas também para que se viabilizem outras análises de teor lingüístico, paleográfico e/ou sócio-histórico com base em um homogêneo conjunto de cartas certificadamente produzidas por brasileiros cultos. 28 CAPÍTULO 2. REVISÃO HISTÓRICO – DESCRITIVA. 2.1 Breve resgate da história de formação do Você no português. A língua portuguesa herdou do latim um sistema dual de referência à segunda pessoa do discurso. O pronome Tu, no plano da intimidade, e o pronome Vós, no plano da cortesia. Segundo Cintra (1972), o Vós, até princípios do século XV, representou a forma de tratamento cerimonioso preferida da realeza portuguesa. A partir dessa fase, entretanto, o cerimonioso Vós começou a dividir espaço de atuação com expressões de caráter nominal utilizadas para o tratamento da realeza na sociedade lusitana. A sociedade portuguesa de origem feudal reorganizou-se em virtude do surgimento de uma nova classe social – a burguesia. No fim do século XV e início do século XVI, além do clero e da nobreza, também a burguesia vem a compor, em Portugal, a pirâmide social. O fato de o monarca lusitano ter tido que dividir o glamour do cenário social com a classe burguesa conduziu à reestruturação das relações interpessoais de modo que estas evidenciassem, preferencialmente, a soberania do rei em relação às demais camadas sociais. Com o intuito de evidenciar, através de formas de tratamento respeitosas, uma sociedade rigidamente hierarquizada foram instituídas, na segunda metade do século XV, expressões substantivas especificamente direcionadas ao tratamento da realeza portuguesa, tais como Vossa Majestade, Vossa Alteza, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Vossa Mercê, por meio das leis de cortesia estabelecidas, em 1586, por Felipe II, na Espanha e, em 1597, por Felipe I, em Portugal. Conforme a legislação imperial, Felipe I estabelece, em Portugal, as formas nominais de tratamento Vossa Majestade para o Rei e para a Rainha, Vossa Alteza para Príncipes e seus sucessores, Vossa Excelência para sucessores dos Infantes e para o Duque de Bragança e Vossa Senhoria para o Clero e autoridades do Império Português. A forma nominal de 29 tratamento Vossa Mercê se dissemina pela nobreza e também pela burguesia portuguesa, comportando-se como uma estratégia de tratamento formal que se opunha ao informal Tu. No século XVIII, o autor afirma que o Vós como forma empregada para fazer referência a um único interlocutor, àquela altura do processo de reorganização do sistema de tratamento do português, já se constituía como um traço arcaizante da língua, condenada, pois, ao desuso. Uma vez que se considere – parafraseando Bakhtin (1973) – a língua como o sensor das transformações sociais, há de se considerar, com base na Sociolingüística Variacionista Laboviana (cf. Weinreich et alii 1968), a variação como um fenômeno inerente às línguas humanas e a mudança lingüística como um processo que se encaixa – embedding problem – tanto no eixo lingüístico, quanto no eixo social. Os motivos para o abandono do pronome de tratamento Vós como uma demonstração de polidez para com a realeza portuguesa devem ser entendidos a partir do contexto histórico-social de Portugal nos séculos XV e XVI. Em termos sociais, há de se admitir que a corte e a nobreza foram as responsáveis pela adoção e posterior degradação inicial das formas nominais de tratamento cortês, visto que desejavam estabelecer, lingüisticamente, uma diferenciação entre as camadas da pirâmide social portuguesa. Essa tentativa de consolidação de uma sociedade criteriosamente ordenada em diferentes níveis sociais evidenciava o desejo de manutenção do status quo expresso através das relações de poder entre a realeza portuguesa e os seus súditos com base em um relacionamento interpessoal assimétrico. Em termos lingüísticos, observa-se que, em virtude do desuso do pronome Vós para o tratamento cerimonioso do interlocutor, houve a criação de formas nominais de tratamento e entre elas estava a forma nominal de tratamento Vossa Mercê que evoluiu, lenta e gradualmente, até originar a forma pronominal Você em português. No que diz respeito à forma Você, Rumeu (2004) argumenta que tal forma assume, nas cartas oficiais e não-oficiais produzidas no Brasil dos 30 séculos XVIII e XIX, um estágio intermediário no seu processo de mudança categorial. Trata-se, pois, da expressão de um cline (de uma “camada”, cf. Hopper e Traugott 1993) que acaba por evidenciar o Você como uma forma medianeira entre a forma nominal de tratamento que a determinou (Vossa Mercê), no século XV, para referência honorífica, desgastada semanticamente no século XVIII, e o pronome Você que, atualmente, já se inseriu no sistema pronominal do PB, conforme constataram Lemos Monteiro (1994) e Duarte (1995). Ainda segundo Rumeu (2004:126), o Você apresenta-se, pois, como uma forma pronominal de tratamento, deixando entrever, traços sintáticos que o aproximam tanto da forma nominal de tratamento que o impulsionou “Vossa Mercê” (a expressão plena do sujeito e a coreferencialidade com a terceira pessoa gramatical) como da forma pronominal pessoal “Você” (o exercício da função sintática de sujeito e a posição do sujeito (pré-verbal)). Com relação ao encaixamento da mudança categorial de Vossa Mercê para Você nas matrizes lingüística e social (embbeding problem, segundo Weinreich et alii, 1968), Rumeu (2004) constata que, em conformidade com as conclusões de Lopes (1999, 2003) no que se refere à história de formação da forma a gente no PB, a produtiva transformação da forma de tratamento Vossa Mercê no pronome Você deu-se de cima para baixo (change from above, cf. Labov 1994) não se tratando, pois, de uma transformação lingüística isolada. Há uma emergência gradativa de formas nominais de tratamento que passam a substituir o tratamento cortês universal vós, num primeiro momento pela ascensão da nobreza e mais tarde da burguesia que exigia um tratamento diferenciado. Essa propagação, que começa de cima para baixo, se dissemina pela comunidade como um todo, e as formas perdem sua concepção semântica inicial, gramaticalizando-se – algumas de forma mais acelerada que outras, como é o caso de Vossa Mercê > vosmecê > você. Pelo fato de as formas nominais levarem o verbo para a terceira pessoa do singular, houve a redução do nosso paradigma flexional, que perdeu, como já apontou Duarte (1995), ‘a propriedade de licenciar e identificar sujeitos nulos.’ 31 (LOPES, 1999:144) Realeza (séc. XV) Movimento de ‘cima para baixo’ Nobreza Burguesia Plebe (séc. XVI) (séc. XVI) (séc.XVI) Quadro 1: Representação gráfica da pirâmide social portuguesa nos séculos XV e XVI: ampliação dos contextos de uso da forma Vossa Mercê > Você no português europeu. A produtividade de Vossa Mercê deu-se de cima para baixo (change from above, nos termos Labovianos), favorecendo o seu desgaste fonético e semântico até formar Você que, por sua vez, carrega, como traço da forma original, o fato de estabelecer relação de concordância com a terceira pessoa gramatical. A inserção de Você no quadro pronominal do PB conduz a sua reorganização a partir da perda da riqueza flexional, impulsionando-o a não mais licenciar a expressão nula do sujeito referencial em português, conforme Lemos Monteiro (1991), Duarte (1995). 32 2.2 O resgate de estudos sobre a alternância Tu e Você no português brasileiro. Expõem-se, nesta seção, os resultados de alguns dos estudos lingüísticos acerca das estratégias de referência ao interlocutor com corpora diversificados desde o século XIX até o século XXI. Busca-se apresentar uma breve síntese do que já foi discutido sobre a variação dos pronomes de referência à segunda pessoa do discurso Tu e Você, a fim de vislumbrar os aspectos que ainda merecem ser apreciados em relação à reestruturação do quadro pronominal do PB. 2.2.1 Os pronomes Tu e Você no português brasileiro escrito: estudos diacrônicos dos séculos XIX, XX e XXI. Redirecionando o foco desta revisão histórico-descritiva especificamente para análise das formas Tu e Você, passa-se à exposição dos resultados dos trabalhos que versam sobre o português dos séculos XIX, XX e XXI, em diferentes amostras de língua escrita. São eles: o de Lopes e Machado (2005) com cartas pessoais oitocentistas da família Ottoni; o de Lopes (2007) com cartas oitocentistas destinadas ao ilustre Rui Barbosa; o de Barcia (2006) com cartas de leitores publicadas em jornais brasileiros oitocentistas; o de Chaves (2006) com cartas particulares produzidas em Minas Gerais, entre os anos de 1800 e 1954; o de Soto (2001) com cartas brasileiras oitocentistas e novecentistas; o de Brito (2001) com cartas pessoais e peças teatrais dos séculos XIX e XX; o de Machado (2006) com peças teatrais ambientadas no Rio de Janeiro do século XX; o de Marcotulio et alii (2007) com bilhetes amorosos produzidos no Rio de Janeiro, em 1908 e o de Lopes (2008) com uma visão panorâmica da inserção de Você no PB entre os séculos XX e XXI. 33 Lopes e Machado (2005), com base em uma amostra de quarenta e uma cartas pessoais redigidas, no contexto sócio-histórico de fins do século XIX, por um casal de brasileiros cultos (Christiano Benedicto Ottoni e Barbara Balbina de Araújo Maia Ottoni) e direcionadas aos seus netos (Mizael e Christiano), observam as distintas preferências dos avós, ao fazerem referência aos sujeitos de segunda pessoa do discurso com as estratégias pronominais Tu e Você. O avô Christiano prefere o Tu combinando-o com formas de segunda pessoa do discurso (P2) e o pronome Vocês categoricamente na função de sujeito, o que era de se esperar de um avô-professor sempre voltado para a correta expressão da norma gramatical do português. Já a avó Barbara evidencia um maior nível de desprendimento em relação aos preceitos gramaticais, uma vez que apresenta maior variação na combinação entre Tu e Você com formas de segunda e terceira pessoas. As autoras discutem, à luz dos princípios de gramaticalização persistência e decategorização, conforme Hopper (1991), a combinação das formas pronominais Tu e Você com os pronomes complementos e possessivos de segunda e terceira pessoas. Na forma Você, constataram que ainda persiste a especificação original de terceira pessoa (P3), ainda que a interpretação semântica seja de segunda pessoa do discurso (P2). Na produção escrita da avó Barbara, Lopes e Machado averiguaram que a forma Você assume uma interpretação semântica de segunda pessoa [- EU], embora possa estar combinada com formas de P2 (te manda) – evidência de decategorização, isto é, da adoção de traços da categoriadestino (pronome) – ou de P3 (sua cartinha) – expressão de persistência de resquícios formais da categoria-fonte (a forma nominal de tratamento Vossa Mercê). Tal comportamento lingüístico levou as autoras a detectarem, na escrita de brasileiros cultos, a tão condenada “mistura de pronomes”, evidenciando a concorrência entre Tu e Você nas relações interpessoais íntimas e solidárias no PB de fins do século XIX. Lopes (2007), em O tratamento ao Rui Barbosa, pretende analisar as novas possibilidades combinatórias produtivas a partir da inserção 34 de Você no quadro pronominal do PB (Você com te~lhe~você, teu/tua~seu/sua, Vocês com lhes~vocês, seus~teus) e examinar a questão da reorganização do sistema de tratamento da língua portuguesa com a implementação de formas gramaticalizadas. Para detectar as motivações da variação entre as formas de referência à segunda pessoa do discurso Tu e Você no PB, embasa o seu estudo em uma amostra de cartas escritas por nove brasileiros (com exceção do remetente de Carlos Nunes de Aguiar que não teve a sua nacionalidade identificada) ao ilustre brasileiro Rui Barbosa, em fins do século XIX. Ao descrever as formas de tratamento produtivas nas cartas a Rui Barbosa, a autora admite que é delineado um quadro de estratégias nominais e pronominais de referência à segunda pessoa do discurso em consonância com os resultados dos estudos sobre o século XIX. Observa-se a forma Vossa Excelência nas missivas mais formais marcadas pelas relações entre remetente e destinatário de natureza transacional2. Nas cartas de Joaquim Nabuco e de Luis Andrade, predominam as formas verbais de terceira pessoa sem sujeito explícito. Nas cartas íntimas, constata-se que a relação entre o remetente e o destinatário das missivas se dá prioritariamente com o pronome de segunda pessoa Tu. Interessante observar o comportamento do informante Carlos Nunes de Aguiar que, numa mesma carta de amizade a Rui Barbosa, emprega formas de P2 (Tu) e de P3 (Você). A autora considera interessante a produção escrita desse informante oitocentista, pois, com base na mescla de tratamento, é possível investigar traços do caráter pronominal do Você e indícios da reestruturação do sistema pronominal do PB. Mostraram-se como fatores relevantes na análise da regra variável Tu ~ Você o paralelismo discursivo (controlado para a análise da Para Briz (2004:80), as relações transacionais (...) são assimétricas por definição, pois o papel funcional, os direitos e as obrigações se apresentam de algum modo determinados e mais estritamente submetidos a convenções sociais. 2 35 mistura da mescla de tratamento numa mesma carta) e os tipos de pronome. No que se refere à análise das formas de P2 ou P3 que precedem as formas Tu e Você na seqüência discursiva, Lopes observa que apesar de as formas Tu e Você ocorrerem, respectivamente, antecedidos por formas de P2 (Tu) e P3 (Você), já se verifica timidamente, nessas cartas, a mescla de formas de P2 (Tu) precedendo o Você e formas de segunda pessoa sendo antecedidas por formas de P3 (Você) e variantes. Com relação aos tipos de pronomes relacionados às formas de P2 (Tu) e de P3 (Você), verificou-se que a forma Você evidencia uma maior produtividade como pronome-sujeito, imperativo e pronome complemento preposicionado (para/com você), enquanto o Tu é favorecido pelos pronomes possessivos (teu/tua), formas verbais não imperativas e pronome complemento não preposicionado (te). Segundo Lopes, esses resultados corroboram a hipótese, que também se quer testar nesta tese, de que a implementação da forma Você no quadro pronominal do PB não se deu de modo idêntico em todas os subtipos pronominais. Com base nas cartas de Aguiar, Lopes observou a variação Tu e Você, na posição de sujeito. O grupo de fatores preenchimento do sujeito foi selecionado como relevante para a aplicação da regra variável. Apesar de o Tu íntimo como sujeito nulo ser a preferência do informante oitocentista em análise, a forma Você como pronome sujeito pleno se deu preferencialmente na indicação do discurso indireto em que o falante se reporta ao discurso de outrem. A autora busca motivações pragmáticas para as ocorrências de Você no discurso reportado. Dessa forma, com base nos conceitos de face positiva (face) e face negativa (território) - Teoria da polidez - pensados por Brown e Levinson (1987), Lopes admite o Você como uma estratégia de tratamento a Rui Barbosa utilizada para suavizar a face negativa (território) do interlocutor, evidenciando, através do discurso reportado, um maior distanciamento social entre remetente e destinatário da missiva. 36 Barcia (2006) se propõe a descrever e a analisar a produtividade das estratégias nominais e pronominais de tratamento de referência à segunda pessoa do discurso em cartas de leitores publicadas em jornais brasileiros oitocentistas. A autora pretende ainda detectar o estágio do processo de pronominalização assumido por Vossa Mercê a originar Você nessa amostra. Em jornais do Brasil oitocentista, detecta as seguintes formas pronominais e nominais de tratamento: Tu, Vós, Você, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Vossa Mercê (suas formas variantes). As formas Vossa Excelência e Vossa Senhoria assumem uma maior produtividade nas relações transacionais e menos solidárias, o que a leva a considerar que tais formas ainda conservem o valor cerimonioso com que foram idealizadas. A forma Vossa Mercê conserva o caráter de cortesia que é peculiar ao seu processo de formação, mas evidencia uma maior freqüência de uso nas relações sociais menos solidárias e transacionais, corroborando, segundo Barcia (2006), a idéia de que os itens em processo de gramaticalização passam por um processo de perda de substância semântica (dessemantização), defendida por Lehmann (1985), Hopper (1991) e Heine (2002). Nos jornais oitocentistas, a legítima forma pronominal Tu assume uma maior freqüência de uso nas ambiências de menor grau de formalidade. A forma Você, ao se desgastar fonética e semanticamente, passa a concorrer com o pronome Tu nas cartas interpessoais e nas relações sociais mais solidárias. No entanto, Barcia (2006) observa o comportamento híbrido da forma Você uma vez que também se apresenta em cartas transacionais tal qual a forma Vossa Mercê. Assim sendo, a autora chega à conclusão de que, na produção jornalística de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, a forma Você apresenta-se em um estágio intermediário do seu processo de gramaticalização (Nome > Pronome → Vossa Mercê > Você). 37 Chaves (2006), com base em um corpus composto por cartas particulares produzidas em Minas Gerais, entre 1800 e 1954, se propôs a investigar a implementação de Você como pronome de tratamento, concebendo o Vossa Mercê como a forma que o originou. A autora busca pistas gráficas que permitam rastrear a história de formação do Você no PB a partir da comparação entre as fases do processo de gramaticalização das formas Vossa Mercê e Você e as diferentes estratégias de abreviação dessas formas de referência à segunda pessoa do discurso. Chaves (2006), tendo em vista as duas etapas do processo de gramaticalização de Você – 1ª) Título > perda do título > aquisição do pronome e 2ª) Sintagma nominal > item lexical > pronome –, comprova que a segunda metade do século XIX deve ser considerada a fase deflagradora dessas transformações lingüísticas. A autora admite que as relações igualitárias travadas entre remetente e destinatário das missivas oitocentistas e novecentistas e o assunto no âmbito privado constituem fatores que favorecem o uso da forma Você nas cartas particulares em análise. Em relação ao gênero dos informantes, constatou que o uso da variante inovadora Você assume uma maior freqüência de uso na produção escrita das mulheres, ao passo que os homens preferem as outras variantes da forma Vossa Mercê. Em relação às abreviaturas, Chaves (2006) comprova que funcionam como traços gráficos que acompanham os estágios do processo da transformação pronominal do Você no PB. Com base na análise de cartas brasileiras, Soto (2001) encaminha o seu estudo acerca das expressões de tratamento pronominal alocutivo no Brasil dos séculos XIX e XX. A autora assume a instabilidade do sistema de tratamentos do português em relação à marcação do lugar do outro – interlocutor – detectada na Carta de Caminha como ponto de partida para a sua investigação. Considera que Você se insere como forma de referência à segunda pessoa do discurso no sistema de pronomes da língua portuguesa, dividindo o seu espaço de atuação com 38 vestígios da forma nominal de tratamento Vossa Mercê – Mecê – e com a forma pronominal Tu. A investigação lingüística das cartas brasileiras novecentistas conduziu Soto (2001) a constatar que o século XX representa o momento de ruptura com um quadro pronominal que previa o Tu como forma licenciada, em conformidade com a norma padrão, para fazer referência à segunda pessoa do discurso. Além disso, comprova que o século XX se apresenta como o período em que se dá a configuração do Você como forma de referência ao interlocutor totalmente desligada do sentido de polidez atribuído à sua forma nominal de tratamento originária, Vossa Mercê. A forma Você se apresenta completamente desvinculada da semântica do Poder, compartilhando o seu campo de manifestação no domínio da informalidade em concorrência com a forma pronominal – Tu. Brito (2001) investiga, a partir de peças de teatro e de cartas pessoais dos séculos XIX e XX, a mudança na uniformidade de tratamento, trazendo à tona os aspectos morfossintáticos que motivaram o falante do PB a se utilizar, não uniformemente, dos pronomes de segunda pessoa na função de objeto mais especificamente nos contextos em que o te está relacionado à forma Você (“Faça o mundo te ouvir”). A autora combina as teorias gerativista (Teoria de Princípios e Parâmetros) e variacionista (Sociolingüística Quantitativa), concebendo que a mudança lingüística ocorre no processo de aquisição da linguagem (Teoria da Mudança Diacrônica). Os resultados de Brito (2001:167) permitem admitir que o emprego do te com a forma de tratamento Você é uma mudança paramétrica, encaixando-se em outras mudanças de parâmetros tais como: a) o não preenchimento da posição de objeto (conforme Cyrino (1997), o PB se direciona para uma nova marcação paramétrica que privilegia a posição de objeto nula); b) a mudança na forma de tratamento e na direção da cliticização (que é da esquerda para a direita, diferindo-se do português clássico e do PE moderno); c) a queda do uso do clítico (o onset da 39 sílaba do clítico acusativo ‘o/a’ deixa de ser licenciado) e d) o enfraquecimento da concordância no PB. Machado (2006) envereda pelo estudo da implementação de Você no quadro pronominal do PB no desenrolar do século XX. Além da análise da variação de formas nominais e pronominais de referência à segunda pessoa do discurso, em peças teatrais ambientadas no Rio de Janeiro, entre os anos de 1908 e 1996, a autora também pretende entender a dinâmica das relações sociais que embasam o uso de estratégias nominais e pronominais com base na discussão tecida por Brown e Gilman (1960), Brown e Levinson (1987). Em seu estudo, detecta persistências formais e semânticas (Hopper, 1991) relacionadas à história de formação do Vossa Mercê como forma nominal de tratamento a originar Você no português. Como evidências de persistência formal de Vossa Mercê na forma Você, encontra os seguintes traços: a conservação da flexão verbal de terceira pessoa do discurso, a manutenção da flexão de número, a produtividade de Você em diferentes funções sintáticas, a tendência de Você fixar-se na posição sintática de sujeito como um traço pronominal adquirido na sua história de formação, a combinação formal do Você com formas de P3, ainda que se combine semanticamente com formas de P2 (decategorização). Como um traço de persistência semântica, tem-se o uso do Você de referência indeterminadora que, por sua vez, pode evocar a sua história de formação como a forma nominal de tratamento Vossa Mercê cuja referência estaria fora do eixo comunicativo. No que se refere às estratégias de referência ao interlocutor e às relações sociais que as embasam, Machado observa que, de modo geral, as formas nominais de tratamento são preferidas nas relações assimétricas ascendentes. A estratégia pronominal Você passa a assumir, a partir de 1918, com base na análise da peça O simpático Jeremias, o espaço do Tu nas relações sociais simétricas e assimétricas descendentes. 40 Marcotulio et alii (2007) se propõem a descrever as formas de referência à segunda pessoa do discurso em bilhetes amorosos escritos no Rio de Janeiro, em 1908, por Robertina de Souza. Com o intuito de apresentar as formas de tratamento produtivas em correspondências de amor trocadas entre amantes no Rio de Janeiro oitocentista, a partir das hipóteses de Lopes (2007), Marcotulio et alli voltaram-se para os pressupostos teórico-metodológicos da teoria da variação de base laboviana (Labov, 1994) e da pragmática sócio-cultural pensada por Bravo & Briz (2004). O estudo dos contextos favorecedores ao uso de Você e dos contextos de resistência do Tu levou à análise do tipo de pronome, do tipo de sujeito (pleno ou nulo), do paralelismo discursivo como fatores lingüísticos e dos destinatários dos bilhetes amorosos (o companheiro de Robertina – Arthur – ou o seu amante – Álvaro) como fatores extralingüísticos. No que se refere ao tipo de pronome, constatou-se que as formas de P2 (Tu) são favorecidas por pronomes complemento não preposicionados, por formas verbais imperativas e não imperativas: praticamente os mesmos contextos identificados nas cartas escritas por Aguiar no século XIX (cf. Lopes 2007). Os pronomes possessivos detectados nos bilhetes novecentistas se expressaram categoricamente como formas de P2 (Tu), o que leva a entendê-lo como um contexto de resistência do Tu pronominal. Já os pronomes do caso reto e os pronomes complemento com preposição mostraram-se como contextos favorecedores à produtividade das formas de P3 (Você), nos bilhetes amorosos analisados por Marcotulio et alii. O que motiva a investigação acerca da expressão (nula ou plena) dos sujeitos pronominais é o intuito de averiguar se o Você já assume as mesmas ambiências funcionais do Tu. Assim sendo, chegam os autores à conclusão de que a expressão plena do sujeito favorece o pronome Você, ao passo que a expressão nula do sujeito favorece o pronome Tu nesses bilhetes do início da era novecentista no Brasil. 41 Com relação ao paralelismo discursivo, Marcotulio et alii também constataram a mistura das formas de referência ao interlocutor com formas de P2 (Tu) e de P3 (Você). A análise das formas de tratamento produtivas nos bilhetes novecentistas, em relação aos respectivos destinatários dos textos (Arthur e Álvaro), permitiu constatar distintas opções de referência ao sujeito de segunda pessoa do discurso. A informante Robertina, ao dirigir-se ao marido (Arthur), em contextos discursivos de seriedade e respeito, o tratava com formas de P3 (Você), ao passo que ao referir-se ao amante (Arthur), em contextos discursivos de afetividade, optava por tratá-lo com formas de P2 (Tu). Lopes (2008), em Retratos da variação entre você e tu no português do Brasil: sincronia e diacronia, se propõe a apresentar uma visão panorâmica da inserção de Você no quadro pronominal do PB, seguindo pelos séculos XX e XXI, período de implementação efetiva do inovador Você em tal sistema pronominal. O estudo da variação Tu ~ Você no PB do século XXI se dá com base em dois roteiros cinematográficos: Amores Possíveis (Halm, 2001) e Cidade de Deus (Mantovani, 2003). Enquanto este reproduz o discurso de moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro, aquele evidencia o comportamento lingüístico da classe média alta carioca. Lopes, ao enfocar a variação dos pronomes de segunda pessoa do discurso Tu e Você no PB contemporâneo (século XXI), constata que a concorrência entre tais formas pronominais é mantida, sobretudo, na posição de sujeito, sendo motivada por fatores sociais, regionais, etários. O te acusativo mostra-se produtivo, nos roteiros cinematográficos do século XXI, misturando-se ao Você ou ao Tu sujeito. Comportamento semelhante ao observado no século XIX e no início do século XX (cf. Marcotulio et alii 2007; Lopes 2007). Com relação às formas imperativas, a autora constatou se tratar de um contexto de resistência de segunda pessoa. No que se refere aos pronomes possessivos, verificou-se que, na variedade culta da língua, com a preferência pelo Você, elege-se o pronome possessivo seu (P3). Já 42 o grupo social que assume a primazia pelo pronome de segunda pessoa Tu também prefere o possessivo de segunda pessoa Teu. Passa-se à exposição de alguns resultados de investigações sincrônicas sobre as formas Tu e Você no PB falado em diferentes regiões brasileiras. 2.2.2 Os pronomes Tu e Você no português brasileiro falado: estudos sincrônicos. Com o intuito de potencializar a descrição do grau da variação entre as formas Tu e Você, os resultados de alguns trabalhos sobre o PB falado sincronicamente são trazidos a esta discussão. Para a região nordeste, expõem-se as investigações de Soares (1980) com a fala de Fortaleza, a de Bezerra (1994) com a fala de crianças da Paraíba e a de Pedrosa (1999) com a fala de João Pessoa (PB). Para a região norte, apresenta-se o trabalho de Soares & Leal (1993) com a fala do Pará. Para a região sudeste, têm-se os trabalhos de Ramos (1997) com o dialeto de Belo Horizonte, o de Paredes e Silva (2003) com a fala carioca, o de Modesto (2006) com a fala santista (SP), o de Mota (2008) com o português oral de São João da Ponte (MG) e o de Lopes (2008) com a fala carioca. Para a região centro-oeste, volta-se o foco para os estudos de Lucca (2005) e de Dias (2007) com a fala brasiliense. Para a região sul, destacam-se as análises de Loregian-Penkal (2004), a de Arduin (2005) com a fala de localidades do sul do Brasil e o estudo de Amaral (2003) com a fala de Pelotas (RS). Região Nordeste Soares (1980) se propõe a analisar as formas de tratamento produtivas na fala de Fortaleza. A autora admite existir um sistema ternário – Tu, Você, Senhor – produtivo nas relações simétricas e assimétricas de interação formal e informal em contextos reais e simulados (interações comunicativas de autoria dos informantes com 43 base em ilustrações) de fala. A diversificação de uso das formas Tu, Você e Senhor é conduzida pela situação comunicativa, pelo papel social, pela idade e pelo grau de intimidade dos interlocutores. A autora constata que o Tu é mais produtivo que a forma Você que, por sua vez, é selecionada em situações comunicativas mais voltadas para a formalidade na fala de Fortaleza. A expressão da concordância com a forma pronominal Tu mostrou-se variável a depender da escolaridade do falante, do grau de formalidade da situação comunicativa e do grau de atenção do informante a sua própria expressão oral. O estudo de Bezerra (1994) se dá com base na fala espontânea de crianças paraibanas entre 06 e 12 anos de idade. A autora pretende analisar o grau de variação das formas Tu e Você no discurso infantil da Paraíba. Para tal, foram levadas em consideração as realizações expressas e não expressas (marcadas na flexão verbal) dos pronomes em análise na função de sujeito pronominal. O trabalho em questão se constitui como uma análise interacional que versa sobre questões de polidez e de preservação da face, não se detendo exclusivamente aos resultados quantitativos. Ainda que a perspectiva de análise não tenha sido a quantitativa stricto sensu, observam-se alguns resultados quantitativos interessantes em relação à produtividade de Tu e Você. São eles: a freqüência de uso da forma Tu (69% dos dados) mostrou-se mais significativa do que a da forma Você (31% dos dados). A autora aponta o tipo de ato comunicativo específico da situação de interlocução (pedido, repreensão, insulto, desculpa, consentimento etc.) como condicionamento para o emprego de Tu ou de Você no discurso infantil das crianças paraibanas. No que se refere ao gênero dos informantes, observou Bezerra que, dentre as ocorrências da forma Tu, há uma acirrada concorrência entre os meninos e meninas: 71% das meninas preferem o Tu, assim como 65% dos meninos optam pelo Tu. A autora constata que há, no discurso infantil paraibano, o predomínio da forma 44 Tu em contextos comunicativos de maior intimidade, ao passo que o Você se mostra produtivo em contextos comunicativos de não solidariedade entre os interlocutores, marcados pela ameaça do falante a face do seu interlocutor. Pedrosa (1999) estuda a concordância verbal com o pronome Tu, em João Pessoa (Paraíba), com base em dados da fala do VALPB em relação ao gênero, à faixa etária e à escolaridade dos pessoenses. Constata haver, na fala pessoense, uma tendência a não realização da concordância com o pronome Tu, em 77% dos dados. Os falantes mais jovens, entre 15 e 25 anos, e os adultos, com idade acima de 50 anos, tendem a estabelecer a concordância canônica com o pronome Tu. Os falantes pessoenses de zero até quatro anos de escolarização tendem a desfavorecer a aplicação da regra de concordância verbal com o Tu. Por outro lado, os informantes pessoenses com um período de estudos superior a cinco anos mostraram-se propensos à aplicação da regra de concordância verbal com o pronome Tu. Região Norte Soares & Leal (1993) pesquisam as formas de tratamento produtivas em interações comunicativas travadas, em Belém, entre pais (professores e funcionários da Universidade Federal do Pará) e os seus respectivos filhos. Os resultados apontam para uma preferência dos filhos pelo Tu e pelo Senhor, respectivamente, para se dirigirem aos seus pais. As autoras constatam também que ao se dirigirem aos pais, os filhos de professores preferem Tu e os filhos de funcionários preferem Senhor. Os pais, por sua vez, se direcionam aos filhos por Tu, usando mais essa forma pronominal para os filhos adolescentes do que para as crianças. Região Sudeste Ramos (1997) investiga a variação entre as formas pronominais de referência à segunda pessoa do discurso você/ocê/cê num corpus 45 formado por entrevistas representativas do dialeto de Belo Horizonte. São dois os seus objetivos principais: detectar o nível de variação entre as formas você/ocê/cê e averiguar a legitimidade da hipótese de que o cê já se constituiria um clítico no PB. A análise é norteada pelos pressupostos teórico-metodológicos de Teoria da Variação de base laboviana (Labov 1972), adotando o programa VARBRUL como aporte para a análise quantitativa. Os resultados evidenciam uma alta freqüência de uso do cê na boca dos falantes de Belo Horizonte, o que já sugere a sua implementação no sistema. As formas você e ocê se apresentam nos casos nominativo e oblíquo, ao passo que o cê somente se mostrou produtivo no nominativo. A produtividade das formas você, ocê e cê também é analisada em relação à idade e ao gênero dos informantes. No que toca à idade dos informantes, foi constatado que o cê se distribui por todas as faixas etárias (jovens, medianos e velhos), o que constitui mais uma evidência de que tal forma já esteja implementada no sistema lingüístico. Com relação à distribuição das formas você, ocê e ce, conforme o gênero (sexo) dos informantes de Belo Horizonte, foi averiguado que as mulheres preferem as variantes você e cê. Considerando apenas a análise binária cê e ocê, Ramos identificou uma maior propensão de uso da forma cê pelas mulheres de Belo Horizonte. Tal constatação levou a autora a acreditar que o cê não constitui uma variante estigmatizada, visto que as mulheres tendem a preferir as variantes de prestígio como já conjecturado por Labov (1990). A hipótese da cliticização do cê é atestada por Ramos, sendo tal processo de cliticização favorecido, sobretudo, em contextos de orações interrogativas do tipo ‘que que’ na fala de Belo Horizonte. Paredes e Silva (2003) se propõe a estudar, na fala carioca contemporânea, a variação entre as formas Tu e Você como sujeitos pronominais com base nos pressupostos sociolingüísticos da teoria da variação pensada por Labov. O corpus que se presta a esse estudo lingüístico é constituído por registros de conversas informais 46 produzidos entre setembro de 1995 e março de 1996 (Paredes Silva, 1996). A pesquisadora ainda acrescentou dados do acervo do Projeto PEUL/UFRJ registrados em momentos distintos do século XX. A hipótese que norteia esse trabalho é a de que o falante carioca recupera o Tu pronominal como um monossílabo tônico responsável por fazer referência ao interlocutor, em competição com o Você, que desgastado foneticamente, atinge o estágio de clítico cê, conforme Ramos (1997) e Paredes Silva (1998). Apoiada no pensamento de Barrenecha & Alonso (1987), de que há alta produtividade de sujeitos de segunda pessoa do discurso em línguas que podem omiti-lo, como o português e o espanhol, Paredes e Silva (2003:164) acredita que se deva “a uma necessidade do falante de envolver o ouvinte, mencionando-o mais amiúde para mantê-lo mais próximo na conversação, pode ser estendida ao caso do retorno do tu que investigamos”. Os fatores sociais gênero (sexo) e faixa etária dos informantes mostraram-se relevantes pelo programa VARBRUL para a produtividade do Tu pronominal na fala carioca contemporânea. Tanto na amostra de conversas informais constituída por Paredes Silva (1996), quanto na amostra de fala do projeto PEUL, os homens mostraram-se a frente no processo de mudança em direção ao uso de formas não padrão, preferindo o Tu com o verbo na terceira pessoa para fazer referência ao interlocutor. Constatou que entre os homens mais jovens há a preferência pelo emprego não padrão do Tu pronominal, o que constitui um indício de uma mudança lingüística ainda em curso no dialeto carioca. Modesto (2007) se propõe a descrever e a analisar a alternância entre as formas Tu e Você na cidade de Santos (cidade litorânea de São Paulo). A partir da análise de gravações secretas e não secretas da fala de jovens e adultos em suas interações cotidianas, o autor constrói o seu estudo com base nas idéias funcionalistas de Halliday (1974, 1975 e 1976) e na Teoria da Variação de orientação laboviana (1972, 1983). O corpus de fala santista se constituiu com o discurso de informantes 47 nascidos em Santos ou que, em tal cidade, tenham vindo residir até os sete anos de idade. Os homens e mulheres que compõem a amostra de fala em análise vivem em Santos como estudantes ou concluintes do ensino médio, ou como universitários ou graduados (ensino superior). Em Santos, obtiveram-se os seguintes percentuais de uso de Tu e Você: 67% de Você e 32% de Tu. A alternância entre tais formas pronominais é motivada por fatores lingüísticos, sociais e pragmáticodiscursivos. O Tu é motivado por situações de [+ envolvimento], [-monitoramento] e [+ expressividade], ao passo que o Você é determinado por [+ monitoramento], [- expressividade]. A forma objetiva te é produtiva em permuta com as formas Tu e Você num mesmo ato ilocutório. Segundo o autor, não se verifica uma situação de mudança em progresso, uma vez que as variáveis gênero e faixa etária mostraram-se irrelevantes pelo programa computacional Goldvarb 2001. O autor acredita que haja entre as formas alternantes Tu e Você uma relação de contemporização, mantendo-se estáveis na atual sincronia, isto é, em co-ocorrência nas situações lingüísticas especificamente determinadas pelo contexto pragmático-discursivo. Mota (2008) volta-se para identificação das motivações de uso dos pronomes Tu/Você no interior do município de São João da Ponte, localizado na região de Montes Claros (MG). A sua pesquisa é orientada pelos pressupostos da Teoria da Variação, conforme Labov (1972, 1994, 2001), visando à detecção da razão sócio-histórica para a conservação do Tu. A autora se baseia em entrevistas e em testes de produção lingüística entre homens e mulheres cujo nível de escolaridade é o ensino fundamental. Os informantes são distribuídos entre as seguintes faixas etárias: de 07-14 anos (crianças), de 15-25 anos (jovens), de 2649 anos (adultos) e com mais de 50 anos (idosos). A análise quantitativa sob a orientação da sociolingüística laboviana levou-a a constatar que o Tu é a forma resistente nos informantes de São João da Ponte em todas as faixas etárias, sobressaindo-se, porém, entre os jovens (de 15-25 anos). Admite Mota 48 que o Tu se apresente, em São João da Ponte, como um resquício do falar rural. Na amostra formada por entrevistas, observa o predomínio do Você na função de sujeito (96%), e o prevalecimento do Tu na função de objeto (te), com .91 de peso relativo, superando as ocorrências de Você nessa função sintática. A análise dos testes de produção lingüística evidenciou uma situação semelhante à observada nas entrevistas: o Você na função de sujeito, com 79% dos dados, e o Tu, na função de objeto (te), com .95 como peso relativo e em 75% dos dados. Com base na expressão falada dos moradores de São João da Ponte, Mota constata o predomínio do Tu, sobretudo, nas relações mais íntimas. No que se refere à variação, interpreta tal fenômeno como estável, identificando o isolamento da comunidade no processo de urbanização e incremento econômico da cidade como a motivação sóciohistórica para a resistência do Tu. Lopes (2008) investiga a coexistência das formas Você e Tu no espaço urbano do Rio de Janeiro contemporâneo. Considerando o fato de que as entrevistas nos moldes laboviano não captarem o Tu e o Você pronominais na referência ao interlocutor, os autores voltam-se para a composição de uma amostra piloto da fala carioca constituída por gravações secretas de conversações travadas com ambulantes, vendedores e gerentes abordados no centro da cidade do Rio de Janeiro, com perguntas do tipo “Como eu faço para chegar na Rua do Acre?”. Com base em vinte entrevistas é confeccionado um estudo quantitativo das formas de tratamento pessoal de teor laboviano (Labov, 1994), coindexando os fatores lingüísticos a fatores sócio-pragmáticos, tendo em vista a Teoria da Polidez pensada por Brown & Levinson (1987). São tecidas as seguintes considerações por Lopes (2008) em relação ao emprego de Tu e Você na fala urbana contemporânea no Rio de Janeiro: a) o emprego generalizado de Você entre gerentes e vendedores independentemente do gênero dos informantes; b) a produtividade variável de Você e Tu entre os vendedores ambulantes com algumas restrições no que se refere ao gênero e à faixa etária dos 49 informantes: os homens jovens usaram tão somente o Tu; as mulheres idosas preferiram o Você e os adultos, independentemente do gênero do informante, empregaram variavelmente ora o Tu, ora o Você. Assim sendo, os autores chegam a projetar “(...) a médio e longo prazo, uma convergência que nivelaria Você ~ Tu na fala urbana carioca”, conforme Lopes et alii (2008:68). Em termos qualitativos, o estudo demonstrou que o falante, ao ser interpelado, no espaço urbano carioca, trata o seu interlocutor com um Você não marcado como uma estratégia neutra de proteção da sua face. Com o rompimento desse distanciamento inicial e com o desenrolar da interação comunicativa, tornando-se, pois, mais cooperativa, há a possibilidade de o informante ensaiar uma maior aproximação e intimidade com o seu interlocutor, chegando a tratá-lo por Tu. Região Centro-oeste Lucca (2005) analisa a variação estilística em relação à referência de segunda pessoa do discurso na fala de jovens brasilienses. Com base em uma amostra composta por conversações travadas entre informantes do gênero masculino, nascidos nas regiões administrativas de Taguatinga, Ceilândia e Brasília, estudantes do ensino médio da rede pública brasiliense, tem-se como intuito observar os condicionamentos lingüístico e social do uso variável dos pronomes Tu e Você na fala dos jovens brasilienses, computando os dados por meio do programa computacional Goldvarb 2001 (Robinson et alii¸ 2001). Assumindo como pressupostos teóricos a noção de estilo conjecturada por Labov (1975), por Bell (1984, 2001) e a Teoria do Poder e da Solidariedade pensada por Brown e Gilman (1960), parte-se da hipótese de que os jovens brasilienses assumem um uso variável das formas Tu e Você em conformidade com a audiência (audience design, cf. Bell, 1984), o que pode motivar a preferência pelo Tu com os seus pares e pelo Você com os seus não-pares. Com o objetivo de entender o tipo de relação social travada entre os pares e os não-pares, a autora 50 assume a idéia de Brown e Gilman (1960) de que os pronomes de referência à segunda pessoa do discurso no francês Tu e Vous estão associados à dinâmica de relações sociais movidas pela Solidariedade ou pelo Poder, respectivamente. Nesse sentido, Lucca (2004a) parte da hipótese de que o Tu seja mais freqüente entre os jovens brasilienses em relações sociais movidas pela informalidade, isto é, pela dinâmica da solidariedade. A autora comprova a hipótese inicial de que os jovens informantes de Brasília tendem a usar o Tu em situações informais, cotidianas, familiares de intercâmbio lingüístico entre pares solidários. Já em relações sociais solidárias cujos temas discursivos sejam familiares, averiguou a preferência pelo pronome Você. Lucca constatou, a partir da análise desse corpus brasiliense, a íntima agregação entre a produtividade variável das estratégias de referência à segunda pessoa do discurso (Tu e Você) e a variação estilística, o que é seguramente motivado pela busca de ajustar-se ao tema sobre o qual conversa com o seu interlocutor. Dias (2007) se propõe a analisar a alternância Tu/Você também na fala brasiliense, em conformidade com os pressupostos da sociolingüística variacionista estabelecidos em Weinreich et alii (1968), voltando-se para a depreensão da variação em relação ao comportamento dos informantes distribuídos pelas seguintes faixas etárias: de 13 a 19 anos, de 20 a 29 anos e com mais de 30 anos. Preocupou-se em selecionar informantes provenientes de Brasília ou que para lá tenham ido com até cinco anos de idade. A constituição da amostra se deu a partir de gravações de conversas espontâneas, visto a dificuldade de captura do Tu nas entrevistas sociolingüísticas. Tal fato se dá em função do caráter íntimo do Tu, o que o torna uma forma peculiar aos relacionamentos de maior proximidade entre os interlocutores. Os resultados de Dias (2007) tanto sugerem um processo de mudança em curso na língua com a expansão dos usos do Tu, como 51 evidenciam um processo de gradação etária no qual o uso do Tu diminui à proporção que o falante se estabelece profissionalmente. Além disso, observou que os homens assumem uma maior freqüência de uso do Tu do que as mulheres. No que se refere à distribuição dos dados de Tu em relação às faixas etárias dos informantes, verificou que os informantes com idade inferior a 30 anos usam o Tu com interlocutores da mesma idade, o que configura um traço de intimidade em diálogo cujo tom seja jocoso ou irônico. Os informantes mais velhos tendem a usar o Tu em brincadeiras. O estilo de vida do informante também se mostrou relevante ao uso do Tu. Dias constata que os falantes brasilienses cujo estilo de vida seja alternativo empregam mais o Tu do que os informantes cujo estilo de vida seja conservador. Região Sul Loregian-Penkal (2004), com base em uma amostra ampliada de língua falada em capitais sulistas (Florianópolis e Porto Alegre) e em cidades interioranas (Ribeirão da Ilha) do sul do Brasil, se preocupa em investigar, sob a perspectiva teórica da sociolingüística variacionista, a referência de segunda pessoa do discurso através das formas Tu e Você na função de sujeito pronominal em suas expressões nula e plena. O emprego do Tu no sul do Brasil é favorecido, segundo LoregianPenkal, pela argumentação, pelo discurso determinado e pela expressão nula do sujeito pronominal. No que se refere ao favorecimento do Tu nos discursos argumentativos, esclarece que pode constituir uma estratégia do falante que, por sua vez, “pode estar envolvido na estratégia de convencimento do outro e de imposição de sua opinião, contexto propício ao uso do Tu: tratamento mais íntimo, usado para dar ordens e para impor sua vontade”, cf. Loregian-Penkal 2004:147). No que diz respeito à determinação do discurso, constatou que o discurso determinado favorece o emprego do Tu, ao passo que o uso do Você é favorecido pelo discurso indeterminador. Assim sendo, sugere que a entrada de tal forma no sistema pronominal tenha se dado pela trilha da 52 indeterminação na fala do sul do Brasil. No que toca à expressão do pronome, constatou que a não realização pronominal favorece o emprego do Tu nas regiões (Florianópolis e Ribeirão da Ilha) que evidenciam a concordância verbal canônica de segunda pessoa do discurso. Por outro lado, em Porto Alegre, observou Loregian-Penkal que o falante do sul do Brasil mostra-se propenso à expressão formal do pronome de referência ao sujeito de segunda pessoa do discurso seja através do Tu, seja através do Você. Em relação ao gênero dos informantes, verificou que as mulheres de Porto Alegre e de Florianópolis mostraram-se propensas ao emprego do Tu. Arduin (2005) se propõe a estudar a variação dos pronomes possessivos de segunda pessoa do singular teu/seu nas seguintes cidades da região sul do Brasil: Blumenau, Chapecó, Flores da Cunha, Florianópolis, Lages, Panambi, Porto Alegre e São Borja. À luz dos pressupostos da sociolingüística laboviana (Weinreich et alii, 1968; Labov, 1962) e da Teoria do Poder e da Solidariedade pensada por Brown e Gilman (2003), analisou a variação dos pronomes teu/seu, com base em 192 entrevistas disponibilizadas no banco de dados do projeto VARSUL (Variação Lingüística Urbana da Região Sul do Brasil), reunidas em relação às variáveis extralingüísticas faixa etária, gênero (sexo), nível de escolaridade e região (etnia) dos informantes. Os resultados do estudo de Arduin (2005) em relação ao grupo paralelismo formal apontam para a forma Tu como uma estratégia de referência à segunda pessoa do discurso que favorece o uso do possessivo Teu. No que se refere às variáveis sociais, constata que as mulheres assumem uma maior freqüência de uso do pronome possessivo Teu, ainda que o uso do pronome Seu não tenha se mostrado estigmatizado nas cidades do sul do Brasil analisadas. Em relação à escolaridade dos informantes, observa que o pronome Teu evidencia uma maior produtividade entre os informantes de nível ginasial. 53 No que toca à dinâmica do Poder e da Solidariedade, Arduin (2005) verifica que o pronome Teu é produtivo nas relações sociais simétricas ou nas assimétricas travadas de superior para inferior. Já o pronome Seu mostrou uma maior freqüência de uso nas relações sociais de inferior para superior. Acrescente-se ainda o fato de os informantes mais jovens terem evidenciado uma tendência ao uso do possessivo Teu, o que confirma a hipótese formulada por Brown e Gilman (2003) de que as sociedades modernas estão se mostrando mais solidárias, logo, menos movidas pelo Poder. Amaral (2003) estuda a variação da manutenção de traço de concordância verbal de segunda pessoa do singular em Pelotas (RS). O autor toma por base noventa entrevistas do Banco de Dados Sociolingüísticos Variáveis por Classe Social – VarX – organizadas entre os anos de 2000 e 2001. Como referencial teórico se apóia na Teoria da Variação Laboviana e em considerações sobre a noção de classes sociais baseada em econolingüísticos, princípios ocupacionais socioeconomicistas, e das condições marxistas, estruturais de manutenção das desigualdades sociais. Os resultados deste trabalho evidenciam que a concordância de segunda pessoa do singular é variável em Pelotas. O apagamento variável da desinência de número-pessoal se dá em conseqüência de uma regularização do paradigma verbal nos quais são privilegiadas formas neutras. Os condicionamentos lingüísticos que licenciam o apagamento do traço de segunda pessoa do singular são a saliência fônica, a interlocução, a entrevista/entrevistador, a ausência de pronome-sujeito e o tipo de frase. Em termos sociais, constatou que o emprego de traço de segunda pessoa constitua prestígio, ao passo que a sua não realização não represente algo estigmatizante em Pelotas. O apagamento da marca de segunda pessoa se apresenta como “uma mudança lingüística quase completada”, nos termos de Amaral (2003). A produtividade do Você é pouco significativa (duas ocorrências apenas) na amostra da fala Pelotense. Verificou-se ainda que os informantes 54 mais velhos e que as mulheres realizam mais os traços de segunda pessoa do singular no corpus da fala de Pelotas. Retomando para finalizar ... Em suma, os resultados das investigações sobre o nível da variação entre as formas Tu e Você na língua falada do PB atual permite detectar os seguintes aspectos em convergência: O emprego do Tu se dá em contextos comunicativos voltados para a solidariedade, em relações interpessoais mais íntimas; O emprego do Você se evidencia em situações comunicativas “menos invasivas”, o que permite entendê-lo como uma forma mitigadora; As mulheres preferem o inovador Você, alavancando o processo de inserção de tal forma no sistema pronominal do PB; Os homens preferem o Tu em concordância com a terceira pessoa verbal ou sem marca desinencial, o que permite considerá-los acionadores de um processo de mudança em direção ao uso não padrão de tal forma pronominal, na expressão oral do PB, em desacordo, portanto, com a norma gramatical. Considerando, por sua vez, os resultados dos estudos referentes aos séculos XIX e XX no PB escrito, é possível conjecturar as seguintes hipóteses a serem investigadas neste trabalho: O século XX constitui o momento em que o Você passa a concorrer deliberadamente com o Tu no mesmo domínio funcional; Em termos estritamente morfossintáticos, a implementação de Você ocasionou um rearranjo no quadro de pronomes, uma vez que sua inserção não se deu da mesma maneira em todos os contextos morfossintáticos: pronome-sujeito, pronome complemento preposicionado e formas verbais imperativas constituem contextos implementadores de formas de P3 (Você), ao passo que pronomes possessivos, formas verbais não imperativas e pronomes 55 complemento não preposicionados apresentem-se como contextos de resistência do Tu (cf. Lopes 2008; Lopes 2007; Marcotulio et alii 2007 etc); A produtividade da combinação de Você com te, rotulada de “mistura de tratamento” nos tratados gramaticais e esboçada nas cartas oitocentistas e novecentistas de mãos brasileiras, constitui um reflexo da reorganização do sistema pronominal do PB a partir da inserção da forma inovadoraVocê (cf. Brito 2001; Lopes e Machado 2005; Soto 2001 etc). Formulando a hipótese principal a partir de algumas questões/problemas: Diferentemente dos caminhos que o Você segue, a partir do século XIX, em Portugal, a aristocracia brasileira emprega tal forma nos Oitocentos como mostra Soto (2001:241) na análise de cartas brasileiras oitocentistas e novecentistas. Tal constatação evidencia como conservadorismo do PB, por um lado, o fato de o Você ainda resguardar o prestígio da Forma Nominal de Tratamento que a originou (Vossa Mercê) para o tratamento da realeza. Por outro lado, o emprego de Você, cf. Soto (2001), em cartas-diário, pela Condessa de Barral, ao se referir ao imperador D. Pedro II, e entre os amigos baianos Rui Barbosa e José Marcelino (senador e governador da Bahia), em cartas pessoais trocadas em 1904 e 19063, respectivamente, cf. Menon (2006), já não seriam indícios do acelerado processo de dessemantização sofrido pelo Você a assumir, no Brasil, o inovador domínio da solidariedade? Como depreender o uso lingüístico mais informal dessa elite letrada brasileira de sincronias passadas do PB com base na produção escrita de uma pequena parte da população brasileira socialmente privilegiada que não teve uma produção escrita regular? Segundo Menon (2006:153), a carta de José Marcelino para Rui Barbosa é de 27.06.1904 e a de Rui Barbosa retribuída a José Marcelino é de 12.10.1906. 3 56 O que teria motivado o Imperador D. Pedro II a tratar a amiga Condessa de Barral, mulher da elite brasileira, com o inovador Você? E o que teria movido a Condessa de Barral a retribuir tal tratamento íntimo ao Imperador do Brasil D. Pedro II, conforme averiguado por Soto (2001)? O que teria impulsionado Bárbara Ottoni – redatora mediana nos termos de Barbosa (2005:40) – a também preferir, no Brasil de fins do século XIX, o Você para fazer referência aos seus netos? A complexidade dos usos tratamentais, como se sabe, não se limita ao valor semântico-social que uma determinada forma de tratamento carrega em si, mas aos valores que os indivíduos podem atribuir a elas nas diferentes situações comunicativas travadas no âmbito social que, por si só, são também demasiadamente complicadas. Ao mesmo tempo que Você é utilizado pela elite em cartas do então imperador D. Pedro II, aparece, no mesmo século, generalizado no uso doméstico nas cartas da vovó Bárbara. O que os diversos trabalhos sobre o tema têm mostrado é que a partir do século XVIII a forma vulgar Você torna-se produtiva nas relações assimétricas de superior para inferior, podendo até assumir, em algumas situações sócio-pragmáticas, “conteúdo negativo intrínseco”, em oposição à sua contraparte desenvolvida “Vossa Mercê”. Por outro lado, no Brasil do século XIX, a concorrência passa a ser maior entre Tu e Você em relações solidárias mais íntimas, não sendo tal estratégia negativamente marcada. Essa aparente contradição advém da própria origem e do processo de mudança4 de Vossa Mercê > Você, na medida em que se tornou gradativamente divergente do tratamento-fonte (Vossa Mercê) e passou a concorrer com o solidário Tu nos mesmos contextos funcionais. Do “tratamento nominal abstrato5” (Vossa Mercê), nos termos de Koch (2008:59), herdou o caráter indireto, por isso seria menos invasivo, menos “ameaçante ao interlocutor” e, dessa forma, Trata-se obviamente de um caso de gramaticalização já discutido em outros trabalhos. “O tratamento abstrato se compõe de um adjetivo possessivo (que se refere ao interlocutor) e de um substantivo abstrato (que indica uma qualidade ou uma posição social atribuída ao interlocutor.” (Koch, 2008:59-60.) 4 5 57 acabou sendo a estratégia preferida pelas mulheres na sociedade brasileira do século XIX, cf. Lopes e Machado (2005); Soto (2001) etc. Partindo desses problemas, questões e referências, a hipótese principal deste estudo é a de que o Você no Brasil vinha sendo empregado, desde o século XIX, como forma de prestígio, usada pela elite, até mesmo nas cartas pessoais de pessoas ilustres. A adoção de Você pelas mulheres, em situações cotidianas, pode ter ocorrido pela manutenção da indiretividade do tratamento original Vossa Mercê, isto é, pela conservação de algum resquício de distanciamento. Empregar o tratamento direto Tu poderia não ser “tão adequado” às figuras femininas no contexto social de fins do século XIX e início do XX. 58 CAPÍTULO 3. AS CARTAS PESSOAIS CONTEXTO SÓCIO – HISTÓRICO DO DA FAMÍLIA PEDREIRA FERRAZ – MAGALHÃES BRASIL OITOCENTISTA E NO NOVECENTISTA. 3.1 A caracterização da amostra constituída: uma família brasileira culta no despertar do século XX. Lucchesi (1998:74), ao discutir a constituição histórica do PB, admite a realidade lingüística brasileira “(...) não apenas como heterogênea e variável, mas também como uma realidade plural; mais especificamente, como uma realidade polarizada”.6 O autor argumenta que a heterogeneidade lingüística do PB pode ser justificada pela polarização de normas expressa através da convivência do português substandard (normas populares) com o português standard (normas cultas). Com base na noção de português Standard defende-se que o conjunto de cartas organizado nesta tese evidencia a escrita culta cotidiana do PB. Neste trabalho, a opção pela análise desse corpus é motivada, sobretudo, pela existência de uma lacuna nos estudos sobre a história da língua portuguesa do Brasil, conforme Castro (1996). “Em relação ao português clássico, em especial dos séculos XVII e XVIII (para não falar do desconhecidíssimo XIX), quem o quiser estudar tem de se resignar a fazer de cabouqueiro, desenterrando penosamente os seus documentos, peneirando os dados, organizando uma taxonomia inexistente e, se ainda tiver coragem e tempo de vida, formulando hipóteses interpretativas que ficarão à espera de um debate crítico só possível se outros investigadores se transviarem pelos mesmos terrenos. Dito de outro modo, tem de começar num ponto do itinerário de pesquisa que se situa muito antes do cais de embarque dos estudiosos que privilegiam outras épocas históricas ou que, pura e simplesmente, privilegiam outras lingüísticas, porventura menos dependentes de corpora textuais laboriosamente constituídos.” (Castro, 1996:136-137) Convém esclarecer que a preferência por sublinhar e/ou negritar as informações destacadas em todas as citações expostas neste texto é uma opção da autora deste trabalho. 6 59 O procedimento metodológico adotado por Lobo (2001a), ao editar cartas pessoais escritas pelas Clarissas do Convento de Santa Clara do Desterro, na Bahia do século XIX, foi o de construir uma sociolingüística histórica do português no Brasil. “Uma das vias possíveis para o estudo da constituição histórica do português brasileiro passaria, então, necessariamente pelo cuidadoso exame da história da transmissão de cada texto e da biografia do seu autor e, fundamentalmente, o seu desenvolvimento deveria apoiar-se em uma prática de análise em que a realidade lingüística portuguesa fosse motivo de cotejo sistemático ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX.” (Lobo, 2001a:108. Volume II.) A fim de subsidiar análises lingüísticas elucidativas em relação à realização objetiva da norma culta escrita do português do Brasil que, segundo Pagotto (1999), foi habilmente fixada “à imagem e semelhança” do português europeu (doravante PE) e amparada pela força do discurso científico, no Brasil do século XIX, entende-se que se faça necessária a edição de corpora representativos dessa modalidade em terras d’aquém mar. Acredita-se que se esteja ampliando a perspectiva de análise adotada por Rumeu (2004), que, editou, naquele momento, corpora representativos da escrita culta da língua portuguesa no Brasil (português no Brasil). Em tal edição de cartas da administração pública e privada, produzidas na realidade sócio-histórica do Brasil setecentista e oitocentista, não se dispunha de informações acerca da origem de todos os missivistas (brasileiros ou portugueses), por isso tais amostras de textos foram consideradas representativas do português no Brasil dos séculos XVIII e XIX e não, do português do Brasil. Neste estudo, entretanto, se propõe, um maior grau de refinamento da amostra, ao editar os textos produzidos, no contexto sócio-histórico de fins do século XIX e da primeira metade do século XX, por informantes seguramente identificados em relação à sua origem brasileira e ao seu nível de escolaridade (culto). O conceito de “culto” para o período precisa 60 ser obviamente redefinido. Consideram-se como cultos não só os missivistas que estudaram e se tornaram bacharéis (João Pedreira do Couto Ferraz, Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, Fernando Pedreira de Abreu Magalhães, Jerônimo Pedreira de Abreu Magalhães – Pe. Jerônimo), mas também as filhas do casal Zélia Pedreira de Abreu Magalhães e Jerônimo de Castro Abreu Magalhães que se dedicaram à vida religiosa no interior dos conventos. Apesar de não haver indícios de que essas mulheres religiosas tenham chegado a concluir um curso superior, é possível assumi-las como informantes cultas do PB devido à “bagagem intelectual” que adquiriram por terem nascido no seio de uma abastada família brasileira oitocentista. No aconchego do lar da família Pedreira Ferraz – Magalhães, valorizava-se o ensino de línguas (inglês), das ciências, da música, da literatura, conforme Pedreira de Castro (1960), difundindo-se, pois, a Cultura num sentido mais amplo. As missivas pessoais trocadas entre os membros da família Pedreira Ferraz – Magalhães expõem a intimidade de brasileiros letrados em intercâmbios comunicativos de informalidade caracterizados pela aproximação afetiva entre o remetente e o destinatário. Entende-se que os textos de circulação privada, segundo Barbosa (1999), tais como as cartas pessoais, apresentem-se como os mais transparentes, como os mais livres da pressão prescritivista da norma padrão, em relação à explicitação de traços lingüísticos da oralidade. Entender que a produção escrita informal (cartas pessoais) de doze informantes unidos por laços familiares e afetivos possa reproduzir com fidedignidade a realidade lingüística de uma parcela abastada da sociedade brasileira de fins do século XIX e da primeira metade do século XX pode parecer um projeto muito audacioso. Nesse sentido, Oliveira e Silva (1992), ao se referir aos estudos sociolingüísticos com amostras de língua oral (1992 apud Duarte, 1995:141), esclarece e acalma quem se volta para realidades pretéritas da língua para estudar uma dada comunidade lingüística com base apenas na produção escrita de alguns informantes dela tomados como representantes. 61 "Felizmente a língua é uma propriedade humana relativamente homogênea, entre outros motivos porque, para haver comunicação, é imprescindível que todos tenham acesso pelo menos ao âmago da língua de sua comunidade. Se algum excêntrico resolvesse criar expressões próprias, seria dificilmente compreendido, e essas expressões seriam eliminadas por seleção natural.” (Oliveira e Silva, 1992:103.) O intuito de tentar captar aspectos da oralidade de informantes cultos, a partir da sua expressão escrita informal, nos séculos XIX e XX, atormenta o lingüista-pesquisador com a seguinte preocupação: será mesmo possível detectar, em sincronias passadas, traços da oralidade com base na análise da produção escrita de indivíduos letrados? Segundo Aguillar (1998), há a possibilidade de entrever o oral através da escrita, porém há de atentar para o fato de que hábitos de escrita também podem transparecer na produção, misturando-se, pois, com os indícios da língua oral. “(...) A presença do oral na escrita é inegável, se intue, e às vezes é possível inclusive demonstrar-se: mas todo disurso é misto, impuro e do mesmo modo que a oralidade pode impregnar certos tipos de escrita, também as práticas de escrita podem infiltra-se na oralidade.”7 (Aguillar, 1998:239/240.) A perspectiva que embasa o estudo lingüístico a partir de cartas pessoais é a de que o caráter informal de tais textos evidencie uma produção escrita menos “cuidada” à luz da norma subjetiva8 (cf. Cunha 1985:52). Porém, consciente da inquietação que cerca o trabalho com textos escritos a fim de vislumbrar o oral, cabe cercar-se de cuidados em relação à constituição de um conjunto de textos que se aproxime da (...) La presencia de lo oral en lo escrito es innegable, se intuye, y a veces puede incluso demostrarse: pero todo discurso es mixto, impuro, y del mismo modo que la oralidad puede impregnar ciertos tipos de escritura, también los modos escriturarios pueden infiltrarse en la oralidad.(...)” (Aguillar, 1998:239/240.) 7 8 Segundo Celso Cunha (1985:52), “(...) a palavra norma costuma ser empregada em dois sentidos bem distintos: um, correspondente a uma situação objetiva e estatística, fruto da observação; outro, relacionado com uma atitude subjetiva, envolvendo um sistema de valores.” 62 espontaneidade da fala e que esteja criteriosamente organizado em relação à identificação do papel sócio-histórico dos remetentes e dos destinatários das missivas. Acredita-se que o elevado nível de escolaridade dos informantes possa ofuscar, mesmo que na informalidade das suas cartas pessoais, traços da oralidade do português, o que reconduz o foco desta análise não para a busca do oral através da escrita, mas para a caracterização da produção escrita informal de indivíduos letrados no Brasil dos séculos XIX e XX. Considerando que este estudo se embasa em cartas pessoais de uma família culta brasileira, faz-se necessário, ainda que brevemente, refletir sobre a origem do conceito de Carta. Há referências epistolares acerca do gênero textual carta que recobrem o período de cinco séculos na Antiguidade (do século I a.c até o século IV d.c). Demétrio (entre séc. I a.c e I d.c), Cícero (entre 103 a 43 a.c), Sêneca, Filóstrato de Lemmos (séc. III d.c), Gregório Nazianzeno (entre 329 c e 390) e Caio Julio Victor discutem sobre a confecção de epístolas e definem basicamente carta como um diálogo travado entre amigos. Nas Epistulae ad atticum e Epistulae ad familiares, observa-se a preocupação de Cícero em ressaltar a aproximação entre pessoas proporcionada pela escritura de cartas. “Eu, apesar de nada ter para te escrever, ainda assim escrevo, pois parece que falo contigo.” (Epistulae ad atticum (12, 53) apud Tin (2005:21)) “Eu te vi todo em tua carta.” (Epistulae ad familiares (2, 4, 1; 4, 13, 1; 6, 10, 4.) apud Tin (2005:21)) Nesse sentido, pode-se dizer que, nas cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, há o diálogo mencionado por Cícero, uma vez que os missivistas Dr. Pedreira e Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, (sogro e genro, respectivamente), no século XIX, e Maria Rosa (filha de Jerônimo e neta do Dr. Pedreira), na primeira metade do século XX, 63 também entenderam a carta como um diálogo por escrito, conforme se observa nos trechos em análise de (01) a (03). (01) “Tal é o consaço, que me accomette, que devera já estar deitado afim de [ver] si concilio osonno e mesmo porque as 2 horas de amanha pela manhã devo estar já de pé tomando algum alimento e logo apoz descendo a serra da Tijuca, porem o desejo de escrever-te e fingir que estou conversando comtigo são incentivos mais poderosos de que os meios hygienicos para eu não passar tão mal.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 11.08.1877.) (02) “(...) Conhecimento profundo do latim é um instrumento precioso para outros mais altos conhecimentos – Mas é tarde Terei mais occasiões de Contigo Conversar Sé feliz no santo temor de Deus. Meus respeitosos cumprimentos a meo Compadre o Senhor Padre Superior e a teus mestres e acceita a benção de teo Pae e amigo Jeronymo” (Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães ao seu filho Jerônimo. Fazenda Santa Fé, RJ, 19.07.1897.) (03) “Pasei a manhã muito agradavel escrevendo a Você parece que estavas aqui.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.) No século XII (1135), tem-se o Anônimo de Bolonha que, com rigidez e formalismo, apresenta o Rationes dictandi definindo carta como “o adequado arranjo das palavras assim colocadas para expressar o sentido pretendido por seu remetente”, conforme Tin (2005:37). Já no século XVI (1520), tem-se a síntese das tradições da epistolografia medieval e clássica com a produção de três tratados sobre a escrita de cartas por Erasmo de Rotterdam: Breuissima maximeque compendiaria conficiendarum epistolarum formula (também conhecida por ars dictaminis), Libellus de conscribendis epistolis e Opus de conscribendis epistolis. Em 1590, tem-se, sob a autoria de Justo Lípsio, a Epistolica institutio. Trata-se de um tratado sobre a produção de cartas cujo caráter pedagógico é acentuado. O subgênero carta pessoal, especificidade do gênero textual carta, é confeccionada a partir da seguinte tríade: autor – leitor – tema íntimo. Admitindo, conforme Paredes Silva (1988:77), que a carta pessoal se estrutura internamente na seção de contato, no núcleo da carta e na seção de despedida, além de as noções de quando e de onde foram produzidos tais textos fazerem parte da sua composição, legitima-se a 64 caracterização sócio-histórica dos missivistas. Movidos pela intimidade dos temas tratados, os informantes da família Pedreira Ferraz – Magalhães podem evidenciar as escolhas tratamentais empregadas no período. Editam-se, neste trabalho, cento e setenta (170) cartas de teor pessoal confeccionadas por informantes cultos, nascidos no Rio de Janeiro e integrantes das ilustres famílias Pedreira Ferraz – Magalhães, que se corresponderam entre 1877 e 1948. A conservadora edição facsimilar semi-diplomática de tais cartas, organizada a partir da identificação do perfil sócio-histórico dos missivistas, permitirá desvendar, tendo em vista o caráter pessoal das correspondências, aspectos rotineiros da vida cotidiana brasileira, de fins do século XIX e no alvorecer do século XX. Trata-se de um material riquíssimo para o reconhecimento da história da vida privada de uma família brasileira nascida no Rio de Janeiro que circulou da capital carioca para o interior e por outros espaços sócio-geográficos dentro e fora do Brasil. Uma família religiosa que, apesar dos deslocamentos advindos da pressão social da vida adulta, se manteve unida pelas cartas ativas e passivas trocadas entre seus membros ao longo das suas vidas. A partir dessas amostras que estarão disponíveis à comunidade científica, é possível detectar as redes sócio-familiares das quais participavam seus membros, o comportamento sócio-lingüístico de uma família cristã na Corte carioca e, ainda, o perfil sócio-cultural da mulher, principalmente a religiosa, no transformação. início do período republicano num Brasil em 65 3.2 A história privada das famílias Pedreira Ferraz e Castro Magalhães. Brevíssima contextualização do Brasil oitocentista e novecentista: mulher, família e sociedade. O perfil histórico do Brasil transfigura-se nos Oitocentos. A estabilização do sistema capitalista, o processo de reurbanização do país, sofisticando a vida urbana, e a implementação da concepção de vida burguesa representam aspectos determinantes no processo de constituição do perfil da mulher de uma família abastada. Em fins do século XIX e em inícios do século XX, observa-se que as relações sociais senhoriais inspiradas no estilo de vida da aristocracia portuguesa com a figura do pai como o detentor de poder sobre a casa grande e sobre a senzala movem-se para o requinte da vida burguesa na urbe carioca. O pai ainda centraliza o comando sobre a vida familiar, mas a mulher casada passa a também influenciar no processo de manutenção ou aquisição de status da família perante a sociedade elitizada. Em relação ao papel social da mulher na sociedade brasileira oitocentista, Oliveira (2008) tece o seguinte comentário: “A história da mulher brasileira, como a história de tantas mulheres, é marcada pelo estabelecimento da ordem patriarcal que, legitimada pela religião cristã ocidental, transmitiu o silenciamento do feminino em todas as esferas sociais. A mulher do Brasil oitocentista, formada e constituída socialmente nesta ordem, era subordinada e dependente do pai ou do marido, sendo feita propriedade do homem e silenciada por ele.” (OLIVEIRA, 2008:01.) À mulher cabe evidenciar, na sociedade da época, a sua ilibada conduta ética tanto como uma exímia anfitriã nos salões ou como uma recatada freqüentadora de saraus literários, quanto na vida cotidiana como esposa exemplar e mãe zelosa, atuando, portanto, como “guardiã do lar e da família”, conforme D’Incao (2007:230). Assim sendo, é 66 incumbência da mulher o primoroso zelo com a primeira educação dos filhos, não os deixando à mercê da influência maléfica de idéias subversivas que transgridam à moral familiar e à fé católica. É nesse contexto histórico que se constituirão as duas famílias que estão em foco nesta investigação. Em fins do século XIX, tem-se como ponto de partida o patriarca Pedreira Ferraz, homem legitimamente oitocentista, que deixa entrever em suas cartas as redes familiares que vai tecendo na virada do XIX para o XX. Um “ponto” fundamental dessa rede é sua filha Zélia, a matriarca da família Magalhães, que também tece sua própria teia, construindo com o pai, esposo e filhos um segundo momento desse processo. Ligados aos dois pontos estão os netos do Dr. Pedreira, filhos de Zélia e Jerônimo, que entre si estabelecem, no primeiro quartel do século XX, um outro nível de relação: os irmãos conduzidos à fé religiosa que se aventuram por outras redes sociais na jovem República brasileira. A Família Pedreira Ferraz → João Pedreira do Couto Ferraz (Conselheiro Pedreira, Dr. Pedreira ou Pai Pedreira) O patriarca da família Pedreira Ferraz – Magalhães é o informante do gênero masculino, João Pedreira do Couto Ferraz, nascido no Rio de Janeiro, a 10 de agosto de 18269. Filho do casal Guilhermina Amália Correia de Lima Pedreira e Luís Pedreira do Couto Ferraz que, servindo como Desembargador Afranista da Relação, residiu na Corte, onde constituiu família composta por sete filhos10. Um dos seus filhos é o missivista João Pedreira do Couto Ferraz que iniciou a sua carreira política a partir da advocacia, bacharelando-se, em 1848, na Academia A data de nascimento do Dr. Pedreira foi consultada no Dicionário das Famílias Brasileiras (fonte secundária). 10 O desembargador Afranista Luís Pedreira do Couto Ferraz teve o seu filho primogênito, Luis Pedreira, do Couto Ferraz (*RJ, 07.05.1818), nomeado Visconde do Bom Retiro pelo Imperador Dom Pedro II. O Visconde do Bom Retiro, irmão de João Pedreira do Couto Ferraz, doutorou-se em Leis, na cidade de São Paulo, em 1839, mantendo-se solteiro. 9 67 de Olinda11. Foi nomeado, ainda jovem, pelo Imperador Dom Pedro II, Moço da Câmara, promovido Veador da Casa Imperial e, por mais de 50 anos, exerceu a função de Secretário do Supremo Tribunal Federal. Difundiram-se, em família, formas específicas de tratamento do Conselheiro Dr. João Pedreira do Couto Ferraz como Conselheiro Pedreira, Dr. Pedreira ou Pai Pedreira. O Dr. Pedreira casou-se, em 19 de abril de 1856, na capela do Ingá (Niterói – RJ), com Elisa Amália de Oliveira Bulhões, nascida também no Rio de Janeiro, em 20 de março de 1834. Tal capela foi erigida por um grupo de católicos do qual o Dr. João Pedreira do Couto Ferraz tornou-se o fundador a partir da implementação, em 1853, da Irmandade Nossa Senhora das Dores do Ingá. O casal decidiu viver ao sopé do morro do Corcovado, no morro Inglês, onde atualmente se tem o bairro do Cosme Velho, evidenciando, na alta sociedade carioca do século XIX, o estilo de vida de uma família nobre. Alguns anos depois, o Dr. Pedreira comprou, no Alto da Boa Vista (Tijuca), uma Quinta com um expressivo solar ao qual denominou Chácara da Cachoeira. No requinte dessa residência, Dr. Pedreira e Elisa Amália criaram os seus seis filhos (Maria Teresa12, Zélia13, João, José, Antonio, Guilhermina), sob a benévola influência de ilustres homens e famílias da época tais como a do poeta Gonçalves Dias e a do dramaturgo João Caetano, cf. Pedreira de Castro (1960:33), que freqüentavam o Solar do Alto da Boa Vista, Ao versar sobre a educação de elite ministrada no Colégio Pedro II, inaugurado em 1837, por D. Pedro II, na capital imperial, Enders (2004:161), afirma-se o seguinte: “(...) Após os estudos secundários, os alunos do Colégio Pedro II seguem os caminhos de excelência do Brasil monárquico e republicano: vão estudar direito nas faculdades de Recife ou de São Paulo, fundadas em 1827. De fato, somente nos anos 1890 é que se implanta um ensino jurídico no Rio de Janeiro.” 12 A informante Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), nascida no Rio de Janeiro, em 15 de outubro de 1863, é filha do casal João Pedreira do Couto Ferraz (Rio, RJ, 10.08.1826 – Rio, RJ, 01.11.1913) e de Elisa Amália de Oliveira Bulhões (Rio, RJ, 20.03.1834 – RJ, 18.10.1901.) e irmã de Zélia Pedreira de Abreu Magalhães. 13 A informante Zélia nasceu na casa dos avós paternos, Ingá, em 05 de abril de 1857. O casal Pedreira Bulhões batizou a filha Zélia com o nome de Elisa Justina. No entanto, coube ao Pai Pedreira a inversão dos fonemas do nome Elisa, de modo a originar o nome Zélia que predominou entre todos que com ela se relacionaram, conforme as informações obtidas no livro “Zélia ou Irmão do S.S. Sacramento”. 11 68 sobretudo, em noites festivas de saraus literários. Mantendo-se fiel ao Catolicismo, o Dr. Pedreira ergueu, em sua residência, no Alto da Boa Vista, uma capelinha consagrada a São João Batista, a fim de manter vivo o amor aos valores cristãos. As cartas de autoria do Dr. Pedreira, transcritas para a constituição da amostra estão compreendidas entre os anos de 1877 e 1898. Nesse período, o autor estava entre os seus 51 e 72 anos de idade e exercia o cargo de Secretário do Supremo Tribunal Federal. As missivas foram redigidas, principalmente, na Corte do Rio de Janeiro e tinham como destinatários a sua filha Zélia14, aos seus filhos, ao seu genro (esposo da sua filha Zélia), Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, e aos seus netos, filhos do casal Zélia e Jerônimo: Maria Amália (Amaliasinha), Maria Bárbara, Maria Elisa (Isa), Maria Joana (Jane), Maria Leonor (Nonô), Maria Rosa (Rosinha), Jerônimo, João Maria e Fernando. As cartas que o Dr. Pedreira escreve aos filhos versam basicamente sobre o envio de encomendas, sobre o seu cansaço físico em decorrência das suas atividades profissionais como Secretário do Supremo Tribunal Federal, sobre a sua saudade da convivência familiar com os filhos, netos e esposa e sobre o clima de calor intenso suportado por ele na Corte Carioca como se observa, respectivamente, de (04) a (07). (04) Assunto: Envio de encomendas. “Com esta remetto pequenas encommendas; como sejão o extracto de carne da melhor qualidade, (...) aluneta que encommendou me o Senhor Albino, os livros para o senhor Padre João que deseja cada vez munir se de mais argumentos efactos historicos para confundir os ímpios e ignorantes.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a seus filhos. RJ, 14.04.1883.) Nascida em uma família abastada do século XIX, Zélia aprendeu a ler, aos 05 anos, com o pai (João Pedreira do Couto Ferraz) que, por sua vez, teve condições financeiras de custear, durante seis anos, conforme Pedreira de Castro (1960:25, 35, 36), a sua educação com professores das línguas (inglês e alemão) e das ciências. 14 69 (05) Assunto: Cansaço físico. “Tal é o consaço, que me accomette, que devera já estar deitado afim de [ver] si concilio osonno e mesmo porque as 2 horas de amanha pela manhã devo estar já de pé tomando algum alimento e logo apoz descendo a serra da Tijuca, porem o desejo de escrever-te e fingir que estou conversando comtigo são incentivos mais poderosos de que os meios hygienicos para eu não passar tão mal.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 11.08.1877.) (06) Assunto: Saudade da convivência familiar. “A carta de minha filha, hontem recebida a’ noite, fez me avivar saudades e tomar a resolução de ir visitalos, ainda que seja só por 2 ou 3 dias.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 05.09.1885.) (07) Assunto: O clima quente da Corte Carioca. “Como tens Você, a tua Mãe e Marido e Pae eirmãos passado ? Aperta o calor aqui, e agora escrevo sob sua mallefica influencia” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 07.02.1877.) As cartas enviadas pelo Dr. Pedreira ao seu genro não só tratam sobre questões administrativas específicas da Fazenda de café denominada Santa Fé15, como também versam sobre o seu próprio estado de saúde, como se observa em (08) e (09), respectivamente. (08) Assunto: questões administrativas da Fazenda Santa Fé. “Quanto ao outro ponto, que é momentoso e grave com effeito – chegando a Fazenda de São Marcos mandei chamar o homem e comelle me entendi. Achei-o na altura da espinhosa missão, mas lhe previni, como devia portar se, nenhuma só palavra ou gesto pronunciar a seu respeito..” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz ao seu genro Jerônimo. RJ, 17.04.1882.) (09) Assunto: o estado de saúde do Dr. Pedreira. “Adoentado Você por ahi e adoentado eu por aqui, desde que da Fazenda cheguei ameaçado de [inint.]novidade impertinénte, que desejo abafar noseu nascedouro. Alem disto uma completa pertubação nervoza, que conseqüentemente occasiona merepetidas atrozes insomnias.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz ao seu genro Jerônimo. RJ, 25.02.1882.) Nas missivas enviadas aos netos, o Dr. Pedreira motiva-os a aprender a ler, a escrever com uma bela caligrafia e a se comportar bem, obedecendo sempre aos pais (Zélia Pedreira de Abreu Magalhães e Jerônimo de Castro Abreu Magalhães) que representam modelos de A Fazenda de café Santa Fé, localizada à distância de uma légua da cidade do Carmo de Cantagalo, no Estado do Rio de Janeiro, foi habitada pela família Pedreira Ferraz - Magalhães, constituída por Zélia e Jerônimo, ao se casarem e darem continuidade à família a partir de seus filhos (cf. Pedreira de Castro 1960.). 15 70 integridade ética, moral e religiosa para os filhos, como se verifica nos trechos de cartas apresentados em (10) e (11). (10) “Minha filhinha Nonô (...) Você va pedindo a mamãe que lhe ensine a ler e escrever para com o tempo sustentarmos uã grande correspondencia.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Nonô. RJ, 15.04.1886.) (11) “Minha mimosa Iza Foi com muito prazer que li a tua cartinha. Então?! Ja a minha filhinha tão mocinha escreve que se póde ler com acerto e boa lettra. Bravo ! Em tudo hás de parecer te com a tua inimitável Mãe.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Maria Elisa (Iza). RJ, 08.07.1895.) Observam-se também, nas cartas enviadas aos netos, as instruções do Pai Pedreira em relação a noções de higiene e educação, como se constata, em (12) e (13), respectivamente. (12) “Quanto a ti para ficares bem san, forte e gordinha deves comer só quando a tua Mamãe disser sim, e não deixes teus maninhos assentarem se no chão frio ou humido.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Maria Rosa (Rosinha), em 09.02.1886.) (13) “Tu e Iza obedeçam sempre a teus Paes, pois já comprehendem quanto valem os Paes.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Maria Rosa (Rosinha), em 09.02.1886.) A Família Castro Magalhães → Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães O informante do sexo masculino, Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães, nasceu em Magé (RJ), a 26 de junho de 1851, fruto da união entre o português Fernando de Castro Abreu Magalhães e a brasileira, nascida no Rio de Janeiro, Magé, Rosa Rodrigues de Magalhães. Com a morte da sua mãe, Jerônimo de Castro Abreu Magalhães foi levado por seu pai, a Portugal, para ser educado por uma tia materna. Em terras d’além mar, Jerônimo freqüentou o Colégio dos Nobres em Lisboa. Para dar continuidade aos seus estudos, seguiu para a Alemanha onde cursou Humanidades. O jovem Jerônimo regressou ao Brasil, aos seus 20 anos de idade, dotado de uma bagagem intelectual que incluía o curso completo de Humanidades e o Bacharelado em 71 Letras e Filosofia. Em 1875, cursou Engenharia Civil, o que motivou a sua nomeação, pelo Imperador, como lente catedrático da Escola de Minas, de Ouro Preto, sendo considerado, pois, o seu fundador em aliança com um amigo, Dr. Gorceix. → Zélia Pedreira de Abreu Magalhães A informante do sexo feminino, Zélia Pedreira de Abreu Magalhães, nasceu em Niterói, no bairro do Ingá (RJ), a 05 de abril de 1857, filha de Dr. João Pedreira do Couto Ferraz (o patriarca da família Dr. Pedreira) e Elisa Amália de Oliveira Bulhões. Elisa Justina Bulhões Pedreira é o nome de batismo de Zélia, pois assim também se chamavam a sua mãe e a sua avó. Acrescente-se a isso o fato de “Elisa” ser a abreviação do nome bíblico “Elisabet” e de “Justina” evocar a noção de “perfeição”. Entretanto, o Dr. Pedreira resolveu intercambiar os fonemas do nome Elisa, trocando obviamente o grafema ‘s’ pelo ‘z’, a fim de apelidá-la de “Zélia” no convívio do lar. E assim ficou ... Já na sua velhice, mais precisamente, em 1919, quando tinha 63 anos, a ‘Zélia’ irá assumir uma outra denominação: “Irmã do Santíssimo Sacramento”, cf. consta da ficha de identificação do remetente, exposta no volume II desta tese. A partir de julho de 1875, estreitaram-se as relações entre as fidalgas famílias Castro Magalhães e Pedreira Ferraz, proporcionando a aproximação entre os jovens Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães (filho de Fernando de Castro Abreu Magalhães) e Zélia Pedreira Ferraz (filha do Dr. Pedreira) num clima do mais completo recato e religiosidade cristã. Segundo Biasoli-Alves (2000), “no final do século XIX e início do XX, ‘a mulher é escolhida’, ao mesmo tempo em que é ‘comandada’”. Foi isso que aconteceu com Zélia: ela foi escolhida pela família do marido. O desejo nutrido pelos Castro Magalhães de receber Zélia como esposa de Jerônimo foi aprovado pela família Pedreira Ferraz. Apesar disso, ressalte-se que o compromisso de conveniência foi ajustado ao desejo de Zélia, pois o seu pai (Dr. Pedreira), conforme Pedreira de Castro (1960), fez questão de consultá-la sobre a 72 possibilidade de união entre as famílias, ao que esta respondeu afirmativamente, submetendo o seu futuro aos desígnios de Deus. Zélia age, pois, como uma mulher do educada no Brasil oitocentista, ou seja, como uma mulher moldada para ser submissa às aspirações dos homens: em primeiro lugar, do pai, e depois, do marido. A Família Pedreira Ferraz – Magalhães As famílias Pedreira Ferraz e Castro Magalhães uniram-se através do enlace matrimonial entre os filhos Jerônimo e Zélia, em 27 de julho de 1876, na Capela São João, na Chácara da Cachoeira, residência da noiva. Após a cerimoniosa celebração e requintada festa de casamento, seguiu o jovem casal para Petrópolis, onde residiu por um período. Posteriormente, cedendo à vontade do pai e do tio de Jerônimo, Zélia e o seu Magalhães, como ela o chamava intimamente, tornaram-se os novos donos da rica fazenda de café intitulada Santa Fé, afastada uma légua da cidade do Carmo de Cantagalo e duas léguas de São José d’ Além Paraíba, no estado do Rio de Janeiro. Nasceram dessa união treze filhos – Maria Elisa, Maria Rosa, Maria Leonor, Maria Bárbara, Maria Teresa, Maria Joana, Maria Amália, Maria de Lourdes, Jerônimo, Francisco José, Fernando, João Maria e Luis – dos quais faleceram ainda na infância os filhos Maria Teresa, Maria de Lourdes, Francisco José e Luís16. No livro “Zélia ou Irmão do S.S. Sacramento”, escrito pelo seu filho Jerônimo Pedreira de Castro, o autor esclarece que faleceram os seguintes filhos de Zélia e Jerônimo: Maria Teresa, Maria de Lourdes, Francisco e Luís. No entanto, em carta redigida aos seus filhos Zélia e Jerônimo, o Dr. Pedreira lamenta a morte da “Leonorsinha” (Maria Leonor). Confesso que ainda não entendi. 16 73 Imagem 1: A família Pedreira Ferraz – Magalhães em 1890. Educando-os à luz dos mais rígidos parâmetros da fé católica para serem santos, como desejava a mãe, o casal obteve a recompensa de ver os seus nove filhos se encaminharem para a vida religiosa consagrados a diferentes ordens religiosas como padres – Jerônimo tornou-se Padre Lazarista, Fernando tornou-se Padre Jesuíta e João Maria tornou-se Padre Franciscano – e freiras – Maria Elisa, Maria Leonor, Maria Joana e Maria Amália abraçaram o hábito da Congregação de Santa Dorotéia. Já as irmãs Maria Rosa e Maria Bárbara tornaram-se, respectivamente, Sóror Maria Auxiliadora do Convento Bom Pastor e Sóror Maria da Divina Pastora da Congregação do Bom Pastor d’ Angers. O encaminhamento dos seus nove filhos à vida religiosa no interior de conventos disseminada brasileiros pela especificamente, família pela foi licenciado Pedreira esposa-mãe pela Ferraz “Zélia” educação – sobre virtuosa Magalhães, quem mais recaiu a responsabilidade pela educação dos filhos. Comprova-se que o papel da mulher na educação dos filhos tem a sua relevância na sociedade brasileira de fins do século XIX e da primeira metade do século XX, ainda que seja encoberta pela figura masculina ou, melhor dizendo 74 “dissolvida pó destrás do gênero masculino”, nos termos de Carboni e Maestri (2003). Ao compor a biografia da Irmã Maria do Santíssimo Sacramento (Zélia), o seu filho Pe. Jerônimo (Pedreira de Castro) afirma terem os nove filhos de Zélia seguido à vida religiosa em distintos conventos do Brasil voltados para a “formação da mocidade”. Nas cartas em análise, há trechos que comprovam que os filhos religiosos de Zélia, além de outras atividades exercidas nas respectivas congregações a que pertenciam, envolviam-se com o ensino dos jovens. Nesse sentido, observem-se, de (14) a (19), os comentários relacionados a Fernando, Jerônimo, Maria Joana e Maria Elisa e o exercício de atividades vinculadas ao magistério, tais como: o progresso das alunas, em (14), a aproximação dos exames finais, em (15), a preparação dos exames, em (17), os nomes das alunas, em (18) e os resultados dos exames dos alunos, em (19). Interessante observar que Maria Joana, em (16), se propõe a refletir, na carta que dirige a mãe, sobre a sua função como religiosa-educadora. (14) “[espaço] E tu minha Jane Como estás dos ouvidos? Estou certo que tuas discípulas do primeiro anno, do teo magistério, devem ter feito muitos progressos.” (Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães a filha Maria Joana. Fazenda Santa Fé, RJ, 26.01.1908.) (15) “[espaço] Nós aqui vamos indo muito bem. Approximam-se os exames dos alunnos, o que augmenta meu trabalho.” (Carta de Pe. Jerônimo a sua mãe Zélia. Minas Gerais, Caraça, 07 de setembro de 1909.) (16) “Abriremos novamente o Collegio no dia 7 de Janeiro, pois já são bem longas estas ferias. Este anno quero ainda ser mais sollicita a levar as obras para Nosso Senhor ! Ah! minha Mamãe, cada vez sinto mais difficil achar o segredo da vida religiosa na educação das Jovens ! E depois devo dar a essas almas o que muitas vezes eu estou longe de possuir !” (Carta de Maria Joana a mãe Zélia. Fortaleza, 07 de dezembro de 1918.) (17) “Querido Fernando. [espaço] Ainda em Novembro, recebi sua cartinha em resposta a minha ultima e não lhe escrevi mais porque estive passando alguns pontos dos exames finaes que deveriam ser prestados perante o Inspetor do Governo. [espaço] Graças a Deus sahiram-se todos muito bem.” (Carta de Maria Elisa ao irmão Fernando. 14 de dezembro de 1919.) 75 (18) “(...) Se achares bem me mande os nomes de sua allunnas para Nossa Senhora das Victorias: Titia Zezinha e Maria são Socias Propagadora; se fôr possivel diz a ellas que é em duvida; porque se não vier fiça direito.” (Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. Olinda, Pernambuco, 02 de março de 1921.) (19) “[espaço] [espaço] Felizmente você está satisfeita com o resultado dos estudos das alumnas, e passa bem de saude. Gostaria muito si Jeronymo pudesse ir passar em sua companhia algumas horas, visto que elle vem ao Rio... quanto a Nônô, peço continuamente por ella a Nossa Senhora; de resto nos devemos consolar pensando que Deus escreve di-reito por linhas tortas, como dizia tantas vezes a nossa mamãe.” (Carta de Fernando a irmã Maria Elisa. Vals, 10 de abril de 1921.) O envolvimento dos filhos de Zélia com o magistério no âmbito religioso os evidenciam como legítimos homens e mulheres do Brasil Imperial de fins do século XIX e de inícios do século XX, cf. (Nunes 2007): “(...) Entre 1872 e 1920, cinqüenta e oito congregações européias se estabelecem em terras brasileiras; outras 19 também são fundadas no Brasil por essa época. O trabalho educativo nos colégios, o cuidados dos doentes, das crianças e dos velhos em orfanatos e asilos constituirão suas principais atividades. (...) Na segunda metade do século XIX, religiosas e religiosos detinham praticamente o monopólio da educação no Brasil: das 4600 escolas secundárias existentes, 60% pertenciam à Igreja e gozavam de enorme prestígio.” (Nunes 2007:492/494.) Imagem 2: Os oito filhos religiosos de Zélia, reunidos no Mosteiro do Bom Pastor (Rio de Janeiro), em Janeiro de 1933. 17 Segundo Pedreira de Castro (1960:240), “No grupo, falta apenas Madre Maria Leonor, que, por doença, não pôde comparecer.” 17 76 O casal Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães e Zélia Pedreira de Abreu Magalhães constituiu a sua família, na Fazenda de café Santa Fé, sob os rígidos princípios da fé cristã católica. Em 1889, Jerônimo e Zélia e seus filhos optaram por residir na Quinta da União, um grandioso prédio, situado à Rua São Francisco Xavier (antigo Ginásio Dom Pedro II), em companhia do Dr. Pedreira (pai de Zélia) e de quatro dos filhos do Dr. Pedreira que haviam constituído família. Por motivo de saúde, em 1894, o casal Jerônimo e Zélia decidiu residir em Petrópolis, na Rua Monsenhor Bacelar, Terra Santa, conforme Pedreira de Castro (1960:119-121). Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães, depois de um período de trabalho intenso na Fazenda da Santa Fé não só por ocasião da colheita de café, mas também por ocasião da festa do Carmo em que se recebeu a visita do Bispo, foi tomado por uma gripe pulmonar, culminando em uma síncope cardíaca que o levaram a morte no dia 12 de agosto de 1909. O falecimento do Sr. Jerônimo se deu quando ele estava longe de sua esposa Zélia que havia se ausentado da Fazenda Santa Fé, em viagem a Pernambuco, para visitar uma de suas filhas a quem não via há dez anos. Aos 52 anos, Zélia enviuvou e concentrou esforços para se dedicar integralmente a vida religiosa, a partir de um retiro espiritual no qual fez secretamente os votos de pobreza, castidade e obediência. Zélia dividiu-se entre a administração da produção de café da Fazenda Santa Fé e os cuidados com a saúde do já idoso Dr. Pedreira que, no Rio de Janeiro, necessitava dos cuidados da filha. Como o seu desejo era servir a Deus na paz do claustro, Zélia teve de se abster dos bens materiais quais sejam: a residência de Petrópolis, a Fazenda Santa Fé, imóveis no Rio de Janeiro e a parte que a ela cabia na herança foi passada para o Convento das Servas do Santíssimo Sacramento18. O convento de Religiosas de Clausura denominado “Convento das Servas do Santíssimo Sacramento” foi fundado, em 1912, no Largo do Machado – Rio de Janeiro, cf. Pedreira de Castro (1960:185.). 18 77 Aos 62 anos, deu-se o ingresso de Zélia no convento das irmãs Sacramentinas, mais precisamente no dia 22 de janeiro de 1918. Já despida dos bens materiais acumulados nessa vida terrena, Zélia ingressou no Convento somente com um crucifixo e um rosário. O feliz abraço a essa vida diária de adoração contemplativa a Jesus Sacramentado, a torna, aos 22 de janeiro de 1919, a Irmã Maria do Santíssimo Sacramento. A partir de 15 de agosto de 1919, a Irmã Maria passa a padecer de fortíssimas dores na espinha dorsal que a levaram à paralisia e, conseqüentemente, à morte, no dia 08 de setembro de 1919. O passamento de Zélia foi movido por muitas orações, tristeza e resignação diante dos desígnios de Deus que recolheu para si uma pessoa cuja trajetória de vida se justifica pela expressão do mais puro desejo de ser santa e de fazer dos filhos santos. Como uma mulher nascida no Brasil oitocentista, no seio de uma abastada família movida pelos valores do catolicismo, Zélia teve a sua educação construída a partir de aulas particulares, sobretudo aulas de línguas (francês, inglês, italiano, alemão, latim e grego19) e de ciências, promovidas em casa. Assim sendo, Zélia traz consigo a preocupação de conduzir os filhos à vida em sociedade com uma educação estritamente vinculada aos valores cristãos, o que a levou a se responsabilizar por ensinar-lhes, em casa, a ler, a escrever, as línguas e as ciências. A educação que Zélia ministrava aos filhos tinha como princípio básico torná-los ‘santos’. Como uma mãe extremamente zelosa temia que os ensinamentos ministrados por outros professores, quer em casa, quer em sociedade (educação formal), pudessem macular a inocência e os preceitos cristãos tão rigidamente concebidos na educação familiar. Chegado o momento de ingressar os filhos na educação formal, Zélia matriculou as meninas no Instituto de Santa Dorotéia, na cidade de 19 “Zélia teve por professores vários homens de saber, que freqüentavam a casa do Conselheiro Pedreira. Com tão bons mestres aprendeu a falar corretamente o francês, o inglês, o latim e o grego, a causar admiração ao Imperador, que por várias ocasiões teve o gosto de conversar com a jovem beletrista nesses diversos idiomas.”, cf. Pedreira de Castro 1960:35. 78 Friburgo, cidade próxima a uma das residências da família, Petrópolis. E ao filho mais velho, Jerônimo, Zélia destinou-o à Escola Apostólica, conduzida pelos Padres Lazaristas, na Westfália, próximo de Petrópolis. Em (20), tem-se a transcrição de trecho de carta produzida, em fins do século XIX, por Jerônimo de Castro Abreu Magalhães ao seu filho Jerônimo acerca do andamento dos estudos do filho no seminário, observa-se que o pai valoriza a aprendizagem de línguas, ressaltando mais especificamente a relevância da aprendizagem do latim, como uma “gymnastica do espírito”. Tal posicionamento de um homem educado sob rígidos padrões portugueses de erudição do século XIX parece evocar o racionalismo humano dos gramáticos de Port-Royal (século XVII) que, por sua vez, apontam para um retorno à tradição grecolatina, consolidando a relação entre o pensamento e a linguagem. (20) “O tempo passa - As faculdades d'alma de anno para anno se vão aprimorando, mas certos estudos ha que precisam que tenham raizes em annos juvenis O estudo das línguas é um d’ elles – Muito latim a moda antiga – Olatim alem de ser a maĩ de nossa língua nacional é uma gymnastica do espírito – Conhecimento profundo do latim é um instrumento precioso para outros mais altos conhecimentos – Mas é tarde Terei mais occasiões de Contigo Conversar Sé feliz no santo temôr de Deus. Meus respeitosos cumprimentos a meo Compadre o Senhor Padre Superior e a teus mestres e acceita a benção de teo Pae e amigo Jeronymo” (Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães ao seu filho Jerônimo. Fazenda Santa Fé, RJ, 19.07.1897.) Mais um indício do perfil “culto” que circunscreve a história de formação dos filhos de Zélia e Jerônimo é recolhido em carta escrita por Fernando, como se observa no trecho da carta transcrito em (21). O fiel aspirante à missão de Jesuíta, ainda em processo de estudo antes de sua ordenação, ao escrever a uma irmã não especificada, tece comentários sobre a sua produção escrita que, por sua vez, envolve artigos a serem publicados em jornais da época tais como A União e o Mensageiro do Coração de Jesus (em Portugal). Esse fato constitui uma evidência de que as missivas que embasam esta tese são o reflexo da produção escrita de brasileiros que, em fins do XIX e na primeira 79 metade do XX, se mostravam familiarizadas com o manejo da pena e que tentavam, através dela, intensificar os seus laços de união. (21) “[espaço] Espero que receberás em breve um trabalho sobre Mamãe no Mensageiro do Coração de Jesus de Portugal, de que a 1 a parte (são umas 6 ou 7) já foi publicada, e um outro em francês. Todos os outros trabalhos avançam e varios estarão terminados brevemente. (...) [espaço] Post Scriptum - Parece que o governo francês recua, já tem medo de perseguir as Religiosas e os catholicos, tal o barulho que estes vão fazendo. Os Jesuitas dirigem a publicação de milhões de dispersos como este. O Chefe dos Ministros, [Herriot], tem sido vaiado por toda a parte, e será obrigado a deixar o governo. Ainda bem ! Mandei agora dois artigos para A União a este respeito. [espaço] Acabo de receber cartão de Bebé, de Santos. Pretende visitar-te. Fernando.” (Carta de Fernando a irmã. Bélgica, Enghien, 09 de janeiro de 1925.) No que se refere à História da Educação no Brasil, é interessante observar a leitura de Biasoli-Alves (2000), integralmente fidedigna à história da família Pedreira Ferraz – Magalhães: “(...) analisando o contexto da época e olhando a História da Educação no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, pode-se verificar que havia poucas Faculdades no país; somente nos grandes centros, sobretudo no eixo Rio-São Paulo (Almeida, 2000). No entanto, existiam muitos colégios, a maioria confessionais, herança dos Jesuítas, mas também de outras congregações religiosas que para cá vieram, cada qual trazendo os seus padres e suas freiras, preocupados em educar para Deus e a sociedade, “os filhos e filhas da terra”. Proliferam, então, os colégios para meninos e meninas das classes abastadas e torna-se cada vez mais comum que a “moça de família”, depois que aprendeu em casa as “primeiras letras”, seja enviada a um colégio interno de freiras “para ser educada”. (Biasoli-Alves, 2000.) Acredita-se que as cartas produzidas pelas famílias Pedreira Ferraz e Castro Magalhães, representantes de uma amostra criteriosamente organizada, possa subsidiar os estudos sociolingüísticos acerca da produção escrita de brasileiros letrados que viveram em fins do século XIX e na primeira metade do século XX. 80 CAPÍTULO 4. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS. 4.1 A Mudança lingüística à luz dos pressupostos variacionistas A intrigante contradição do Estruturalismo Saussureano é a idéia de que, para dar conta da configuração estrutural da língua, é legítima a concepção de língua como um sistema homogêneo, como o domínio da invariância, excluindo, pois, a extensão sócio-histórica da análise lingüística. Essa incongruência da teorização de Saussure se revela através do Paradoxo Saussureano: como admitir que para entender o funcionamento interno da língua (langue) se deva atentar para a expressão do discurso de um único indivíduo (parole) que, por sua vez, somente pode se dar numa situação de interação comunicativa em um dado momento histórico-social? Sob a perspectiva da Sociolingüística Variacionista de orientação laboviana, voltam-se os olhares não só para a configuração interna da língua, como previa Saussure (1915), mas também para a sua configuração social, concebendo-a como um sistema movido por uma heterogeneidade ordenada cujas manifestações lingüísticas variáveis podem ser descritas e analisadas nos seus níveis estrutural e social, segundo Weinreich et alii (1968). Visando à elucidação de incoerências nos estudos saussureanos, entende-se que a abordagem do contexto histórico se faça necessária à reconstrução da história lingüística e social, conforme Weinreich et alii (1968), Labov (1994), com base nas noções de Variação e Mudança como traços essenciais à estruturação interna das línguas. Labov (1994) entende as noções de Variação e Mudança como movimentos constitutivos das línguas humanas, assumindo que a função da lingüística histórica é a de detectar as diferenças entre o passado e o presente das línguas. Essa detecção pode ser obstaculizada por não ser tão simples inferir o quão o passado foi diferente do presente. Trata-se do Paradoxo diacrônico (Historical paradox) que motivou Labov a assumir o presente como uma realidade lingüística a 81 partir da qual se pudesse entender o passado das línguas. Acredita-se que o fato de a força propulsora da mudança lingüística ter atuado no passado legitima a sua influência sobre a realidade lingüística sincrônica (atual), como reflexo do princípio norteador da mudança nas línguas humanas – The uniformitarian principle, cf. Labov (1994). Ao admitir que as línguas humanas sejam movidas por variação, potencial que, por sua vez, as leva a se transformarem gradual e paulatinamente, como entender (pensar) o seu funcionamento interno pari passu à implementação da mudança estrutural? A Sociolingüística Variacionista, à luz dos estudos de William Labov, passa a se preocupar em estudar a mudança lingüística não somente quando já se efetivou na língua, mas também quando ainda está sob a progressão dinâmica da variação no sistema lingüístico. O estudo da mudança lingüística exige que se volte o escopo da análise para a língua em distintos momentos da sua história. Nesse sentido, Paiva e Duarte (2004) preocupam-se em tecer as seguintes questões relacionadas à composição de amostras de textos para os estudos no âmbito da sociolingüística histórica: “Se a análise diacrônica implica a reconstrução de uma ou de diversas sincronias, coloca-se o problema quantitativo e qualitativo de constituição de uma amostra e de seleção dos objetos a serem tomados como ponto de referência. Quantos e quais textos vamos utilizar para depreender as possíveis mudanças? Como avaliar a representatividade de um texto em relação a um certo recorte do tempo? Até que ponto o fenômeno específico em estudo requer a análise de corpora específicos? São questões com que se defrontam inevitavelmente os sociolingüistas e os pesquisadores da diacronia.” (Paiva e Duarte, 2004:184). Em relação à fidedignidade dos dados históricos que se prestem aos estudos lingüísticos diacrônicos, Labov (1994) aponta alguns problemas de interpretação. São eles: 82 1º) A imprevisibilidade de localização de documentos históricos. A resistência dos documentos históricos à atuação dos efeitos do tempo é fortuita, o que leva o lingüista-pesquisador a contar com o acaso para localizar textos que sirvam aos estudos lingüísticos de sincronias passadas; 2º) O baixo grau de expressividade do vernáculo dos escritores. É possível que, em muitos documentos históricos, se observem os efeitos da hipercorreção, da mistura de dialetos e de erros do escriba, dificultando a identificação de legítimos traços da realidade vernacular da língua dos autores dos textos. Além disso, os documentos históricos podem comprovar as evidências negativas a serem inferidas na ausência de documentos que tenham resistido à ação do tempo; 3º) A difícil caracterização do perfil social dos autores dos documentos históricos. Labov também aponta como um empecilho ao trabalho com a diacronia o fato de nem sempre ser possível dispor de informações precisas acerca do perfil social dos autores dos documentos históricos, assim como não lhe é possível assegurar sobre a reconstituição da sócio-história da comunidade lingüística em análise. Na proposta a ser desenvolvida nesta tese, atentou-se, em termos metodológicos, para o resgate meticuloso do perfil sociolingüístico de cada um dos autores dos documentos, bem como o dos destinatários das cartas, tendo em vista a idade, o gênero, o grau de parentesco, o nível cultural e o tipo de relação estabelecida entre os “informantes”. Entende-se também que, para dar conta de nosso objeto de estudo, optou-se pela análise de cartas íntimas por ser um tipo de texto cujo grau de formalismo é menor, visando à estruturação de uma investigação com uma maior probabilidade de expressão de contextos lingüísticos favoráveis ao aparecimento de formas de tratamento. 83 A depreensão do processo de implementação da mudança lingüística envolve ainda o esclarecimento das seguintes questões teóricas pensadas por Weinreich et alii (1968): o problema das restrições (constraints problem) – a detecção dos fatores motivadores da mudança lingüística; o problema da transição (transition problem) – a análise das etapas pelas quais a língua atravessa, de modo gradual e paulatino, ao se transformar; o problema do encaixamento (embedding problem) – a observação do ajuste da mudança nas matrizes lingüística e social; o problema da avaliação (evaluation problem) – a apreciação do falante acerca da mudança lingüística e de suas conseqüências na sua estrutura; o problema da implementação (actuation problem) – a percepção da instauração da mudança lingüística a partir da seguinte indagação: por que um dado processo de mudança lingüística se instaurou em período e espaço específicos e não em outros momentos e lugares da história da língua? É possível depreender quem, quando e como implementou a mudança? A busca por depreender o processo de implementação da mudança lingüística perpassa pelos estudos em tempo aparente que se põem a detectar os fenômenos lingüísticos variáveis nas distintas faixas etárias dos informantes como a expressão objetiva da língua, em um dado momento histórico-social. Labov (1994) discute a possibilidade de o estudo em tempo aparente evidenciar apenas um processo de variação estável. Esta seria caracterizada pela manifestação das alternâncias de usos lingüísticos que se conservam a cada geração de informantes como uma evidência de um processo de gradação etária não apontando, pois, para um processo de mudança em progresso na língua. A fim de elucidar esse impasse da análise do fenômeno lingüístico como um estágio de variação estável (gradação etária) ou como a implementação da mudança lingüística (mudança em progresso), Labov (1994) instiga a realização de estudos lingüísticos que conjuguem os resultados das análises em tempo aparente com as evidências dos estudos em tempo real. 84 Os estudos em tempo real se caracterizam, conforme teoriza Labov (1994), como análises lingüísticas em discretos períodos de tempo (estudos de curta duração) e como estudos lingüísticos que envolvem dilatados lapsos de séculos (estudos de longa duração). Ao pensar a produtividade dos estudos lingüísticos em tempo real de curta duração, Labov conjectura duas estratégias de depreensão da dinamicidade da variação em relação a formas lingüísticas alternantes em processo de mudança lingüística. São elas: o estudo de painel (panel study) e o de tendências (trendy study). Enquanto este se estabelece através da comparação entre distintas amostras lingüísticas de diferentes informantes pertencentes a uma mesma comunidade lingüística, aquele consiste na comparação entre amostras lingüísticas dos mesmos informantes em um período de tempo entre o recontato dos mesmos informantes que Labov recomenda ser de, “no mínimo, meia geração (12 anos) e, no máximo, duas gerações (cerca de 50 anos)” (cf. Labov 1981:177 apud Paiva e Duarte 2003:22). A confiabilidade dos estudos de painel (panel study) e de tendências (trendy study) depende da rigidez dos critérios de composição da amostra de dados e dos métodos (entrevistas, questionários, tipos de textos) a serem aplicados às análises lingüísticas em distintos momentos. Isso quer dizer que tanto no recontato dos informantes (estudo de painel), quanto na análise do comportamento lingüístico de distintas amostras de distintos informantes da mesma comunidade lingüística (estudo de tendências), é preciso utilizar os mesmos critérios de seleção dos informantes e das mesmas condições metodológicas de constituição das amostras. 85 4.2 A variação e a mudança lingüística em tempo real de curta duração: os estudos de painel e de tendências aplicados a análises diacrônicas. A interpretação dos dados em tempo real de curta duração, tanto no estudo de painel, como no estudo de tendências, requer a observação do comportamento lingüístico do informante em relação ao comportamento da comunidade. Assim sendo, Labov (1994:83) ao combinar as possibilidades de conduta lingüística dos informantes, propõe, como se observa no quadro 2, padrões de mudança relacionados ao indivíduo e à comunidade. PADRÕES DE MUDANÇA LINGÜÍSTICA NO INDIVÍDUO COMUNIDADE INDIVÍDUO E NA COMUNIDADE 1. ESTABILIDADE Estável Estável 2. GRADAÇÃO ETÁRIA Instável Estável 3. MUDANÇA GERACIONAL Estável Instável 4. MUDANÇA COMUNITÁRIA Instável Instável Quadro 2: Padrões de mudança lingüística no indivíduo e na comunidade, conforme Labov (1994:83). Os padrões 1 e 2 de mudança lingüística no indivíduo e na comunidade conjecturados por Labov (1994) não evidenciam circunstâncias de implementação da mudança lingüística. No primeiro padrão, tem-se uma situação de estabilidade na qual tanto o informante, quanto a comunidade se mostram estáveis. Não há, segundo Labov (1994:83), a expressão “da variação a ser analisada (...), há uma situação de estabilidade, de invariância, de homogeneidade”. Já no segundo padrão, observa-se uma situação de gradação etária caracterizada pelo comportamento instável do informante na passagem por diferentes estágios etários da sua experiência lingüística frente a uma situação de estabilidade no interior da comunidade lingüística. Segundo Labov (1994:84), “a terceira e a quarta combinações não são tão transparentes”. A mudança geracional (3º padrão) é marcada pela instabilidade da comunidade lingüística face ao comportamento 86 lingüístico estável do falante no decorrer de sua vida. Acréscimos progressivos nos valores das freqüências de uso de uma determinada variável são desenvolvidos pelas gerações, o que leva a uma mudança lingüística no interior da comunidade. Trata-se de um típico padrão das mudanças fonéticas e morfológicas. Ainda sob a orientação laboviana, a mudança comunitária (4º padrão) se dá quando todos os membros da comunidade alteram as freqüências de uso de uma dada variável lingüística ou quando adquirem simultaneamente novas formas lingüísticas. Esse processo de mudança lingüística é comum em relação ao processo de mudança lexical, conforme atestado por Payne (1976 apud Labov, 1994) em seu estudo na comunidade lingüística da Filadélfia. Também a mudança comunitária foi atestada como um padrão básico de mudança sintática por Sankoff e Brown (1976 apud Labov, 1994) e por Arnaud (1980 apud Labov, 1994). Apesar de os padrões de mudança idealizados por William Labov se prestarem a respaldar, com um maior grau de confiabilidade, o caráter científico das análises lingüísticas, até mesmo Labov (1994) mostra-se consciente da relativa aplicabilidade de tais critérios de depreensão da mudança lingüística no indivíduo e na comunidade em virtude da constituição diversificada, heterogênea e multifacetada da língua. Assim sendo, Labov indaga como esses padrões de mudança lingüística (estabilidade, gradação etária, mudança geracional e mudança comunitária) relacionam-se com as análises lingüísticas em tempo aparente e em tempo real. Segundo o autor, a partir do estudo exclusivo de painel não será possível, por exemplo, identificar se se trata de um processo de gradação etária ou de mudança comunitária, pois, nos dois padrões de mudança, o indivíduo é instável. Somente a análise da comunidade poderá resolver o impasse, já que, na gradação etária, a comunidade é estável e, na mudança comunitária, a comunidade teria comportamento instável. O estudo de tendências permite identificar a performance da comunidade lingüística, mas não dá informações sobre o 87 comportamento lingüístico dos informantes em outros momentos específicos da sua experiência lingüística e da história da língua. Com base na relativa fragilidade das estratégias de depreensão da progressão da mudança lingüística em tempo real, quer através do estudo de painel (panel study), quer através do estudo de tendências (trendy study), propõe Labov a conjugação desses dois tipos de estudos em tempo real de curta duração (estudo comparativo entre fases discretas de tempo) com os em tempo aparente (estudo comparativo distribuído por níveis etários). Gillian Sankoff, no artigo intitulado Age: Apparent time and real time, propõe uma releitura dos quatro padrões de mudança lingüística propostos por Labov (1994), ao sugerir uma reanálise, sobretudo, do segundo e terceiro padrões de mudança lingüística: gradação etária e mudança geracional (tempo aparente), respectivamente. A adaptação feita por Sankoff (2006) aos padrões de mudança propostos por Labov (1994), como pode ser visto no quadro a seguir, leva em conta que aumentos progressivos nas faixas etárias constituem um importante fator para a depreensão da mudança em progresso nas línguas humanas. Observe-se a primeira coluna: PADRÕES SINCRÔNICOS INTERPRETAÇÃ O INDIVÍDUO COMUNIDADE CATEGÓRICO AUMENTO OU DECRÉSCIMO REGULARES 1. ESTABILIDADE Estável Estável DE ACORDO COM O FATOR IDADE 2. GRADAÇÃO ETÁRIA Instável Estável Estável Instável Instável Instável AUMENTO OU DECRÉSCIMO REGULARES DE ACORDO COM O FATOR IDADE 3. MUDANÇA GERACIONAL (TEMPO APARENTE) 4. MUDANÇA COMUNITÁRIA CATEGÓRICO Quadro 3: Padrões de mudança no indivíduo e na comunidade adaptados de Labov (1994:83) por Sankoff (2006:05). Segundo de Sankoff (2006), distribuições etárias gradientes podem ser interpretadas como um processo não categoricamente deflagrador de mudança lingüística, mas de gradação etária. A correlação entre 88 gradação etária e mudança geracional (tempo parece aparente) evidenciar dois diferentes comportamentos lingüísticos: 1º) Se a mudança está em progresso, os falantes mais velhos tendem a, à medida que envelhecem, mudarem os seus comportamentos lingüísticos em direção à implementação da mudança; 2º) Com variáveis lingüísticas estáveis é possível haver um padrão curvilinear co-indexado com o fator idade, assim como com a classe social. Entende-se que os adultos já inseridos no mercado de trabalho podem evidenciar uma maior produtividade da variante padrão do que é característico dos informantes idosos e jovens. Com o intuito de depreender essas duas possibilidades interpretativas, Sankoff sugere que se voltem os olhares para o exame da história da língua através da análise em tempo real. Acredita-se que os estudos longitudinais como painel e tendências pensados por Labov (1994) possam esclarecer a relação entre o fator idade, e as noções de tempo aparente e de tempo real. Admite-se que aumentos progressivos na freqüência de uso de uma dada variável lingüística em análise, tanto no nível do indivíduo, quanto no nível da comunidade sejam essenciais para a implementação da mudança. Assim sendo, Sankoff prevê quatro possibilidades interpretativas para os resultados dos estudos em tempo real. São elas: 1ª) A repetição de um padrão lingüístico peculiar a uma determinada faixa etária pode ser explicada como um estático processo de gradação etária; 2ª) O recorrente processo de gradação etária até o mais alto nível da mudança pode ser entendido como mudança lingüística em tempo real; 3ª) A instabilidade elevada ao seu mais alto grau assumida por todos os grupos etários pode ser interpretada como a última fase da implementação da mudança lingüística em progresso; 4ª) A direção da mudança pode ser revertida como resultado de um processo de estigmatização vindo de cima, isto é, alavancado por pressões sociais. 89 Sankoff também admite que a combinação do estudo de tendências com o de painel ratifica a relevância do conceito de tempo aparente para a depreensão da mudança em progresso na língua. O caráter inovador deste trabalho está na tentativa de elaboração de uma proposta metodológica para o estudo de painel (panel study) nos moldes labovianos que se aplique à análise de sincronias passadas (cartas pessoais oitocentistas e novecentistas). Tentou-se aplicar, é claro, a noção de estudo de tendências (trendy study), sob a inspiração laboviana, a textos escritos em sincronias passadas do PB, mas não se conseguiu equilibrar a amostra com cartas pessoais confeccionadas por distintos informantes cultos (homens e mulheres), representantes da comunidade lingüística, que tivessem produzido regularmente cartas pessoais em fases distintas da mesma sincronia em análise (século XX). Assim sendo, restringiu-se esta análise variacionista das formas Tu e Você ao estudo de painel (panel study) e ao estudo em tempo aparente (apparent time), nos moldes Labovianos, em sincronias passadas do PB (fins do séc. XIX e primeira metade do século XX). Os avanços e os entraves à aplicação do modelo serão discutidos posteriormente. Outra questão pertinente postulada como uma das hipóteses deste estudo é tentar explicar o maior emprego de Você na produção escrita de mulheres brasileiras em fins do XIX e início do XX. Teriam sido as mulheres as propulsoras da implementação de Você no PB? Qualquer resposta definitiva a tal pergunta poderia ser considerada redutora ou demasiadamente simplista, entretanto, cabe examinar, na seção seguinte, como o fator gênero tem sido discutido em diversos estudos de natureza sociolingüística. 90 4.3. O fator gênero em processos de variação e mudança lingüísticas. Partindo do pressuposto de que o Você é uma forma que surgiu posteriormente ao Tu e que com ele compete no PB, é possível pensar as seguintes questões: a variável gênero (sexo) poderia representar um fator de progressão (avanço) ou de regressão (retrocesso) na direção da implementação de uma nova variante (Você) no sistema lingüístico? A opção por Tu ou por Você estaria co-relacionada com o papel social assumido por homens e mulheres na realidade sócio-histórica e lingüística do PB oitocentista e novecentista? É interessante observar os resultados de alguns estudos sobre processos de variação lingüística que permitem evidenciar a influência da variável gênero (sexo) na escolha de uma dada forma variante. Tais constatações confirmam a hipótese laboviana (1990) de que, nos processos de variação, as mulheres tendem a usar as formas que refletem a norma padrão, desviando-se, pois, das variantes lingüísticas socialmente estigmatizadas. No nível fonético, tem-se o pioneiro estudo de Fischer (1958) sobre o desempenho dos fatores sociais na seleção de pronúncias variantes no inglês. O autor, ao estudar a competição entre a pronúncia velar (variante socialmente prestigiada) ou dental (variante socialmente desprestiada) do sufixo –ing em formas verbais gerundivas (walking, breaking, talking) do inglês, constata que as mulheres optaram pela variante socialmente prestigiada, isto é, preferiram a pronúncia velarizada do sufixo –ing. No inglês falado em Detroit, Wolfran (1969) examina a realização fonética variável das oclusivas [t] e [d] em posição de fim de sílaba – walked/walke. As mulheres optam por seguirem a norma, realizando foneticamente as oclusivas (walked), em oposição aos homens que não as realizam em fim de sílaba, selecionando, pois, a variante socialmente desprestigiada (walke). Na variedade carioca do PB, Mollica, Paiva e Pinto (1989) analisaram o apagamento variável da 91 vibrante em grupos consonantais – problema/pobrema; proprietário/propietário. As mulheres também preferiram a variante socialmente prestigiada, ao optarem pela realização da vibrante no interior de grupos consonantais (problema, proprietário). No nível morfossintático, Laberge (1977) pesquisa a alternância entre os pronomes nous (nós) e on (a gente) do francês oral de Montreal (Canadá) – Nous allons au cinema/On va au cinema20. Nesse processo de variação, as mulheres preferiram o pronome licenciado pela norma padrão, isto é, elegeram a forma socialmente prestigiada (nous). Ainda em relação à variação pronominal, apresentam-se os resultados de Paredes e Silva (1996) sobre o emprego variável das formas Tu e Você na variedade carioca do PB falado. A autora constata que o uso do Tu em desarmonia sintática com o verbo na terceira pessoa do singular (Tu quer uma cerveja?) é mais produtivo na fala dos homens cariocas com .57 de peso relativo. As mulheres parecem ter optado por não se exporem a uma construção sintática tão seriamente rechaçada pela norma gramatical: o emprego do Tu sem concordância verbal. A influência da variável gênero também pode ser observada em relação ao fenômeno variável da concordância nominal no PB. O estudo de Scherre (1996) evidencia que há uma maior probabilidade de as mulheres efetivarem a concordância no interior do sintagma, com peso relativo de .58, do que os homens, com peso relativo de .42. Trabalhos sociolingüísticos que visam a depreender a progressão da mudança lingüística mostram que nem sempre é possível evidenciar uma clara polarização entre o comportamento lingüístico de homens e mulheres e o uso de variantes desprestigiadas e prestigiadas. O Paradoxo do Gênero, cf. Labov (1990), se estabelece a partir da seguinte dinâmica: em processos de variação lingüística, como dito anteriormente, as mulheres tendem a se voltar para a norma padrão, mostrando-se mais conservadoras, ao evitarem a estigmatização. As sentenças “Nous allons au cinema/On va au cinema.” podem ser entendidas, em português, da seguinte forma: “Nós vamos ao cinema/A gente vai ao cinema.” 20 92 Inverte-se a situação em processos de mudança lingüística. Nesses casos, as mulheres tendem a introduzir a forma “não-padrão”, mostrando-se mais inovadoras e os homens, conservadores. No entanto, ao estudar a estratificação social do inglês de Nova York, com base na análise da realização retroflexa do [r] pós-vocálico (card), Labov (1966) observou que as mulheres optaram pela implementação da forma socialmente prestigiada: a pronúncia retroflexa do [r] pós-vocálico. Ao estudar a centralização de /ay/ e /aw/ em Martha’s Vineyard, Labov constata que os homens lideraram o processo de mudança, o que o levou a admitir que a distinção sexual (gênero masculino versus gênero feminino) está sujeita “(...) a uma postura expressiva que é socialmente mais apropriada para um sexo do que para outro”., cf. Labov 2008[1972]:348/349. Omena (1996) analisa a alternância nós e a gente como sujeito pronominal no português falado pelos cariocas. Os homens, ao optarem pelo nós, mostraram-se conservadores, ao passo que as mulheres, ao preferirem o a gente lideraram o processo de mudança, ao assumirem uma postura mais inovadora. Entretanto, não se pode afirmar veementemente que o emprego de nós evidencia o “padrão” e o a gente, o “não-padrão”, pois tais formas pronominais variantes não são socialmente estigmatizadas. Acredita-se ser mais coerente, portanto, optar por tratar as formas variáveis nós e a gente como forma conservadora, aquela já existente na língua, e como forma inovadora, a que surgiu a posteriori no sistema lingüístico, respectivamente. Não necessariamente as formas conservadoras e inovadoras devem estar vinculadas à “norma padrão” e à norma “não-padrão”, respectivamente. Zilles (2005) estuda o incremento do processo do pronome a gente no PB falado em Porto Alegre. Trata-se de uma mudança vinda de baixo (change from below, cf. Labov 1994) como uma inovação implementada no discurso da comunidade lingüística. Em relação ao gênero, a autora constatou que as mulheres conduziram o processo de mudança, à exceção do grupo de maior nível de escolaridade em que a distinção em 93 relação ao gênero foi neutralizada. Segundo a autora, tal resultado pode sugerir o surgimento de uma avaliação social negativa da nova forma (a gente) em consonância com o comportamento da mulher cujo nível de escolaridade é elevado. Ainda que o a gente seja posterior ao nós, daí o seu caráter inovador, pode ter assumido, segundo a autora, uma avaliação social negativa pela camada mais escolarizada da sociedade brasileira. Raumolin-Brunberg (2005) examina como a forma de segunda pessoa do pronome objeto YOU passou a ser usada na função de sujeito no inglês escrito entre os séculos XIV e XVIII (1350 – 1710). Trata-se de uma mudança morfossintática do sujeito YE para o YOU que conviveram na produção escrita de 60% dos informantes entre os anos 1520 e 1539, considerado o rápido período de difusão das formas variantes Ye e You. O YOU na função de sujeito é introduzido no século XIV, espraiando-se a partir de 1480 e implementando-se a partir de 1560. A autora admite se tratar de uma mudança vinda de baixo em termos de consciência social (change from below, cf. Labov 1994.) conduzida pelas mulheres no seu período de difusão, o que, em consonância com Labov (1990), as evidenciam inovadoras. Sundgren (2001) discute o fato de as mulheres da Eskilstuna (Suécia) empregarem mais a linguagem de prestígio do que os homens. A autora defende que homens e mulheres assumem diferentes tipos de ocupação, o que pode gerar as diferenças de usos em relação à forma padrão. A mulher tem de usar as formas voltadas para a língua padrão para que o seu discurso adquira prestígio. O homem, por sua vez, não necessita usar a norma padrão para adquirir prestígio no interior da comunidade sueca de Eskilstuna. O discurso masculino é assumido como norma, ainda que essa norma nem sempre corresponda à norma padrão. O valor atribuído ao discurso masculino, a que Sundgren se refere, dialoga com a noção de prestígio encoberto (covert prestige, cf. Labov 1972). Enquanto o homem está mais propenso a se envolver em interações comunicativas em distintas esferas da sociedade, a mulher 94 fica restrita ao exercício de atividades específicas no âmbito doméstico. Nesse sentido, a expressão lingüística masculina goza de um prestígio encoberto no interior da comunidade lingüística de Eskilstuna (Suécia). Também em relação ao objeto de estudo desta investigação, faz-se necessário explicar o que se entende por comportamento lingüístico conservador vs. inovador, além de se relativizar o conceito de “padrão” e “não-padrão.” O emprego preferencial do Tu, estratégia de referência à segunda pessoa do discurso mais antiga no sistema pronominal do PB, proveniente do latim vulgar Tu (nominativo)21, é entendido como um uso lingüístico conservador. Por outro lado, a preferência pelo Você, estratégia pronominal inserida, gradual e paulatinamente (Vossa Mercê → Você), no sistema pronominal do PB, seria considerada como expressão de um comportamento lingüístico inovador. Além disso, pela produtividade de Você nas cartas de pessoas ilustres no século XIX, conforme discutido no capítulo anterior, não se pode dizer que, no Brasil, a variante inovadora Você carrega um estigma social. Assim sendo, não pode ser considerada como uma variante “nãopadrão” stricto sensu, como previa Labov (1990). Faz-se necessário rediscutir esse conceito de variante “não-padrão” em relação ao escopo deste trabalho. O processo gradual e paulatino de gramaticalização de Vossa Mercê leva ao surgimento do Você que passa a ser usado no mesmo domínio funcional que o Tu (genuíno pronome de segunda pessoa). O termo “não-padrão” só poderia, pois, ser aplicado à forma Você no seguinte sentido: o Você é uma forma pronominal que, nascida de uma necessidade de delimitação do espaço social português através do estabelecimento de formas específicas para identificar a rígida hierarquização social portuguesa (Vossa Mercê para o rei português, no século XVI) é posterior ao Tu. O Você alcança o status de autêntico Segundo Maurer Jr. (apud ILARI, Rodolfo. 2002:94), a segunda pessoa pronominal (singular) assumia, no latim vulgar, as seguintes formas: Nominativo: tu; Genitivo/Dativo: ti/tibi; Acusativo: te. 21 95 pronome de segunda pessoa do discurso (sujeito de referência determinada), chegando, até mesmo, a se comportar como uma estratégia de indeterminação do sujeito (sujeito de referência indeterminada ou arbitrária22). Diante das considerações tecidas sobre a variável gênero (sexo), é possível admitir que as performances lingüísticas de homens e mulheres são motivadas pelos papéis sociais que assumem numa dada realidade sócio-histórica. Entretanto, os resultados das pesquisas lingüísticas sobre fenômenos lingüísticos em variação e em processo de mudança comungam de um aspecto em comum: as mulheres mostram-se mais sensíveis ao prestígio social atribuído às formas lingüísticas. Neste estudo, a partir da produção escrita de informantes cariocas, pretendese depreender a influência da variável gênero no processo de implementação do Você no quadro pronominal do PB oitocentista e novecentista. Observe-se o emprego do Você como estratégia de indeterminação do sujeito em amostra do PB oral examinada por Duarte (1995): “Você, quando você viaja, você passa a ser turista. Então você passa a fazer coisas que você nunca faria no Brasil.” 22 96 4.4 Por um estudo de painel em sincronias passadas: os entraves e os avanços da aplicação de um modelo. Tanto para o estudo de painel, quanto para o estudo de tendências em momentos pretéritos da história da língua, fica-se à mercê da produção escrita de informantes legitimamente brasileiros ao longo de uma mesma sincronia passada que, nos acervos públicos brasileiros, tenha resistido à ação do tempo. Para um estudo do comportamento da comunidade lingüística (estudo de tendências) seria necessário um complexo resgate de fontes escritas produzidas por diferentes informantes jovens, adultos e idosos, distribuídos entre os gêneros masculino e feminino, em distintos períodos, pelo menos dois, do passado. A investigação do comportamento do indivíduo em sincronias passadas (estudo de painel), por sua vez, requereria a seleção de um número considerável de textos como a expressão da produção escrita dos mesmos homens e mulheres em dois momentos no eixo do tempo que configurassem uma mudança de faixa etária. Documentos do mesmo indivíduo escritos, por exemplo, na sua juventude e depois na fase adulta. Nesta tese, obteve-se documentação de oito indivíduos, três homens e cinco mulheres pertencentes à mesma família. Diferentemente de um estudo de painel tradicional em que se opõe o mesmo indivíduo em dois momentos no tempo, neste estudo foi possível acompanhar, através da análise da produção escrita dos integrantes da família Pedreira-Magalhães, o comportamento do indivíduo ao longo de sua vida. Apesar de não se ter um corpus equilibrado pelas dificuldades intrínsecas a própria natureza de um estudo histórico, têm-se como observar, na amostra constituída, jovens passando à fase adulta (dois homens e três mulheres) e duas mulheres adultas que se tornam idosas. Além disso, tem-se um feito inédito de incorporar ao corpus a 97 documentação relativa a duas informantes durante as três fases da vida: juventude, adultez e velhice. Nenhuma amostra de fala conhecida já obteve tamanho êxito! O fato de ter optado pela caracterização criteriosa do perfil histórico-cultural de uma família em particular, não permitiu, entretanto, a concretização do estudo de tendências à luz da perspectiva laboviana (1994). Não havia no âmbito familiar dos Pedreira Ferraz-Magalhães documentação relativa a diferentes jovens/adultos/idosos em dois momentos no eixo do tempo. Outros avanços: Ainda que, para Labov (1994), o vernáculo das cartas, peças teatrais e textos literários não expresse, com legitimidade, a norma objetivamente realizada no interior da comunidade lingüística, só restam os registros escritos como reflexo da expressão do PB em sincronias pretéritas, conduzindo o lingüista-pesquisador a um criterioso trabalho com a língua escrita. É claro que Labov tem razão, ao admitir que não há uma correspondência biunívoca entre a fala e a escrita, mas é possível detectar, na escrita cotidiana (familiar), reflexos da expressão falada da língua. Assim sendo, pinçaram-se trechos das cartas pessoais (familiares) em análise nos quais é possível entrever aspectos fonéticos e morfossintáticos que evidenciam traços de oralidade no registro escrito de falantes cultos do PB. Na produção escrita da família Pedreira Ferraz – Magalhães, foi possível observar a transparência dos seguintes traços fonéticos e morfossintáticos, alguns deles característicos do PB como é o caso da colocação pronominal: Inversão de fonemas no grupo consonântico CVC [per] por CCV [pre]: “(...) porque todos te querem muito bem. Já chegou o Padre Ceriale preguntou por Você Nossa Madre te manda lembranças o mesmo Irmã Maria Rosa – e Irmã Maria Agustinha (a do gallinheiro) (...) ” (Carta de Maria Rosa, com 70 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 21.02.1948.) 98 Imagem 3: Trecho da carta de Maria Rosa, com 70 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 21.02.1948. Monotongação de /ow/ > /o/ e de /ey/ > /e/: “[espaço] [espaço] É Facil calcular qual não foi a minha dor quando sube da morte de meu santo Avô; envio os meus mais sentidos pezames a meu caro Papae pela morte d’um ente tão caro ao seu coracão. (...)” (Carta de Maria Rosa, 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro. Mosteiro do Bom Pastor, 16.09.1898.) Imagem 4: Trecho da carta de Maria Rosa, 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro. Mosteiro do Bom Pastor, 16.09.1898. “[espaço] Sube hontem por um cartão postal de Mamãe que talvez ella já tenha partido para Pernambuco; oh! meu Papae quantos sacrificios para a felicidade de seus filhos !!” (Carta de Maria Leonor, com 29 anos, ao avô Dr. Pedreira. Belém do Pará, 13.06.1909.) 99 Imagem 5: Trecho da carta de Maria Leonor, com 29 anos, ao avô, Dr. Pedreira. Belém do Pará, 13.06.1909. “(...) Mamãe, só Domingo proximo pretendia acabar esta carta, mas uma noticia inesperada me diz ser dever acabar hoje as pressas. [espaço] Domingo proximo escreverei a Fernandinho <e aos outros> e mandarei a lista dos sufragios. [espaço] Sube neste instante que morreu o marido de D. Santa, julgo dever lhe communicar logo, porque ella foi dedicadissimo na morte de Papae é justo que Mamãe faça o que puder para a consolar.” (Carta de Maria Leonor, com 29 anos, a mãe. 10.10.1909.) Imagem 6: Trecho da carta de Maria Leonor, com 29 anos, a mãe Zélia, em 10.10.1909. “(...) Nós aqui vamos muito bem como nos dexou eu sempre muito contente e cada dia mais feliz em minha vocação.” (Carta de Maria Bárbara, com 17 anos, a mãe Zélia. Mosteiro do Bom Pastor, 20.05.1900.) Imagem 7: Trecho da carta de Maria Bárbara, com 17 anos, a mãe Zélia. Mosteiro do Bom Pastor, 20.05.1900. “[espaço] O Bebê me escreveu do livro sobre os escriptos, i. é, da publicação dos escriptos de mamãe. A idéa é optima, mas não seria melhor fazel-o você mesmo que já 100 conhece tudo e que tem maior facilidade por estar ahi no Brasil? Tenho medo que se percam em escriptos preciosos, menos registrados. Enfim, de minha parte estou plenamente de accordo com tudo o que julgares.” (Carta de Fernando, com 29 anos, a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922.) Imagem 8: Trecho da carta de Fernando, com 29 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922. Início da sentença com pronome oblíquo átono: “(...) Passemos mais santamente esta quaresma, e só em Jesus procuremos nossa felicidade. Me perguntas que faço ajudo a escrever a machina n’um escriptorio oficial, e toco o organo para que cantem as meninas; temos 370 ou mais, devididas em 3 secciones – bastante não é?” (Carta de Maria Rosa, com 53 anos, a Maria Joana (Jane). Montevidéu, 15.02.1931.) Imagem 9: Trecho da carta de Maria Rosa, com 53 anos, a Maria Joana (Jane). Montevidéu, 15.02.1931. “P.S. Me esqueci de dizer-lhe que offereci a Santa Co[m] munhão em entenção de meu querido Papae. Minhas Superioras lhe enviam muitos comprime[n]tos pelo dia de hoje.” (Carta de Maria Rosa, com 20 anos, ao pai. Mosteiro do Bom Pastor, 26.06.1898.) 101 Imagem 10: Trecho da carta de Maria Rosa, com 20 anos, ao pai Jerônimo de Castro. Mosteiro do Bom Pastor, 26.06.1898. “Elle ficará encarregado de tudo arranjar - não é assim ? Quanto a quero de coração !! Me recommende sempre minha a todas boãs Madres d'ahi a Madre Superiora a todas a boâ Madre [inint.] Catharina a Irmã Josephina tambem.” (Carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 59 anos, a sua filha. Rio de Janeiro, 20.11.1922.) Imagem 11: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 59 anos, a sua filha. Rio de Janeiro, 20.11.1922. “(...) Minha saude é sempre [pouca]. Te abraço com o maior carinho como tua tia e madrinha muito grata e amiga Mimi” (Carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 49 anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 16.10.1912.) Imagem 12: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 49 anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 16.10.1912. 102 “(...) escrever - espero que te mandarão as cartas, não é ? Te acompanharei com muitas orações, meu bom Padre Deos recompensará bem teus trabalhos !!” quantas conversões alcançarás !!” (Carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 57 anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 29.03.1920.) Imagem 13: Trecho da carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat), com 57 anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 29.03.1920. Ausência de concordância verbal: “(...) Essas primeiras são as que Já vieram noviças e com uma quasi postulante que temos nas meninas fazer 100. É muitas graças do Céo não é verdade?” (Carta de Maria Leonor, com 40 anos, a irmã Maria Joana (Jane). PE, Olinda, 11.07.1920.) Imagem 14: Trecho da carta de Maria Leonor, com 40 anos, a irmã Maria Joana (Jane). PE, Olinda, 11.07.1920. “[espaço] Estou contentissima que meus irmãos pregue Ø em publico as virtudes de nossa Fundadora, e ao mesmo tempo, sinto não estar ahi para assistil-o. (...)” (Carta de Maria Rosa, com 56 anos, ao irmão (Bebê). La Plata, 05.04.1934.) 103 Imagem 15: Trecho da carta de Maria Rosa, com 56 anos, ao irmão (Bebê). La Plata, 05.04.1934. Presença de concordância do verbo ‘fazer’ com a expressão pluralizada de tempo: “(...) Hoje fazem 25 annos que entrei no Instituto; com quanto fervôr renovei a minha entrega total nas mãos de Deus e como um holocausto inteiro que (...)” (Carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. Pouso Alegre, 08.12.1922.) Imagem 16: Trecho da carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo. Pouso Alegre, 08.12.1922. Considerando o nível de aproximação entre remetente e destinatário das missivas familiares a partir da expressão de aspectos da fala que se deixam transparecer na escrita culta, aplica-se o estudo de painel, pensado por Labov (1994), a essas cartas. Os tradicionais painéis do PB – conforme Duarte (2003); Lopes & Callou (2004); Omena (2003); Paredes Silva (2003) – se dão a partir da análise de amostras de fala da década de 70 em oposição à fala da década de 90 do século XX, com o corpus do Projeto NURC, e das amostras de fala da década de 80 (Amostra Censo) em oposição às de 1999 e 2000, com o corpus do PEUL. Trata-se de estudos em tempo real de curta duração apoiados no objetivo de apreciar a progressão da mudança lingüística em discretos lapsos temporais. Neste trabalho, por outro lado, tem-se o resgate da produção escrita dos informantes ao longo do curso de suas vidas, buscando delinear o comportamento lingüístico dos brasileiros em extensos lapsos de tempo de sincronias passadas (Dr. Pedreira (no 104 intervalo de 20 anos da sua velhice (1876-1896)), Fernando no intervalo de 14 anos (1919-1933), Pe. Jerônimo no intervalo de 26 anos (19051931), Maria Elisa no intervalo de 23 anos (1915-1938), Maria Joana no intervalo de 35 anos (1912-1947), Maria Bárbara no intervalo de 17 anos (1911-1928), Maria Rosa no intervalo de 40 anos (1908-1948), Maria Leonor no intervalo de 20 anos (1913-1933)). O avanço deste estudo está justamente no esboço de um perfil mais abrangente da história lingüística dos informantes (estudo de painel) traçado a partir da observação de distintas fases de vida do indivíduo (juventude, adultez e velhice) a fim de explorar o nível da variação entre as formas Tu e Você no sistema lingüístico e o grau de implementação de Você no quadro pronominal do PB novecentista (embbeding problem, cf. Weinreich et alii 1968). Acredita-se que apesar de o perfil do comportamento lingüístico do indivíduo projetado com base em períodos mais dilatados de tempo se distanciar da definição laboviana de estudo de painel stricto sensu (panel study, cf. Labov 1994:74 e 76/77), permite acompanhar, por outro lado, a progressão da mudança lingüística a partir da observação da trajetória de vida dos informantes, em sincronias pretéritas do PB: “(...) retornar à comunidade depois de um período de tempo e repetir o mesmo estudo. (...) Em um estudo de painel, volta-se para localizar o mesmo indivíduo que foi sujeito do primeiro estudo e monitorar todas as mudanças no seu comportamento submetendo-o ao mesmo questionário, entrevista ou experimento. (...) Um completo estudo de painel foi feito em Montreal em 1984, com base na amostra original de 120 falantes no estudo de Sankoff-Cedergren study (Sankoff and Sankoff 1973)”23. (Labov 1994:74 e 76/77) Segundo Labov (1994:74 e 76/77), “(...) to return to the community after a lapse of time and repeat the same study. (...) A panel study attempts to locate the same individual that were the subjects of the first study, and monitors any changes in their behavior by submitting them to the same questionnaire, interview, or experiment. (…) A complete panel study was constructed in Montreal in 1984, based on the original sample of 120 speakers in the Sankoff-Cedergren study (Sankoff and Sankoff 1973)”. 23 105 Esse estudo apontado por Labov como representativo da categoria painel se deu com um intervalo temporal de 11 anos24. Nas cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, por sua vez, são analisados os perfis lingüísticos dos missivistas em extensos intervalos temporais de 40 (Maria Rosa), 35 (Maria Joana), 26 (Pe. Jerônimo), 23 (Maria Elisa), 20 (Dr. Pedreira e Maria Leonor), 17 (Maria Bárbara), e 14 (Fernando) anos, esboçando um painel da trajetória de vida desses brasileiros. Labov (1981:177 apud Paiva e Duarte (2003:22)) admite que os lapsos temporais desejáveis para que se possa identificar a expansão progressiva da mudança lingüística são os períodos de, no mínimo, meia geração (12 anos) e de, no máximo, duas gerações (cerca de 50 anos). 24 106 4.5 Proposta metodológica para os estudos da mudança lingüística em tempo real de curta duração: o estudo de painel em sincronias passadas. A amostra de cartas pessoais da família Pedreira Ferraz – Magalhães pode ser considerada sui generis. Trata-se de missivas pessoais asseguradamente produzidas por brasileiros cultos, entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX. À luz do desejo de construção de uma sociolingüística histórica do português no Brasil implementada por Lobo (2001a), pensou-se esta proposta metodológica para a aplicação em trabalhos de mudança em tempo real de curta duração (estudo de painel, cf. Labov 1994). Buscou-se organizar uma amostra de cartas majoritariamente pessoais onde, quando, em por que foi quem possível e para desvendar quem foram confeccionadas as missivas em análise, segundo Lobo (2001a). Acredita-se que a “arte de fazer o melhor uso de maus dados”, nos termos labovianos (1994:11), deve ser o princípio orientador não só de trabalhos lingüísticos com dados sincrônicos, mas também com dados diacrônicos, segundo Romaine (1982). O desejo de descrever e de analisar a língua em sua expressão vernacular em sincronias passadas requer que se atente para o “problema dos filtros” que, por sua vez, deve constituir uma preocupação pertinente tanto aos estudos de língua escrita, quanto aos de língua falada, cf. Romaine (1985 apud Lobo (2001a:99, Vol. II)). Para se libertar da obscuridade do trabalho com realidades lingüísticas muito distantes da sua, cabe ao lingüista-pesquisador “expurgar” da sua amostra as possíveis inadequações que um corpus de língua escrita em sincronias passadas pode oferecer, tais como os elencados por Labov (1994:11): hipercorreção, mistura dialetal e “erros” do escriba. É, portanto, tarefa do lingüista criar e dosar o grau de refinamento metodológico necessário para distinguir, com clareza, o que 107 é traço específico do vernáculo da língua do que é expressão idiossincrática do autor. Nesta proposta de aplicação do estudo de painel a textos escritos nas realidades lingüísticas do PB oitocentista e novecentista, chegou-se aos seguintes procedimentos metodológicos: A identificação do perfil social dos informantes (missivistas) de sincronias passadas. Um dos aspectos apontados por Labov (1994:11) como responsável por tornar deficitário o estudo lingüístico sob uma perspectiva diacrônica é a difícil identificação do perfil social dos autores dos textos. A caracterização social do missivista, nos moldes de Lobo (2001a), a partir do reconhecimento da sua origem (nacionalidade e naturalidade do autor do texto), da família a que pertence (filiação), do seu nível de escolaridade e das atividades exercidas durante a sua trajetória de vida é, sem dúvida alguma, o “sonho de consumo” do lingüista-pesquisador que pretende se embrenhar pelos obscuros caminhos do estudo diacrônico do PB. Conseguiu-se desvendar, neste trabalho, a história de vida de todos os autores das cartas em análise. Os missivistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, cuja biografia foi revelada com a consulta a duas obras sobre a vida da Irmã Zélia, produzidas pelo seu próprio filho e também informante deste trabalho (Jerônimo de Castro Abreu Magalhães25), apresentam as suas fichas de identificação confeccionadas, nos moldes de Lobo (2001a), com sucesso. O gênero dos textos que compõem o corpus para estudos diacrônicos. 25 PEDREIRA DE CASTRO, Pe. Jerônimo. (1960). Zélia ou Irmã Maria do SS. Sacramento. Vida exemplar de uma mãe cristã, que terminou seus dias junto a Jesus Sacramentado. Petrópolis: Editora Vozes, VII Edição. ______ . (1943). Segundo Livro de Zélia (Irmã Maria do Santíssimo Sacramento). Seus escritos espirituais, cartas e exemplos. Petrópolis: Editora Vozes. 108 A fim de que o vernáculo da língua possa saltar aos olhos do lingüista-pesquisador com um maior grau de clareza e fidedignidade a uma realidade lingüística passada, há de se atentar para o subgênero textual (carta pessoal) que norteia a produção escrita em sincronias passadas, buscando textos mais “soltos” em relação ao seguimento da norma padrão. A opção pelo trabalho com cartas pessoais somente trocadas entre os entes da mesma família (a família Pedreira Ferraz – Magalhães) em estanques lapsos de tempo se dá por se tratar de um tipo de texto que expressa, com um menor grau de formalismo, a subjetividade das idéias compartilhadas entre os interlocutores. Acrescente-se a isso o fato de as cartas pessoais em análise evidenciarem a intimidade das relações familiares entre pais e filhos, entre irmãos, entre tios e sobrinhos e entre amigos, no contexto sócio-histórico e lingüístico de fins do século XIX e da primeira metade do século XX. A construção de uma sociolingüística histórica do PB, nos moldes de Lobo (2001a), com base na reconstituição da história de vida dos informantes (missivistas), corrobora o controle das díades que sustentam a dinâmica das cartas pessoais trocadas no seio da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Nesta tese, as díades controladas evidenciam as relações familiares travadas entre pais e filhos, entre avô e netos, entre irmãos, entre tia e sobrinhos e entre amigos como remetentes e destinatários das missivas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. A preferência por manuscritos autógrafos. A necessidade de construção de uma filologia de textos escritos no Brasil defendida por Lobo (2001a) constituiu-se como o parâmetro desta proposta metodológica voltada para o trabalho com textos escritos em sincronias passadas. 109 “Exige-se do lingüista historiador da língua, como de qualquer outro historiador, a capacidade de reconstruir e interpretar eventos passados. (...) Do fato de lidar com textos escritos, decorre ainda uma exigência preliminar, a de que – caso não seja, ele próprio, também filólogo – disponha de conhecimentos filológicos, a fim de que saiba distinguir nos hábitos de escrita do passado os que têm significado, do ponto de vista lingüístico, dos que não têm, e a fim, também, de que os resultados da sua análise não sejam de pronto descartados, em virtude do pecado original da má constituição de corpora a partir de textos não submetidos ao crivo de uma análise filológica.” (Lobo, 2001a:104, Volume II.) O estudo de realidades lingüísticas distantes requer a busca por argumentos que legitimem o texto como um fiel representante de uma dada sincronia passada. Assim sendo, é legítimo que os olhares se voltem para o tratamento filológico dado ao corpus que sustentará a análise sociolingüística. O ideal é que a amostra seja composta por vários textos, permitindo o cotejo e a separação das cartas escritas e assinadas pelo missivista (cartas autógrafas), das outras cartas que podem ter sido escritas por um escriba (escrevente) e assinadas pelo remetente ou que podem ter sido escritas e assinadas por um escriba (cartas apógrafas), segundo Lobo (2001a:148, Vol. II). O reconhecimento do tipo de letra com que a missiva foi escrita e do tipo de assinatura do redator constituem os traços formais que permitem entrever se o documento foi produzido e assinado pelo mesmo informante-escrevente. Na amostra de missivas da coleção Irmã Zélia, o acentuado número de cartas legitimaram o cotejo e a análise entre tais textos, fundamentando a constatação segura de que todas as cartas são autógrafas, isto é, produzidas e assinadas pelo mesmo missivista. Tal característica deste corpus constituiu, indubitavelmente, um fator positivo para esta análise, pois se tem certeza sobre a mão que escreve as missivas da família Pedreira Ferraz – Magalhães: são mãos brasileiras que confeccionam cartas cotidianamente (numa explícita 110 manifestação de escrita informal) em situações lingüísticas de intimidade entre os familiares. A busca por textos produzidos por homens e mulheres distribuídos por suas respectivas faixas etárias (jovens, adultos e idosos). Os tradicionais trabalhos sociolingüísticos de base laboviana que investigam fenômenos lingüísticos peculiares à expressão falada da língua, tecem as suas conjecturas em função do controle do gênero (sexo) e da faixa etária (jovens, adultos e idosos)26 dos informantes. O controle do gênero dos informantes também representa um relevante instrumento de identificação do avanço ou do retrocesso da mudança lingüística como discutido em 4.4. Há de considerar as nuanças de comportamento lingüístico entre homens e mulheres em função dos distintos perfis de estruturação da sociedade em que estão inseridos, o que pode ser mais bem mensurado através da análise multivariacionista, conforme Labov (1990 apud Lopes 2003:146). O controle da faixa etária dos informantes é relevante em relação à aplicação dos padrões de mudança lingüística idealizados por Labov (1994) e a conseqüente detecção do perfil de estabilidade, de gradação etária (tempo aparente), de mudança geracional ou de mudança comunitária a partir do cotejo entre o comportamento do indivíduo e o da comunidade lingüística. A amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães apresenta-se como um corpus que se presta a um estudo sociolingüístico. Uma vez que o lingüista-pesquisador detenha o perfil social de todos os informantes desta família devidamente identificados, o controle do gênero e da idade dos remetentes e destinatários das missivas é factível. Por outro lado, o trabalho com dados lingüísticos de Há vários artigos publicados em conceituados periódicos sobre sociolingüística (Language Variantion and Change), assim como há um considerável número de dissertações e de teses de doutoramento que tomaram como base os acervos de língua oral culta dos Projetos NURC e PEUL. 26 111 sincronias passadas é sempre refreado pela ação do tempo sobre os textos que sobreviveram no interior dos arquivos brasileiros. Não se conseguiu homogeneizar quantitativamente o corpus desta investigação em relação ao número de cartas produzidas equilibradamente por homens e mulheres. Como conseqüência de o número de mulheres ser maior que o de homens, observa-se que a produção escrita das missivistas do gênero feminino é mais extensa do que a dos homens da família Pedreira Ferraz – Magalhães. A relevância da confecção de edições conservadoras nos estudos diacrônicos do PB. Para Barbosa (1999:106), a construção de corpora confiáveis ao estudo lingüístico do PB, tanto deve voltar-se para reconstrução do contexto sócio-histórico daquela sincronia passada, quanto para a compreensão do contexto de escritura dos textos a serem editados, a fim de expor, à comunidade acadêmica, uma amostra que seja reflexo expressivo de um dado momento histórico-social. “Nessa altura em que se debruçam por sobre os diversos escritos produzidos na América Portuguesa pesquisadores tanto de linhas empiricistas, quanto de mentalistas tornou-se imprescindível editarem-se textos em prosa não literária que não apresentem semelhantes limitações às diversas abordagens possíveis com os dados deles oriundos. Mais que isso, edições que avancem ao máximo na descrição, portanto, não só do contexto sócio-histórico do texto, mas na das condições de produção, relação entre emissor e receptor, modalidade, estilo etc, tornam-se imperativas para estabelecer confiabilidade e fidedignidade ao material posto à disposição da comunidade acadêmica dedicada às questões acerca da mudança lingüística.” (Barbosa, 1999:106.) Considerando o interesse por editar, de forma fac-similar semidiplomática interpretativa, as cartas pessoais elaboradas pelos 112 brasileiros cultos da família Pedreira Ferraz - Magalhães, convém justificar o que significa compor-se uma edição fac-similar semidiplomática. Optou-se por apresentar o corpus em discussão a partir da sua reprodução em fac-símile para que o leitor possa checar a leitura do editor, confirmando-a ou infirmando-a. A adoção de uma leitura conservadora do manuscrito pressupõe o total respeito à grafia, à pontuação e a todas às práticas textuais identificáveis como peculiares aos textos produzidos naquelas sincronias passadas (séculos XIX e XX), comprometendo-se em não modernizá-los em aspecto lingüístico algum. Uma vez adotado o parâmetro de transcrição conservadora das cartas oitocentistas e novecentistas, optou-se também por apresentálas, à comunidade acadêmica, através de uma edição semi-diplomática. Segismundo Spina define o que vem a ser uma transcrição diplomáticointerpretativa ou semi-diplomática: “(...) a transcrição diplomático-interpretativa (ou semidiplomática) vai mais longe na interpretação do original, pois já representa uma tentativa de melhoramento do texto, com (...) o desdobramento das abreviaturas (trazendo as letras, que não figuram no original, colocadas entre parênteses) (...)” (Spina, 1977:79.) A confecção da edição semi-diplomática das cartas pessoais da família Pedreira Ferraz - Magalhães em exposição consiste no desenvolvimento de algumas das abreviaturas das cartas pessoais, a fim de auxiliar um leitor contemporâneo no seu processo de decifração do código lingüístico e interpretação do texto. Acredita-se que, com base em uma amostra bem controlada – o quando, o onde, o quem e o para quem devidamente elucidados, segundo Lobo (2001a) –, os estudos sociolingüísticos em tempo real de curta (panel study e trendy study, cf. Labov 1994) e de longa duração tendem a esclarecer, com um grau maior de confiabilidade, uma dada realidade lingüística. 113 Em síntese, nesta investigação, ao descrever e analisar o comportamento familiares, lingüístico expõe-se o dos indivíduos desempenho de com uma base parcela em cartas culta da comunidade lingüística do PB. Trata-se de significativas amostras para o estudo de painel e para o estudo em tempo real de “média” duração, pois se tem uma diferença de quase cem anos (71 anos) entre a primeira (1877) e a última (1948) missiva dos corpora deste estudo. A análise dos resultados apresentada nos dois capítulos que seguem está dividida em três partes. Na primeira delas, capítulo 5, apresenta-se o desempenho lingüístico dos membros da família Pedreira Ferraz – Magalhães, no que se refere ao uso dos pronomes Tu e Você em todos os contextos de ocorrência (análise geral dos dados em tempo real de média duração), observando, principalmente, a mescla de tratamento nas cartas. Ainda no capítulo 5, serão correlacionados os resultados da variação entre as formas Tu e Você somente na posição de sujeito, às distintas faixas etárias dos informantes (Jovens – de 14 a 30 anos –, Adultos – 31 a 50 anos – e Velhos – mais de 51 anos) em um estudo em tempo aparente, na seção 5.3. Na última parte, capítulo 6, produz-se um painel do comportamento lingüístico de oito indivíduos da família ao longo de suas vidas, visando compor uma criteriosa metodologia para a estruturação dos estudos sociolingüísticos alicerçados em fontes escritas em fases pretéritas do PB. Observa-se novamente a variação de Tu e Você na posição de sujeito, na tentativa de acompanhar a progressão da mudança do quadro pronominal do PB. CAPÍTULO 5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS. 114 5.1 A variação entre as formas de P2 (Tu) e P3 (Você): a amostra e os grupos de fatores. A fim de expor um panorama geral da alternância entre as formas de P2 (Tu) e de P3 (Você), nas cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, analisam-se, quantitativa e qualitativamente, os dados à luz dos pressupostos da teoria da variação sob a orientação laboviana (1994). Busca-se delinear, em uma amostra composta por trinta missivas pessoais, produzidas em fins do século XIX e na primeira metade do século XX, o perfil da variação entre as formas de referência à segunda pessoa do discurso Tu e Você nas suas mais variadas realizações pronominais e verbais. Pretende-se observar a produtividade da mescla de tratamento do tipo Você com te – já averiguada em diversos trabalhos (cf. Arduin; Barcia; Lopes e Machado; Marcotulio et alii; Soto). Parte-se da hipótese de Lopes (2007) de que a inserção de Você no quadro pronominal do PB não se deu da mesma forma em todos contextos morfossintáticos (subtipos de pronomes): o pronome-sujeito, o pronome complemento preposicionado e as formas verbais imperativas representam contextos implementadores de formas relacionadas a Você, enquanto o pronome possessivo, o pronome-complemento não preposicionado (te) e as formas verbais não imperativas apresentam-se como contextos de resistência do Tu. Consideram-se, neste estudo, as formas Tu e Você27 em todas as suas representações pronominais e verbais: pronome pessoal na função de sujeito Tu e Você (nulo e pleno), pronome complemento direto (oblíquos sem preposição – te, você, lhe, o), pronome complemento preposicionado (os oblíquos com preposição – a ti, contigo, para ti (P2) – a Mesmo sabendo que tanto Tu quanto Você são formas de referência ao interlocutor (segunda pessoa do discurso), para facilitar a apresentação dos resultados, indicam-se como P2 as formas relativas a Tu e como P3 as formas relativas a Você. 27 115 você, com você, para você (P3)), pronome possessivo (teu, tua e seu, sua) e as desinências verbais imperativas e não imperativas. As trinta missivas que se prestam ao estudo da variação Tu e Você foram trocadas entre pai e filhos, mãe e filhos, avô e netos, netos e avô e entre irmãos. São cartas íntimas nas quais os componentes da família Pedreira Ferraz – Magalhães tratam de questões pessoais. O conteúdo das missivas, o local e a data da sua expedição em relação às fases A (1877 – 1897), B (1898 – 1923) e C (1924 – 1948) de constituição da amostra e a referência à origem e à idade dos missivistas estão descritos no quadro 4, a seguir apresentado. MISSIVISTAS João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira – Pai de Zélia) (* RJ, 10.08.1826) Jerônimo de Castro Abreu Magalhães. (* RJ, Magé, 26.06.1851.) FASE A (1877 – 1897) Local e data RJ, 07.02.1877 . 51 anos (faixa 3) RJ, 15.04.1886 . 60 anos (faixa 3) RJ, 08.07.1895 . 69 anos (faixa 3) Fazenda Santa Fé, RJ, 18.12.1896 . 45 anos (faixa 2) Fazenda Santa Fé, RJ, 19.07.1897 . Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães (* RJ, Niterói, Ingá, 05.04.1857.) - 46 anos (faixa 2) - Conteúdo da Carta C1. Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua Filha Zélia acerca do envio da encomenda por ela solicitada, dando-lhe suas notícias e pedindo-lhe notícias de seus familiares na Fazenda Santa Fé. C2. Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Noné (Maria Leonor), agradecendolhe a cartinha a ele enviada, contando-lhe sobre o seu estado de saúde e recomendando-lhe aprender a ler e a escrever para que possam trocar correspondências mais longas. C3. Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta, Iza (Maria Elisa), parabenizando-a por já ter sido alfabetizada e pela sua bela caligrafia. C4. Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães ao seu filho Jerônimo acerca dos seus estudos no seminário. C5. Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães ao seu filho Jerônimo em agradecimento pela carta de felicitação pelo seu aniversário e pela missa em ação de graças ao seu aniversário. Local e data Idade do Remetente Conteúdo da Carta - - - - RJ, 26.01.1908. - Local e data Idade do Remetente Idade do Remetente Conteúdo da Carta - - - - - - - - - - - - - - 57 anos (faixa 3) C6. Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães a sua filha Maria Joana (Jane) elogiando a sua redação, a sua ortografia e dando as notícias da Fazenda Santa Fé. - - - - - - - - - - - - 58 anos (faixa 3) RJ, 23.01.1912. 55 anos (faixa 3) - 55 anos (faixa 3) - Conteúdo da Carta C7. Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães a seu filho Jerônimo agradecendo a obra de Monsenhor Gibbou e relatando-lhe que estão em missão lá na Fazenda de Santa Fé (Carmo). C8. Carta de Zélia desejando uma feliz viagem ao filho que se encontra em um vapor em direção a Fortaleza e relatando notícias suas e dos demais filhos. C9. Carta de Zélia ao filho agradecendo a carta recebida, dando as suas notícias e dos demais irmãos. FASE B (1898 – 1923) FASE A (1877 – 1897) MISSIVISTAS FASE C (1924 – 1948) Local e data RJ, 09.07.1909. RJ, 27.11.1912. - Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Idade do Remetente FASE B (1898 – 1923) Local e data Idade do Remetente Conteúdo da Carta C10. Carta de Zélia a sua filha dando suas notícias, dos 116 FASE C (1924 – 1948) Local e data Idade do Remetente Conteúdo da Carta 117 Quadro 4: cartas oitocentistas e novecentistas da Família Pedreira Ferraz – Magalhães distribuídas pelas fases A (1877 – 1897), B (1898 – 1923) e C (1924 – 1948). 118 O quadro 5, a seguir apresentado, esboça uma síntese da distribuição das cartas pessoais em relação à faixa etária e ao gênero dos missivistas. FASE A (1877 – 1897) FASE B (1898 – 1923) FASE C (1924 – 1948) Homem Mulher Homem Homem Mulher Jovem (de 14 a 30 anos – Fx. 1) - - C19 - - Adulto (de 31 a 50 anos – Fx. 2) C4 C5 - C20 C29 C30 C23 C24 C26 C27 - C21 C22 C25 C28 FAIXA ETÁRIA DOS MISSIVISTAS Idoso (mais de 51 anos – Fx. 3) 02 TOTAL C1 C2 C3 C6 C7 03 04 05 Mulher C13 C14 C18 C15 C16 C17 C8 C9 C10 C11 C12 11 02 15 08 10 30 cartas Quadro 5: Síntese com a distribuição das cartas pessoais em relação à faixa etária dos missivistas. A quantificação de todas as formas de P2 (Tu) e de P3 (Você) levantadas nesta amostra de trinta cartas pessoais foi submetida aos seguintes grupos de fatores lingüísticos: 1º) Subtipo de pronome/desinência verbal (contexto morfossintático) que inclui pronome pessoal do caso reto, pronome possessivo, pronomes oblíquos com ou sem preposição, formas verbais imperativas e não imperativas: O objetivo da análise desse grupo de fatores é controlar não só os contextos de resistência do Tu, como também os contextos que evidenciam a implementação de Você no quadro pronominal do PB. 2º) Paralelismo discursivo que controla apenas a combinação de formas pronominais com formas antecedentes de segunda e terceira pessoas gramaticais numa mesma carta, além da primeira ocorrência do item. Aliado ao grupo de fatores anterior, o controle do paralelismo tinha como intuito detectar se há uniformidade no tratamento, ou seja, 119 emprego exclusivo de formas relacionadas a Tu ou de formas relacionadas a Você (cf. Brito 2001). 3º) Função sintática assumida pela forma relacionada a Tu ou Você. A função sintática, na análise de Omena (1996), mostrou-se como uma restrição lingüística em relação à alternância nós e a gente no PB. Nas funções de sujeito, complemento e adjunto adverbial os resultados assinalam uma significativa freqüência de uso da inovadora forma a gente. Segundo Rumeu (2004:126), o exercício da função sintática de sujeito e a sua posição pré-verbal apresentaram-se como traços sintáticos que anunciam a pronominalização da forma Você. Assim sendo, deseja-se detectar a(s) função (ões) sintática(s) em que as formas Tu e Você são mais recorrentes, de modo a evidenciar ou não o caráter pronominal assumido pelo inovador Você nas cartas pessoais dos séculos XIX e XX. 4º) Tipos de sujeito (nulo ou pleno). Segundo Duarte (1995), o PB do século XIX era uma língua de sujeito nulo, iniciando a sua mudança de parâmetro a partir do século XX. Deseja-se, pois, confirmar tal hipótese nas cartas pessoais oitocentistas e novecentistas, a fim de entrever a legitimidade do caráter de pronome atribuído à forma Você em fins dos Oitocentos e na primeira metade dos Novecentos. Acrescentem-se ainda os seguintes grupos de fatores extralingüísticos: 1º) Gênero dos informantes/missivistas: masculino ou feminino. Como discutido no capítulo 4, busca-se detectar se há algum tipo de interferência do gênero (sexo) dos missivistas no processo de implementação de Você no PB. 2º) Faixa etária dos missivistas: faixas 1 (de 14 a 30 anos - jovem), 2 (de 31 a 50 anos - adulto) e 3 (acima de 51 anos – idoso) para a configuração do estudo de tempo aparente. 120 A investigação de Omena (1996:80) sobre a alternância nós e a gente no PB detectou uma incidência categórica de a gente entre os falantes mais jovens (crianças) ainda que também os adultos tenham assumido uma alta freqüência de uso (77%) da forma inovadora. Segundo Lopes e Machado (2005), o casal de idosos da família Ottoni apresenta comportamento diferenciado com relação ao gênero e à influência do oral no escrito. O avô Christiano prefere a forma Tu combinando-a com as formas de segunda pessoa além de empregar categoricamente a forma Vocês na função de sujeito. Já a avó Bárbara evidencia um comportamento instável em relação à combinação das formas Você e Tu com formas de segunda e terceira pessoas. Busca-se, pois, observar se a variação entre as formas de P2 (Tu) e P3 (Você) no PB pode apresentar especificidades de expressão em relação ao gênero e à faixa etária dos informantes. 3º) Controle dos remetentes das missivas pessoais trocadas entre os Pedreira Ferraz – Magalhães. Trata-se de um grupo de fatores que visa identificar se os informantes analisados apresentavam comportamento diferenciado quanto à uniformidade de tratamento nas cartas. Em princípio, postula-se que quanto maior a mescla de tratamento, maior seria o grau de inserção de Você no sistema, uma vez que tal forma estaria se comportando como uma verdadeira variante de Tu (segunda pessoa do singular). Do mesmo modo, quanto maior a uniformidade de tratamento nas cartas, menos integrado o Você estaria ao sistema pronominal do PB. Os informantes são os seguintes: 121 1. João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira, pai de Zélia); 2. Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Irmã Zélia); 3. Maria Teresa de Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat – irmã consangüínea de Zélia); 4. Jerônimo de Castro Abreu Magalhães (marido de Zélia). Os Filhos do casal Zélia e Jerônimo: 5. Maria Elisa Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Isa); 6. Maria Amália Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Amaliasinha); 7. Maria Rosa Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Rosinha ou Irmã Maria Auxiliadora); 8. Maria Leonor Pedreira de Castro Abreu Magalhães (“Nonô”); 9. Jerônimo Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Pe. Jerônimo ou “Jerominho”); 10. Maria Bárbara Pedreira de Castro Abreu Magalhães (Irmã Maria da Divina Pastora); 11. Maria Joana Pedreira de Castro Abreu Magalhães (“Jane”); 12. Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães (“Fernandinho”). 4o) Tipo de relação familiar estabelecida entre pais e filhos, avô e netos, e entre irmãos e 5º) Grau de hierarquia social estabelecida entre o remetente e o destinatário das cartas. O controle dos dois grupos mencionados objetivava observar se as formas relacionadas a Você ocorriam preferencialmente nas relações assimétricas descendentes (pai-filho), como mostram os estudos relativos ao século XVIII e início do XIX (cf. capítulo 2), ou se já se faziam presentes nas relações igualitárias (entre irmãos) nos domínios funcionais do solidário Tu (cf. Brown e Gilman 1960). 6º) Fases de escritura das cartas (fase A – entre 1877 e 1897 – fase B – entre 1898 e 1923 – e fase C – entre 1924 e 1948). Dividiu-se a amostra em três períodos de tempo com aproximadamente 20-25 anos cada um, 122 a fim de verificar se a produtividade das formas relacionadas a Tu e Você aumentou ao longo do primeiro quartel do século XX. A análise de regra variável de todas as ocorrências de formas vinculadas a P2 (Tu) e a P3 (Você), nessa amostra, assumindo as formas relacionadas a Tu (P2) como valor de aplicação, evidenciou a seleção dos seguintes grupos de fatores na respectiva ordem de triagem do programa Goldvarb: 1º) a combinação de formas pronominais ou paralelismo discursivo; 2º) o missivista; 3º) o contexto morfossintático/subtipo de pronomes; 4º) o gênero (sexo) dos missivistas; 5º) a faixa etária dos missivistas. 123 5.2 Resultados gerais das formas relacionadas a Tu e a Você nas cartas da família Pedreira Ferraz-Magalhães. O levantamento e a codificação das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) nas cartas pessoais da família Pedreira Ferraz – Magalhães resultaram, em termos de resultados gerais, na identificação de 496 dados distribuídos entre as formas em análise, conforme é possível observar na tabela 1. FORMAS DE P2 (TU) E P3 (VOCÊ) EM CARTAS PESSOAIS OITOCENTISTAS E NOVECENTISTAS FORMAS DE P2 (TU) FORMAS DE P3 (VOCÊ) TOTAL Oco % Oco % Oco % 331/496 67% 165/496 33% 496/496 100% Tabela 1: Distribuição geral das ocorrências de P2 (Tu) e P3 (Você) em cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães: todos os dados. Dentre as 496 ocorrências de formas de referência à segunda pessoa do discurso, verifica-se que, em 67% delas, têm-se formas de P2 (Tu) e, em 33% dos dados, têm-se formas de P3 (Você). De modo geral, constata-se que os pronomes relacionados ao Tu íntimo constituem o tipo de estratégia de referência à segunda pessoa do discurso preferida nas missivas pessoais trocadas entre os entes da família Pedreira Ferraz – Magalhães, o que corrobora os resultados de outros trabalhos com base em amostras diversificadas dos séculos XIXXX (cf. Barcia, Lopes e Duarte, Lopes e Machado, Lopes, Marcotulio et alii28). Não se trata de um resultado surpreendente. Entretanto, é Barcia (2006), nos jornais brasileiros oitocentistas, encontra os seguintes percentuais de Tu e Você: 11% de Tu contra 09% de Você. Lopes e Machado (2005:52) chegam a encontrar, nas cartas produzidas pelos avós da família Ottoni, percentuais de 89% de Tu contra 11% de Você como sujeitos pronominais. Marcotulio et alii (2007), nos bilhetes amorosos novecentistas (1908), encontram 77% de formas de P2 (Tu) contra 23% de formas de P3 (Você). Lopes e Duarte (2007:353) detectam, nas cartas entre amigos e primos, produzidas no Brasil oitocentista e novecentista, o predomínio do Tu, com 72% dos dados, nas relações simétricas [+ íntimas]. 28 124 significativo que, nas cartas familiares em análise, o maior uso de formas de P2 (Tu) vá ao encontro da comprovação da hipótese de que o Tu era ainda produtivo nas relações que envolviam mais intimidade entre os interlocutores, tais como nas relações de amizade e nas relações familiares. Por outro lado, o fato de as formas de P3 (Você), por sua vez, terem assumido uma freqüência de uso menor que as de P2 (Tu) pode ser um indicativo de que, como já averiguado em outros estudos, se trata de um processo de implementação iniciado, ainda que timidamente, no século XVIII (cf. Rumeu 2004), e acelerado em fins do século XIX (cf. Lopes e Duarte 2007:353). Como os fatores externos mostraram-se mais relevantes do que os internos, serão apresentados os resultados relativos aos dois grupos de fatores lingüísticos (1º e 3º) e, sem seguida, analisam-se os aspectos extralingüísticos selecionados (2º, 4º e 5º pela ordem). 125 Fatores lingüísticos: a mescla de tratamento. → A combinação de formas ou paralelismo discursivo. O fato de o Você ter advindo de uma forma nominal de tratamento que conduz o verbo para a terceira pessoa do singular (Vossa Mercê), mas se referir à segunda pessoa do discurso impulsionou alguns rearranjos no sistema pronominal motivados pela união/fusão do paradigma de segunda pessoa singular com o de terceira do singular, conforme já discutido por Faraco (1996), por Menon (1995). A mescla de tratamentos, representada por novas possibilidades combinatórias de Você com te~lhe, Você com teu~seu/tua~sua constitui um vestígio da pronominalização de Você no PB. Nesse sentido, observam-se, em termos formais e semântico-discursivos, algumas especificidades que acompanham o Você na sua história de formação. Trata-se de um pronome um tanto quanto “camaleônico” no que toca à especificação formal e semântica do traço de pessoa, pois apesar de fazer referência à segunda pessoa do discurso (ganho de uma propriedade pronominal – [Ø eu]), estabelece concordância com a terceira pessoa gramatical (manutenção de um traço original – [-EU]), cf. Rumeu (2004), Lopes e Rumeu (2007). A capacidade de o Você carregar essas marcações para o traço de pessoa formal – [Ø eu] – e semântica – [-EU] – o habilita a incidir com formas pronominais de segunda pessoa – te/teu/tua. Um outro rearranjo do quadro pronominal do PB devido à inserção de Você foi a passagem do possessivo de terceira pessoa seu para o paradigma de segunda pessoa. Tal migração levou a forma dele (de+ele) a se constituir como um “possessivo” de terceira pessoa a fim de impedir a ambigüidade do possessivo “seu” que poderia, assim, se prestar a identificar tanto a segunda pessoa, como a terceira pessoa do 126 discurso, concorrendo, pois, com os pronomes possessivos de segunda pessoa – teu/tua29. Concentrando esforços na análise do sincretismo entre os paradigmas de segunda e terceira pessoas do discurso (Você com te~lhe, com teu~seu/tua~sua) é interessante trazer a esta discussão os resultados de Oliveira e Silva (1974, 1982) e Brito (2001). Oliveira e Silva constata que a combinação de Você com te é mais produtiva que a combinação de Você com teu em conformidade com resultados de investigações sincrônicas (Jensen, 1977; Head, 1976 apud Oliveira e Silva, 1982). “(...) enquanto teu concorre apenas com seu (numa proporção de 1,6 para 98,4) te (18,2%) concorre com a forma nula (21,3%) e com os pronomes lhe (na função de objeto direto com a freqüência de 14,3%), você (18,1%) e senhor (22,6%); concorre, portanto, com os outros pronomes numa situação de igualdade. Fica assim comprovada a bem menor penetração da forma teu que da forma te.” (Oliveira e Silva, 1982:139). Brito (2001), ao estudar a mudança na uniformidade de tratamento no PB, admite que o falante do PB usa o Você conjugando-o ao pronome objeto te, pois a este cabe o papel de marcar a concordância. A autora constata que Martins Pena já não evidencia, em peças teatrais da primeira metade do século XIX, a uniformidade de tratamento, uma vez que combina Você com te. Tal processo é acelerado, na segunda metade do século XX, período em que, segundo Brito (2001), o emprego do pronome objeto te com o Você é mais produtivo no PB. Já a partir da segunda metade do XIX, o pronome lexical Você passa a ser mais freqüente na função de objeto, porque os pronomes objeto (acusativo) o/a tornam-se formas não mais licenciadas pelo onset da sílaba do clítico acusativo, o que leva o falante a preencher a posição de objeto com o pronome lexical Você ou a Cf. Abraçado (2000); Menon (1996); Negrão & Müller (1996); Oliveira e Silva (1982); Oliveira e Silva (1996). 29 127 empregar o te com o interlocutor [+ animado] para qual se atribua um Você. Para controlar a mescla de tratamento numa mesma carta da família Pedreira Ferraz - Magalhães, examinou-se a combinação das formas de P2 (Tu) com as de P3 (Você). O grupo previa o controle da primeira ocorrência numa seqüência discursiva, além das formas Tu ou Você precedidas de segunda pessoa formal (Tu) ou de terceira pessoa formal (Você). Como se deu efetivamente a depreensão da mescla tratamentos nas cartas oitocentistas e novecentistas em análise? Separaram-se alguns trechos de cartas nas quais se verifica a variação entre formas de P2 (Tu) e P3 (Você) a fim de ilustrar como se deu o legítimo controle dos dados. (a) “Agradeço muito a tua cartinha e tambem a vovó tua madrinha ficou muito contente. [espaço] Ella vae responder, e diz que cada vez gosta mais de ti, e tambem dos outros bisnettinhos. Nós temos passado, assim, assim. [espaço] Desejo que esta te ache já melhor, com o uso do mercurio. [espaço] Foi bom, Você voltar para Santa Fé, por que aqui teem adoecido muitas crianças, até a Maria da Glória está de cama.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira) a sua neta, Maria Leonor. RJ, 15.04.1886.) (b) “[espaço] Nossa Senhora permitta que estejas fazendo a melhor viagem, ou antes ella te encha de benção e graças para onde a obediência te manda. [espaço] Estou seguindo a marcha do teu vapor, dia por dia, pelo Jornal - sei que hoje de manhã estavas em Maceió. [espaço] Oh ! com que saudades fiquei tuas, filho mil vezes querido de meu coração !! Estou anciosa por tuas amantissimas lettras e noticias ! A' bordo recebi uma linda carta de Jane para você, mas como não abri o envelloppe deixei de te dar.” (Carta de Zélia ao filho. RJ, 23.01.1912.) Em (a), o Dr. Pedreira se dirige a sua neta Maria Leonor regularmente com formas de P2 (Tu) – tua, ti, te –, mas rompeu tal uniformidade ao se referir a Maria Leonor com o Você. O pronome possessivo (tua) figura, na codificação dos dados, como a primeira ocorrência de uma série discursiva. A segunda ocorrência do possessivo tua apresenta-se como forma vinculada à segunda pessoa discursiva. Os pronomes oblíquos átonos (ti, te) figuraram, na codificação, como evidências do emprego de formas de P2 (Tu) também antecedidas por 128 formas de segunda pessoa do discurso (P2) – tua. O dado de Você pronominal foi controlado em relação ao seu contexto: trata-se de uma forma de P3 (Você) precedida por forma de P2 (Tu) – te, confirmando assim as constatações de Oliveira e Silva (1982), Brito (2001) e Arduin (2005) no que se refere à funcionalidade de Você ajustado ao clítico te no PB. Em (b), Zélia se dirige ao filho por Tu nulo (estejas), que, na codificação dos dados, seria a primeira ocorrência de uma série discursiva, sustentando tal uniformidade tratamental com o emprego de formas pronominais oblíqua (te) e possessivas (teu, tuas) precedidas de forma vinculada a P2 (Tu). Entretanto, a autora volta-se para o filho com o inovador Você, antecedida de forma de P2 (Tu) e, em seguida, se refere ao interlocutor com um pronome oblíquo átono de segunda pessoa te, antecedido por forma de P3 (Você). Assim sendo, chegou-se aos seguintes resultados: COMBINAÇÃO DE FORMAS DE P2 (TU) E P3 (VOCÊ) NAS CARTAS OITOCENTISTAS E NOVECENTISTAS A 1ª ocorrência na série discursiva Precedida de 2ª pessoa formal Precedida de 3ª pessoa formal TOTAL TU Oco. 19/30 281/313 31/153 331/496 % 63% 90% 20% 67% P.R. .36 .68 .19 Tabela 2: A combinação das formas pronominais Tu e Você com formas de P2 e P3 nas cartas oitocentistas e novecentistas. Valor de aplicação: Tu (P2). A partir da análise da tabela 2, verifica-se que a famigerada “mistura de tratamento”, tão rechaçada pelos manuais de gramática contemporâneos já se deixa evidenciar nas cartas familiares dos Pedreira Ferraz – Magalhães. Constata-se que as formas de P2 (Tu), apesar de se manterem preferencialmente combinadas com a segunda pessoa formal, em 90% dos dados (.68), se mostram, mesmo que timidamente, combinadas com a terceira pessoa formal, em 20% dos dados (.19) em cartas de fins do século XIX e início do XX. Observem-se os exemplos de (01) a (03). 129 (01) “Em tudo has de parecer te com a tua inimitavel Mãe.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira) a sua neta, Maria Elisa (Isa). RJ, 08.07.1895.) (02) “Respondeu-me pelo telephone como te disse, dizendo que havia renunciado á tudo que pudesse receber de heranças etc, em seu favôr - e que assim de nada mais podia dispôr - mostrou-me a sua melhor bôa vontade e o pezar de não pôder me ajudar - e que si eu quizesse falasse com você meu Padre Jeronymo.” (Carta de Maria Teresa (Viscondessa de Duprat) ao sobrinho Jerônimo. RJ, 15.05.1926.) (03) “Escrevo á mui querida M.elle Aschmann agradecendo tudo que fez por você. Escreveu-me bellissimos postaes de Lisienx et Paris. Como tem sido nossa amiga esta bella alma ! Sêja bem grato a este dom, que o Céo nos deu.” (Carta de Jerônimo Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão, Fernando. Vila Antonio Dias, MG, 21.09.1925.) Em (01), há uniformidade no tratamento: o avô Dr. Pedreira, ao dirigir-se a sua neta Maria Elisa (Isa), o faz a partir da expressão nula do sujeito de segunda pessoa do discurso (Ø hás de parecer...) seguido de formas de P2 (Tu) – te e tua. Em (02), por sua vez, se observa a mescla de formas de P3 (Você) com formas de P2 (Tu). Em (02), a Viscondessa de Duprat, ao corresponder-se com o sobrinho (Pe. Jerônimo), emprega forma vinculada a P2 (Tu) – te –, passando, posteriormente, a ele referir-se com forma relacionada a P3 – Você. Em (03), tem-se um interessante dado de autocorreção do autor, conforme se observa no trecho da carta exposta na imagem 17. O Pe. Jerômino, ao escrever ao seu irmão Fernando, emprega uma forma verbal imperativa de P2 (Tu) precedida por Você – (...) agradecendo tudo que fez por você. (...) Sêja bem grato (...)”. Note-se a dúvida que leva o Pe. Jerônimo a rasurar a sua carta, ao titubear entre as formas verbais imperativas de P3 (Você) “Seja bem grato (...)” e de P2 (Tu) “Sê bem grato (...)”, optando pela forma de segunda pessoa Tu, o que mostra a mescla de tratamento e a provável integração da forma Você no sistema pronominal do PB. 130 Imagem 17: Trecho da 3ª página da carta de Pe. Jerônimo, com 44 anos, ao irmão Fernando. (Vila Antonio Dias, MG, 21.09.1925.) Do mesmo modo que ocorre com Tu, o inovador Você se apresenta, mais frequentemente combinado com a terceira pessoa formal, embora já se deixe evidenciar precedido da segunda pessoa formal, como se verifica em (03). (03) “Como tens Você, a tua Mãe e Marido e Pae eirmãos passado ? (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua filha Zélia. RJ, 07.02.1877.) Mais do que evidenciar a combinação de formas relacionadas a Tu com formas de Você, o interesse é o de desenhar como o novo quadro pronominal foi se reestruturando a partir da fusão dos paradigmas de Tu e Você ou mesmo da formação de um quadro de pronomes supletivo. Nesse sentido, o levantamento de todos os contextos formais de uso de uma ou outra estratégia tentava medir as ambiências morfossintáticas em que o Tu ainda resistia bravamente à implementação de Você, e os contextos em que a forma inovadora ocupou mais rapidamente como uma produtiva estratégia de referência ao interlocutor no PB. 131 → Contextos morfossintáticos de resistência do Tu: os subtipos de pronomes. A hipótese levantada, nesse caso, parte de um paralelismo estabelecido entre as mudanças operadas no sistema de tratamento do PB e no espanhol americano. Para o espanhol da Argentina, por exemplo, Fontanella (1977) admite que tenha coexistido, nos séculos XVI e XVII, dois subsistemas pronominais com as formas Vos e Tú. A fusão de tais formas pronominais resultou na implementação do paradigma do Voseo argentino. A autora considera que a substituição do Tú pelo Vos se consolidou na função sintática de sujeito, porém “nem o pronome objeto os nem possessivo vuestro sobreviveram, em seu lugar se empregam te, tu, tuyo.” (Fontanella 1977 apud Lopes, 2007:05). Considerando o fato de a autora ter detectado para o espanhol argentino a função de sujeito como uma ambiência morfossintática propícia à implementação do Voseo, levanta-se a seguinte questão: quais seriam os contextos morfossintáticos em que o Você se insere primeiramente e se firma no PB ao lado de Tu? Com o intuito de elucidar tal questão, passa-se à análise dos contextos de resistência do Tu e de implementação do Você nas cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, partindo-se da hipótese de Lopes (2008, 2007) de que o processo de fixação de Você no quadro pronominal do PB não se deu com a aquisição imediata das propriedades de um pronome. Deve-se pensar, pois, em rearranjos a evidenciarem o paulatino processo de formação e implementação de um novo pronome no sistema pronominal do PB. No diz respeito à produtividade de formas de P2 (Tu) e de P3 (Você) em função dos tipos de pronomes/formas verbais, chegou-se aos seguintes resultados na amostra de cartas em análise: 132 (SUBTIPOS DE PRONOMES/VERBOS) Pronome pessoal do caso reto Pronome possessivo Pronome complemento sem preposição Pronome complemento com preposição Forma verbal imperativa Forma verbal não imperativa TOTAL FORMAS DE P2 (TU) Oco. % 02/23 09% 115/157 73% 90/135 67% 06/19 30/50 88/112 331/496 32% 60% 79% 67% P.R. .01 .54 .65 .03 .25 .76 Tabela 3: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação às categorias gramaticais (pronomes/verbos) na amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Valor de aplicação: Tu (P2). A tabela 3 permite evidenciar que há o favorecimento de formas de P2 (Tu) com formas verbais não imperativas (sujeito nulo), .76, com pronomes complemento sem preposição, .65, e com pronomes possessivos, .54, como se observa de (14) a (16). (14) “Agradecendo tua carta mando te mũitas bençãos e abraços e ósculos que repartirás com Rozinha, Nonô, Jereminha, Marietha e M. Barbara.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta Maria Elisa (Isa). RJ, 08.07.1895.) (15) “Chegarei quarta feira a tarde; peço-te pois que na quinta-feira pela manhã, si for possivel, venhas me ver o Senhor Ignácio. Não vou logo procurar te na residência dos Lazaristas porque não sei quando poderei encontrar-te.” (Carta de Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão Pe. Jerônimo. RJ, Friburgo, 14.12.1919.) (16) “Tanto prazer causou-me tua carta de 16! Ri-me por vezes com teus ditos de gracejo. Meu filho faz rir á tua titia por vezes – Estimo tanto tua boa saúde! que tudo te corra o melhor possível nesta vida !” (Carta da Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira ao sobrinho, Pe. Jerônimo. RJ, 29.03.1920.) 133 Apesar de as formas vinculadas à P3 (Você) não serem as preferidas na amostra de cartas em estudo, houve o favorecimento de Você nos seguintes contextos morfossintáticos: pronome pessoal sujeito em (17) e (18), pronome complemento preposicionado, em (19), (20), (21), forma verbal imperativa, em (22). (17) “Você vá pedindo a mamãe que lhe ensine a ler e escrever ...” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta Maria Leonor (Nonô). Corte, RJ, 15.04.1886.) (18) “como você teve boa idéia ! (Carta de Maria Barbara de Castro Pedreira de Abreu Magalhães ao irmão Fernando. SP, 22.10.1925.) (19) “(...) agradecendo tudo que fez por você.” (Carta de Jerônimo Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão, Fernando. MG, 21.09.1925.) (20) “(...) vou dizer-lhe algo de meu affecto ternissimo por você, o qual muito se intensificou...” (Carta de Maria Joana Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua irmã Maria Elisa. RJ, 27.04.1933.) (21) “(...) De você então ella fala com tanto carinho!” (Carta de Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua filha. RJ, 27.11.1914.) (22) “(...) quando me escrever diga-se si você o conhece, sim ? (Carta de Maria Elisa Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão Jerônimo. RJ, Friburgo, 07.02.1933.) A análise da produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação aos subtipos de pronomes/formas verbais na amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães parece confirmar a hipótese de Lopes (2007, 2008); Lopes e Machado (2005) de que a implementação de Você no quadro pronominal do PB não ocorre da mesma forma em todos os contextos/posições. As formas verbais não imperativas (sujeito não-preenchido), os pronomes oblíquos sem preposição (te) e os pronomes possessivos (teu/tua) mostraram-se como ambientes em que as formas de P2 (Tu) oferecem resistência, conforme já constatado por Lopes (2007); Marcotulio et alii (2007). Em relação à inserção do Você no sistema pronominal, constata-se que os pronomes pessoais do caso 134 reto (sujeito preenchido) e os pronomes oblíquos com preposição (por você, de você...) apresentaram-se como favorecedores, como já averiguado por Lopes (2007), em cartas pessoais oitocentistas enviadas a Rui Barbosa, e por Marcotulio et alii (2007), em bilhetes amorosos de inícios do século XX (1908). Um dos aspectos mais relevantes dos resultados obtidos aqui se refere ao fato de os contextos morfossintáticos mais favoráveis ao emprego de Você e Tu serem praticamente os mesmos nos diversos estudos com base em corpora diacrônicos (escrita) e sincrônicos (fala). As diferenças detectadas entre um estudo e outro se limitam basicamente aos percentuais de freqüência, mas não houve alteração na constituição do quadro de pronomes supletivo do PB pelo menos nos últimos duzentos anos. O peso dos fatores sociais em relação à produtividade das formas de P2 (Tu) e de P3 (Você): uma análise do perfil social da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Os informantes A hipótese que motivou o controle dos informantes é a de que o maior ou menor grau de uniformidade no emprego das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) nas cartas poderia corresponder, respectivamente, a um menor ou maior índice de integração de Você no sistema pronominal do PB. Assim sendo, mantinha-se o interesse por observar se os membros da família apresentavam comportamento diferenciado quanto a esse aspecto. Que missivistas empregavam o sistema pronominal mais antigo? Quais informantes já adotavam o quadro de pronomes que se firmará no PB? 135 MISSIVISTAS DA FAMÍLIA PEDREIRA FERRAZ - MAGALHÃES João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira) Jerônimo de Castro Abreu Magalhães Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira (Viscondessa de Duprat) Maria Bárbara de Castro Abreu Magalhães Maria Joana de Castro Abreu Magalhães Maria Leonor de Castro Abreu Magalhães Maria Rosa de Castro Abreu Magalhães Jerônimo de Castro Abreu Magalhães (Pe. Jerônimo) TOTAL FORMAS DE P2 (TU) OCO. % 25/35 71% P.R. .01 75/76 99% .31 98/107 92% .88 65/71 92% .86 03/28 11% .19 13/31 42% .69 01/29 03% .07 12/24 50% .75 26/33 79% .19 318/434 73% Tabela 4: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) pelos missivistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Valor de aplicação: Tu (P2). Com base na análise dos pesos relativos da tabela 4, constata-se que as informantes Zélia e Maria Teresa apresentam altos índices de formas de P2 (Tu) em termos probabilísticos e percentuais, respectivamente com .88, (92%) e com .86 (92%). A análise qualitativa das cartas das idosas Zélia e Maria Theresa (Viscondessa de Duprat) permite elucidar que o elevado número de dados de formas de P2 (Tu) é inflacionado por pronome complemento não preposicionado (te) e por 136 pronomes possessivos (teu/tua) que, representam, por sua vez, os contextos favorecedores ao emprego do Tu, cf. Lopes (2007); Marcotulio et alii (2007), como se observa em (04) e (05). Por outro lado, a análise dos índices probabilísticos de .75 e .69, concernentes, respectivamente, à produtividade de formas de P2 (Tu) pelas missivistas Maria Rosa e Maria Joana em comparação aos seus índices percentuais de 42% e 50%, respectivamente, revela que há, percentualmente, mais dados de Você do que de Tu. Assim sendo, não é possível admitir que tais mulheres tenham se mostrado mais propensas ao emprego de formas relacionadas a P2 (Tu), mas sim que elas “mesclavam” com maior vigor as duas estratégias em suas cartas, adotando o quadro pronominal do PB. (04) “Nunca te esqueças da nossa Leonor, sim? até ella alcançar o que tanto deseja. [espaço] Teu Pai Pedreira vae indo sem novidade. [espaço] Tia Joanninha queria muito ir commigo te visitar, mas agora está doente dos olhos, o que sente muito.” (Carta de Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao filho. RJ, 27.11.1912.) (05) “Com quantas saudades te escrevo estas linhas ! [espaço] Tão depressa passou o feliz tempo em que te esperava aqui e gozava de tua querida companhia, de teus carinhos filiaes !!” (Carta da Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira ao sobrinho, Pe. Jerônimo. RJ, 04.02.1919.) Há de se observar ainda que as informantes Maria Amália (26 oco./100%), Maria Elisa (23 oco./100%) usaram categoricamente as formas de P3 (Você), enquanto o informante Fernando (13 oco./100%) fez uso categórico das formas de P2 (Tu), na amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, como se observa de (08) a (13). (08) “Sabe que tenho o mesmo officio que você ?” (Carta de Maria Amália Pedreira de Castro Abreu Magalhães a irmã, Maria Bárbara. Friburgo, RJ, 01.08.1909.) (09) “Veja que massada lhe está dando a pobre Madre Castro que lhe escreve com tanta familiaridade !!” (Carta de Maria Amália Pedreira de Castro Abreu Magalhães a D. Maria. BA, 07.10.1928.) (10) “Com fervor peço a Deus que Você esteja bem. Porque não me escreve ?” 137 (Carta de Maria Elisa Pedreira de Castro Abreu Magalhães a irmã, Maria Leonor. Pouso Alegre, 04.04.1920.) (11) “Quando me escrever diga-me si Você a conhece, sim ? e mande-lhe um pequeno conforto na cruz que carrega; a certeza de uma Oração sua ou uma missa, ella gostará muito. Escreva-me. Sua Iza B. P.” (Carta de Maria Elisa Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão, Pe. Jerônimo. Friburgo, RJ, 07.02.1933.) (12) “(...) peço-te pois que na quinta-feira pela manhã, si fôr possível, venhas me ver o Senhor Ignácio.” (Carta de Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães a irmão, Pe. Jerônimo. Friburgo, RJ, 14.12.1919.) (13) “Li agora tua ultima cartinha. Creio que podes permitir a esse Lazarista a traducção de “Zélia” em Italiano. Deves avisar comtudo que um resumo dumas cem paginas, feito da traducção espanhola, começara em breve, segundo me promettem, a a apparecer no “Mensageiro [inint.] de Jesus, de Roma, revista dirigida pelos Jesuítas.” (Carta de Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães a irmão, Pe. Jerônimo. SP, 02.04.1928.) Na análise de painel, a ser apresentada neste trabalho, discute-se qualitativamente o que pode ter determinado alguns dos missivistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães a empregarem Tu e Você na função de sujeito oracional, visto que a substituição do Tú pelo Vos também se concretizou, segundo Fontanella (1977), na posição de sujeito no espanhol da Argentina. Passa-se à análise da influência da variável extralingüística gênero (sexo) do missivista em relação ao emprego de formas relacionadas a P2 (Tu) e P3 (Você) nas cartas oitocentistas e novecentistas em análise. O Gênero (sexo) dos missivistas Considerando que, segundo Labov (1990), em processos de mudança, as mulheres tendem a implementar a forma “não-padrão”, atuando como personagens inovadoras da história das línguas humanas, passa-se à análise do comportamento de homens e mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães, a fim de confirmar ou infirmar tal hipótese. 138 Embora, na análise do grupo anterior (informante), as mulheres aparentemente se mostraram favorecedoras ao emprego de formas de P2 (Tu), quando se opõem os dados de homens e mulheres, os resultados mostram um maior favorecimento de formas de P2 (Tu) entre os homens da família. A análise do gênero dos informantes em relação ao uso de formas de P2 (Tu) e P3 (Você) na amostra de cartas em estudo permite vislumbrar os seguintes resultados, com base na tabela 5. FORMAS DE P2 (TU) P.R. OCO. % Masculino 139/157 89% .98 Feminino 192/339 57% .13 TOTAL 331/496 67% Tabela 5: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em função do gênero dos missivistas. Valor de aplicação: Tu (P2). GÊNERO DOS MISSIVISTAS Verifica-se que os informantes do gênero masculino, com .98, comportaram-se como missivistas que favoreceram a produtividade de formas relacionadas a P2 (Tu) na amostra. Os dados de (23) a (26) ilustram a preferência dos missivistas do gênero masculino (João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira), Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, Fernando de Castro Pedreira Abreu Magalhães e Jerônimo de Castro Pedreira Abreu Magalhães (Pe. Jerônimo) pelas formas de P2 (Tu). (23) “Agradeço muito a tua cartinha e tambem a vovó tua madrinha ficou muito contente.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz a sua neta Maria Leonor (Nonô). Corte, RJ, 15.04.1886.) (24) “A corecção da tua orthographia, calligraphia e redacção me asseguram que bem estudas-te em Friburgo e continuas a progredir Louvado seja Nosso Senhor” (Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães a sua filha, Maria Joana. RJ, 26.01.1908.) 139 (25) “Li agora tua ultima cartinha. Creio que podes permitir a esse Lazarista a traducção de “Zélia” em Italiano. Deves avisar comtudo que um resumo dumas cem paginas, feito da traducção espanhola, começara em breve segundo me promettem (...)” (Carta de Fernando Pedreira de Castro Abreu Magalhães a seu irmão, Pe. Jerônimo. SP, 02.04.1928.) (26) “Enthusiasmo-me vendo-te trabalhar por nossa Zélia. Leio a carta que escreveste ao Bebê, e a approvação do Cardeal Van Rossum.” (Carta de Jerônimo Pedreira de Castro Abreu Magalhães ao irmão, Fernando. MG, 21.09.1925.) Há de se observar, entretanto, que as formas vinculadas ao Você são as preferidas pelas informantes do gênero feminino como ilustrado em (27) e (28). (27) “(...) Você me entende ! [espaço] Bem, o dia de hoje passal-o-ei a seu lado, após ser tudo offertado pela sua santificação ...” (Carta de Maria Joana Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua irmã Maria Elisa. RJ, 27.04.1933.) (28) “(...) ahi querido Papae achará todo o carinho que lhe poderia fazer se estivesse junto a si n’ este dia.” (Carta de Maria Barbara Pedreira de Castro Abreu Magalhães a seu pai Jerônimo. Mosteiro do Bom Pastor, RJ, 24.06.1906.) Com base no estudo de painel a ser apresentado no capítulo 6 desta tese, espera-se elucidar tais resultados. A Faixa etária dos missivistas Partindo dos resultados de Omena (1996) e de Lopes (2003 [1999]) que atestaram ser o inovador a gente mais produtivo na fala dos jovens, prevê-se que também o Você possa ser mais freqüente entre os jovens da família Pedreira Ferraz – Magalhães, uma vez que, assim como o a gente, se trata de uma forma nominal que se pronominalizou, competindo com o Tu. No que toca à produtividade de formas relacionadas à P2 (Tu) constata-se que a faixa etária dos missivistas se mostrou como um grupo de fatores relevante. Assim sendo, expõem-se, com base na tabela 6, os resultados em termos de freqüências de uso e pesos relativos. 140 FORMAS DE P2 (TU) P.R. FAIXA ETÁRIA DOS MISSIVISTAS OCO. % Jovem (de 14 a 30 anos – Fx. 1) 29/66 44% .10 Adulto (de 31 a 50 anos – Fx. 2) 80/139 58% .33 Idoso (mais de 51 anos – Fx. 3) 222/291 76% .70 TOTAL 331/496 67% Tabela 6: A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação à faixa etária dos missivistas. Valor de aplicação: Tu (P2). A partir do exame da tabela 6, observa-se que a produtividade de formas relacionadas à P2 (Tu) mostrou-se favorecida pelos missivistas idosos (faixa 3), .70 de peso relativo, como se observa de (29) a (34). Já as formas relacionadas à P3 (Você) mostraram-se mais produtivas entre os jovens. Esses resultados parecem indicar os missivistas mais idosos tendem a manter o comportamento do século XIX em que o Tu ainda tinha um maior campo de atuação como pronome de referência ao interlocutor. O fato de os missivistas mais jovens, por sua vez, adotarem o inovador Você parece apontar para um processo de mudança lingüística que é inaugurada em fins do século XIX e é efetivamente implementada entre as décadas de 20 e 30 do XX (cf. Lopes e Rumeu 200730). (29) “Agradeço muito a tua cartinha e também a vovó tua madrinha ficou muito contente. [espaço] Ella vae responder, e diz que cada vez gosta mais de ti, e também dos outros bis nettinhos.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz, com 60 anos, a sua neta, Maria Leonor. RJ, 15.04.1886.) (30) “Meo bom filho Padre Jeronymo Recebi tua carta de 5 do corrente. (...) Podes saudal-a do modo mais conveniente. Dou-te a agradável nova, que estamos em plena Santa Missão pregada por Redemptoristas.” (Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, com 58 anos, a seu filho, Pe. Jerônimo. RJ, 09.07.1909.) (31) “Não tens tido alteração em tua saúde ? estás gorda ou magra ? quanto pezas ? [espaço] Si tiver balança ahi, peza e manda-me dizer, sim ?” (Carta de Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães, com 57 anos, a sua filha. RJ, 27.11.1914.) Lopes e Rumeu (2007:420) afirmam o seguinte: “Levando-se em consideração os fluxos e contra fluxos da variação você/tu, alguns estudos demonstraram (Duarte, 1993, Lopes e Duarte 2003, Rumeu, 2004) que o uso majoritário de tu – forma recorrente do século XIX – só será suplantado por você por volta dos anos 20-30 do século XX.” 30 141 (32) “Peço a Deos, filho querido, que gozes n’ esse dia, de completa felicidade, que recebas já n’esta vida a recompensa de tuas virtudes, de teu zelo – de tua dedicação incansável pela tua santa Congregação !!” (Carta de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira, com 64 anos, ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 13.12.1927.) (33) “Me perguntas que faço ajudo a escrever a machina n’um escriptorio oficial, e toco o organo para que cantem as meninas ...” (Carta de Maria Rosa de Castro Pedreira de Abreu Magalhães, com 53 anos, a irmã Maria Joana. RJ, 15.02.1931.) (34) “Que dirá, que não te respondi, tuas duas cartas, bem contra minha vontade, mas não me foi possível – Muitíssimo te agradeço tuas palavras de affectos para com esta tua irmã que tanto te estima.” (Carta de Maria Rosa de Castro Pedreira de Abreu Magalhães, com 53 anos, a irmã Maria Joana. RJ, 15.02.1931.) Com o intuito de identificar o que estaria estabelecendo a diferença de comportamento lingüístico entre homens e mulheres em relação ao uso de formas de P2 (Tu) e de P3 (Você), foram correlacionados os grupos de fatores gênero e faixa etária dos missivistas/informantes. OS MISSIVISTAS EM RELAÇÃO AO GÊNERO E À FAIXA ETÁRIA FORMAS DE P2 (TU) OCO. % FORMAS DE P3 (VOCÊ) OCO. TOTAL % OCO./(%) Homem Jovem (1) (de 14 a 30 anos) 29/32 91% 03/32 09% Homem Adulto (2) (de 31 a 50 anos) 66/71 93% 05/71 07% Homem Idoso (3) (mais de 51 anos) 44/54 81% 10/54 19% Mulher Jovem (1) (de 14 a 30 anos) - - 34/34 100% Mulher Adulta (2) (de 31 a 50 anos) 14/68 21% 54/68 79% Mulher Idosa (3) (mais de 51 anos) 178/237 75% 59/237 25% TOTAL 331/496 (67%) 165/496 (33%) 32/157 (21%) 71/157 (45%) 54/157 (34%) 34/339 (10%) 68/339 (20%) 237/339 (70%) TOTAL POR GÊNERO 157/496 (32%) 339/496 (68%) 496/496 Tabela 7: Cruzamento dos grupos de fatores gênero e faixa etária em relação à produtividade das formas de P2 (Tu) e de P3 (Você) nas cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz Magalhães. Com base na análise da tabela 7, constata-se que, nas cartas dos homens em todas as faixas etárias, houve uma maior produtividade das formas de P2 (Tu). A preferência por formas relacionadas ao Tu íntimo (P2), nas cartas pessoais trocadas entre pai e filho, entre avô e neto e 142 entre irmãos, evidenciou que os missivistas jovens, adultos e idosos mostraram-se mais conservadores em relação ao uso de formas para referência ao interlocutor no eixo comunicativo. Já as mulheres jovens da família elegeram categoricamente as formas de P3 (Você) no conjunto de missivas. As trinta e quatro ocorrências de formas de P3 (Você), nas cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, se deram nas missivas produzidas por Maria Amália (carta para irmã – C.15), por Maria Rosa (C.25) e por Maria Bárbara (C.17) – cartas para o pai. As mulheres adultas Maria Elisa (C.19), Maria Joana (C.21) e Maria Leonor (C.23), em cartas destinadas aos irmãos, também preferiram formas de P3 (Você) – 79%. Em contrapartida, as missivistas idosas Zélia, nas cartas destinadas aos filhos (C.08, C.09 e C.19), e Maria Teresa, nas cartas destinadas ao sobrinho Pe. Jerônimo (C.11, C.12, C.13 e C.14), com freqüência de uso de 75%, optaram por formas de P2 (Tu) na amostra de cartas em análise. O comportamento lingüístico diferenciado assumido pelos missivistas dos gêneros masculino e feminino, nas cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, parece reforçar a hipótese laboviana (1990) de que as mulheres tendem a liderar a inovação no processo de mudança lingüística. Como já discutido no item 4.4 desta tese, as mulheres estariam utilizando a forma invasora (Você) que é, por um lado, uma variante de prestígio utilizada pela elite de fins do século XIX e da primeira metade do século XX, mas que não é, por outro lado, uma estratégia estigmatizada na comunidade lingüística do PB. Nesse sentido, corroboram-se também os resultados de trabalhos lingüísticos voltados para a diacronia nos quais o gênero (sexo) dos informantes têm se mostrado relevante para a percepção do processo de implementação da mudança no sistema lingüístico. Lopes e Machado (2005), com base em resultados preliminares, chegam a admitir a possibilidade de as mulheres, representadas pela missivista do século XIX, Barbara Ottoni, terem sido talvez as 143 propulsoras da mudança lingüística no sistema pronominal do PB. Tal constatação se deve ao fato de a avó-dona-de-casa Barbara ter adotado, na amostra de cartas oitocentistas destinadas aos seus netos, uma maior freqüência de uso do inovador Você. Em contraposição, o avôprofessor Christiano Ottoni prefere as formas relacionadas a P2 (Tu), ao voltar-se sempre para a correta expressão da norma gramatical do português nas suas cartas aos netos. Lopes (2003), no estudo sobre a inserção do a gente no sistema de pronomes do PB, também postula que as mulheres tenham sido as dinamizadoras do processo de mudança lingüística em estudo. A análise da mudança de gente → a gente em tempo real de longa duração, com base em corpora de teatro e de obras literárias, levou a autora a vislumbrar o gênero como um grupo de fatores relevante entre as personagens do gênero (sexo) feminino que se mostraram, por sua vez, mais propensas ao uso do inovador a gente. O fato de as mulheres jovens (faixa 1) e adultas (faixa 2) elegerem preferencialmente as formas relacionadas ao inovador Você, na amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, também parece evidenciá-las como líderes de um processo gradual e paulatino de mudança no sistema de pronomes do PB. Esses resultados a que se chegou com esta análise geral dos dados parecem justificar a necessidade de uma análise do comportamento do indivíduo ao longo do seu percurso de vida para saber se o comportamento dele era estável ou instável e para tentar delimitar o período do século XX em que a implementação de Você se mostrou mais contundente. O Tu e o Você na posição de sujeito pronominal Com o intuito de constatar se o inovador Você já ocupa as mesmas ambiências sintáticas do legítimo Tu pronominal e de testar a hipótese de Fontanella (1977 apud Lopes, 2007:05) segundo a qual a mudança do Tú pelo Vos, no espanhol argentino, tenha se instaurado no 144 pronome-sujeito31, controlaram-se os dados de sujeito pronominal em suas realizações nula e plena. As ocorrências de imperativo foram excluídas da análise, pois inflacionariam as manifestações nulas de sujeito. Passa-se, com base na tabela 8, à análise da freqüência de uso dos tipos de sujeito pronominal detectados nas amostras de cartas pessoais oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. TU VOCÊ TOTAL Oco. % Oco. % Oco. % Nulo 92/93 99% 24/45 53% 116/138 84% Pleno 01/93 01% 21/45 47% 22/138 16% TOTAL 93/138 67% 45/138 33% 138/138 100% Tabela 8: Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas pessoais oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. TIPOS DE SUJEITO Com base na tabela 8, observa-se que, em relação à expressão da categoria sujeito pronominal, predominam as formas de P2 (Tu). O Tu comportou-se preferencialmente como sujeito pronominal nulo, assumindo freqüência de uso de 99% como se observa em (35) e (36). (35) “Leonor está bem melhor graças a Deus se ella fizesse os votos creio que ficaria boa não Ø achas ?” (Carta de Maria Barbara de Castro Pedreira de Abreu Magalhães ao irmão Fernando. SP, 22.10.1925.) (36) “Ø És tão extremoso meu Padre Jeronymo !” (Carta de Maria Leonor de Castro Pedreira de Abreu Magalhães ao irmão Pe Jerônimo. Olinda, PE, 10.10.1920.) É interessante observar, em (37), que o missivista Jerônimo de Castro Abreu Magalhães se dirige, com 57 anos, à filha Maria Joana (Jane), com o Tu pleno, numa tentativa acolhedora de trazer à tona a intimidade da interlocutora, buscando saber sobre a sua saúde. Trata- 31 Tal hipótese é sustentada por Lopes (2007:09) que, em relação ao estudo da variação Tu/Você, nas cartas oitocentistas destinadas a Rui Barbosa, tece a seguinte consideração: “Aparentemente, é na posição de sujeito que Você se firmará e por isso nos interessa observar se nesse contexto você já ocupa os mesmos espaços funcionais de tu”. 145 se da única ocorrência de Tu pleno levantada nas trinta cartas em análise. (37) “[espaço] E tu minha Jane Como estás dos ouvidos? Estou certo que tuas discípulas do primeiro anno, do teo magistério, devem ter feito muitos progressos.” (Carta de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães a filha Maria Joana. Fazenda Santa Fé, RJ, 26.01.1908.) Já o Você apresenta-se, em 53% das suas ocorrências, como sujeito pronominal pleno e, em 47% delas, como sujeito pronominal nulo. Há uma concorrência acirrada entre a expressão plena e nula do Você pronominal na análise geral dos dados. É possível visualizá-lo nulo e pleno de (38) a (42). (38) “Como hade ser bonito, quando Você pelo gosto do estudo souber bem, e Ø poder, assim, ensinar as tuas outras maninhas, como a tua excellente Mamãe e minha mũi presada Filha ensinou a tua titia Mimi e aos teus titios Jânio e Zuzú.” (Carta de João Pedreira do Couto Ferraz (Dr. Pedreira) a sua neta Maria Elisa (Isa). RJ, 08.07.1895.) (39) “(...) E você, minha filha de meu coração como tem passado ? [espaço] estás sempre alegre ? conservas aquelle genio animado, meigo e carinhoso, com que tua mãe tanto se encontrava ? [espaço] És cada vez mais feliz pelo grande sacrificio que fizeste, em deixar tua familia por amor do Esposo Divino ? Ah ! minha tão amada filha, que riquissima corôa Elle te está preparando ? [espaço] E como está o excellente sacerdote teu director ? [espaço] Com o maior fervor rezo por elle. [espaço] [espaço] Não tens tido alteração em tua saude ? estás gorda ou magra ? quanto pezas ? [espaço] Si Ø tiver balança ahi peza, e manda-me dizer, sim ?” (Carta de Zélia a sua filha. RJ, 27.11.1914.) (40) “(...) pois creio que se você o visse agora Ø não o conheceria talvez;” (Carta de Maria Amália de Castro Pedreira de Abreu Magalhães a irmã Maria Bárbara. Friburgo, RJ, 01.08.1909.) (41) “A seu respeito, minha Isa, disse-me o Doutor Braga que, com as novas receitas Você vae curar-se ... Ø deve, porém, não comer peixe nem ovos, e nem substancias gordurosas;” (Carta de Maria Joana Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua irmã Maria Elisa (Isa). RJ, 27.04.1933.) (42) “Amalia me mandou dizer as optimas practicas que Você fez as orphas no retiro; oh! quem me dera tel-as ouvido. Se Ø poder escreve para Manaos; eu vou escrever muito breve.” (Carta de Maria Leonor Pedreira de Castro Abreu Magalhães a sua irmã Maria Elisa. PE, 18.04.1928.) 146 Retomando a hipótese de Duarte (1995) de que o PB do século XIX era uma língua de sujeito nulo, estreando o seu processo de mudança de parâmetro a partir do século XX, legitima-se o fato de que, nas cartas pessoais de fins do século XIX e da primeira metade do século XX, o Tu se evidencie como sujeito nulo, ao passo que o Você pronominal apresente-se em franca concorrência entre as suas expressões plena e nula, ainda que com uma baixa freqüência de uso nas cartas em análise (33% dos dados de sujeito). A questão de o inovador Você assumir uma maior freqüência de uso como sujeito pronominal pleno (em 53 % das ocorrências de sujeito) o evidencia como uma forma híbrida de referência à segunda pessoa do discurso, conforme Rumeu (2004). O Você se assemelha ao Tu, ao assumir a posição sintática de sujeito pronominal tal como um legítimo pronome de referência à segunda pessoa do discurso. Em contrapartida, o Você parece manter traços da forma nominal de tratamento que o originou (Vossa Mercê), ao assumir a sua realização plena como sujeito pronominal, em 47% dos dados. 147 Síntese dos primeiros resultados... Em suma, constata-se que, nas cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, os grupos de fatores paralelismo discursivo e contexto morfossintático (tipo de pronome) funcionaram como condicionamentos lingüísticos relevantes na análise variável entre P2 (Tu) e P3 (Você). No que se refere ao paralelismo discursivo entre formas de P2 (Tu) e de P3 (Você), atestou-se a mescla de tratamentos, ainda que de forma incipiente na amostra em estudo, corroborando os resultados de Barcia (2006); Lopes (2008); Lopes e Machado (2005); Marcotulio et alii (2007); Soto (2001). Em relação aos contextos morfossintáticos de resistência de formas de P2 (Tu), têm-se as formas verbais não imperativas, os pronomes oblíquos sem preposição (te) e os pronomes possessivos (teu/tua). Os pronomes pessoais do caso reto e os pronomes oblíquos com preposição (com você) mostraram-se como contextos de implementação do Você (actuation problem, cf. Weinreich et alii 1968) no quadro pronominal do PB oitocentista e novecentista, considerando a sua história de pronominalização (Vossa Mercê > Você) como um processo de encaixamento no sistema lingüístico (embbeding problem, cf. Weinreich et alii 1968). Legitima-se, pois, a hipótese de Lopes (2007:08) de que “(...) a inserção de você no sistema pronominal não se implementou da mesma maneira em todas as categorias gramaticais ou subcategorias pronominais e tais observações se verificam até hoje nas amostras constituídas a partir de roteiros de cinema (LOPES, C.R.S.; COUTO, L.R.; DUARTE, M.E.L., 2005) e de conversas secretas feitas na cidade do Rio de Janeiro.” Com relação aos fatores extralingüísticos mostraram-se relevantes: os missivistas, o seu gênero (sexo) e a sua faixa etária (jovem, adulto e idoso). 148 As missivistas que demonstraram, na amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, preferência pelas formas de P3 (Você) foram Maria Leonor e Maria Bárbara. Já as informantes Zélia e Maria Teresa mostraram-se mais propensas à realização de formas vinculadas a P2 (Tu) nas cartas pessoais em estudo (mesmo que sempre mescladas a formas relacionadas a Você). No que se refere à análise do gênero aliado à faixa etária dos missivistas, constatou-se que os homens jovens, adultos e idosos evidenciaram-se mais propensos ao uso de formas relacionadas à P2 (Tu) na amostra. Por outro lado, às mulheres jovens e adultas coube uma maior tendência ao uso de formas relacionadas ao inovador Você. As mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães parecem ter impulsionado o processo de mudança em progresso na língua (cf. Labov 1990), ao preferirem formas relacionadas ao inovador Você que, por sua vez, se inseriu no sistema pronominal como resultado de uma mudança lingüística advinda de cima para baixo (change from above) na pirâmide social portuguesa (Vossa Mercê > Você), encaixando-se (embedding problem, cf. Weinreich et alii), pois, no contexto histórico-social. Levando-se em conta que o contexto sintático de pronome-sujeito (cf. tabela 3) atuou como uma ambiência favorecedora ao emprego de formas de P3 (Você) aliado ao fato de o Você na função de sujeito ter se equiparado ao Tu, mostrando-se preferencialmente nulo (cf. tabela 8), justifica que se volte o foco para a representação do sujeito pronominal com as formas Tu e Você em estudos de tempo aparente (item 5.3) e de painel (capítulo 6). Acrescente-se o fato de, nessa análise geral dos dados, os fatores sociais gênero, faixa etária e missivitas da família Pedreira Ferraz – Magalhães terem sido considerados preponderantes, o que legitima que se volte o olhar especificamente para a trajetória de vida dos informantes com a confecção de um estudo painel em sincronias passadas. 149 5.3 O sujeito pronominal Tu e Você na família Pedreira – Ferraz Magalhães: um estudo em tempo aparente. “O primeiro e mais imediato tratamento a ser dado aos dados para o estudo da mudança lingüística em progresso é traçar a mudança em tempo aparente: isso significa analisar a distribuição das variáveis lingüísticas pelos níveis etários.” 32 (Labov 1994:45/46.) Em função dos resultados observados na seção anterior e com base na proposta de Labov (1994) de que a progressão da mudança lingüística possa ser mais rapidamente delineada com o estudo em tempo aparente33, passa-se à análise do comportamento lingüístico de homens e mulheres da família Pedreira Ferraz-Magalhães em relação à representação pronominal do sujeito de segunda pessoa do discurso com as formas Tu e Você em cartas pessoais. Este estudo em tempo aparente deu-se a partir da distribuição da produção escrita dos missivistas jovens, adultos e idosos dos gêneros masculino e feminino, no decorrer das duas primeiras décadas do século XX, mais precisamente entre 1905 e 1920. Considerando que o objetivo desta investigação é o de buscar delinear o processo de implementação da forma Você no quadro pronominal do PB, pretende-se investigar a expressão (nula ou plena) das formas Tu e Você como sujeitos pronominais de segunda pessoa do discurso. Acredita-se que à medida que o Você se pronominalize, assuma os mesmos campos funcionais Labov (1994:45/46), ao pensar o estudo em tempo aparente, tece a seguinte afirmação: “The first and most straightforward approach to studying linguistic change in progress is to trace change in apparent time: that is, the distribution of linguistic variables across age levels.” 33 “O estudo da mudança no tempo aparente está baseado no pressuposto de que diferenças lingüísticas entre gerações podem espelhar desenvolvimentos diacrônicos, quando outros fatores se mantêm constates. O comportamento lingüístico de cada geração reflete um estágio da língua, com os grupos etários mais jovens introduzindo novas alternantes que, gradativamente, substituirão aquelas que caracterizam o desempenho lingüístico dos falantes de faixas etárias mais avançadas.” (Paiva e Duarte, 2003:14) 32 150 que um legítimo pronome do PB, em conformidade com Fontanella (1977) e Lopes (2007:09). Quantificaram-se as ocorrências de Tu e Você como formas de fazer referência ao interlocutor em suas expressões nula e plena, nas correspondências trocadas entre irmãos (as cartas de Fernando, Maria Bárbara, Maria Joana, Pe. Jerônimo, Maria Elisa, Maria Leonor, Maria Rosa), entre pai e filho (as cartas de Jerônimo de Castro Abreu Magalhães), entre mãe e filho (as cartas de Zélia Bulhões Pedreira de Castro Abreu Magalhães) e entre tia e sobrinho (as cartas de Maria Teresa de Jesus Bulhões Pedreira), conforme se observa no quadro 6. Quadro 6: Missivistas do estudo em tempo aparente. JOVENS (14 A 30 ANOS) HOMEM MULHER Fernando Maria Bárbara C1. RJ, Friburgo, 06.11.1919. C2. França, Vals, 20.12.1920. C3. SP, 25.06.1911. ADULTOS (31 A 50 ANOS) HOMEM MULHER HOMEM MULHER Pe. Jerônimo Maria Elisa Jerônimo (Marido de Zélia) Zélia C1. BA, 08.05.1920. C2. Ceará, 08.02.1919. C3. Pará, 28.07.1915. C4. Pouso Alegre, 01.01.1920. C1. RJ, 08.06.1905. C2. RJ, 23.06.1909. C3. RJ, 17.02.1912. C4. 06.07.1919. Maria Joana C4. 16.01.1912. - IDOSOS (MAIS DE 50 ANOS) - Maria Leonor C5. RJ, Niterói, 05.04.1913. C6. Olinda, (PE), 22.08.1920. Maria Rosa Maria Teresa (Viscondessa de Duprat – Tia Mimi) - C5. RJ, 16.10.1912. C6. RJ, 29.03.1920. C7. La Plata, 04.11.1911. C8. Buenos Aires, 18.01.1920. 02 cartas 02 cartas 04 cartas 02 cartas 06 cartas 08 cartas 18 Cartas 02 cartas 04 cartas 06 cartas A quantificação dos dados de Tu e Você nas cartas produzidos por jovens, adultos e idosos da família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os anos de 1905 e 1920 levou aos seguintes resultados principais: 151 GRUPOS ETÁRIOS TU Jovem (Faixa 1) (de 14 a 30 anos) Adulto (Faixa 2) (de 31 a 50 anos) Idoso (Faixa 3) (Mais de 50 anos) SUJEITO PRONOMINAL VOCÊ 22/22 (100%) 11/45 (24%) 03/52 (06%) 36/119 (30%) 34/45 (76%) 49/52 (94%) 83/119 (70%) TOTAL 119/119 (100%) Tabela 9: Distribuição dos dados de Tu e Você pronominais em relação aos grupos etários: estudo em tempo aparente (1905 – 1920). Com base na análise da tabela 9, observa-se que o emprego do Tu pronominal é majoritário, em 70% dos dados (83 ocorrências), em oposição a 30% de Você (36 ocorrências), nessa amostra composta por dezoito cartas da Família Pedreira Ferraz – Magalhães. Esclareça-se que os 83 dados de Tu são de sujeito nulo. A análise de Tu e Você em relação à distribuição etária dos missivistas revela a maior produtividade de Você entre os mais jovens e de Tu, nas outras duas faixas etárias, principalmente, entre os idosos. No gráfico 1, a seguir, é possível visualizar uma configuração curvilínea de variação lingüística entre as formas Tu e Você como estratégias de referência ao interlocutor utilizadas pelos missivistas jovens, adultos e idosos da família Pedreira Ferraz – Magalhães, no decorrer das duas primeiras décadas do século XX. 152 120% 100% 100% 94% 80% 76% 60% 40% 24% 20% 6% 0% 0% Jovens (de 14 a 30 anos) Adultos (de 31 a 50 anos) Tu Idosos (acima de 50 anos) Você Gráfico 1: Estudo em tempo aparente: uso de Tu e Você como sujeitos de segunda pessoa do discurso distribuídos entre os missivistas jovens, adultos e idosos da Família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os anos de 1905 e 1920. Como já foi anunciado anteriormente, o emprego categórico do inovador Você pelos missivistas mais jovens pode sugerir um quadro de aparente mudança lingüística em progresso. Por outro lado, os missivistas adultos e idosos evidenciaram um acentuado índice de retração da produtividade de Você, mostrando-se propensos ao emprego do conservador Tu com freqüências de uso de 76% e 94%, respectivamente. O fato de os adultos terem se voltado para o emprego do conservador Tu pode ser motivado pelas pressões sociais da vida adulta, conforme Sankoff (2006), de modo a corroborar o emprego da variante pronominal padrão, isto é, a forma pronominal licenciada pela norma subjetiva do PB (Tu). Lopes (2003:148/149 [1999]) também averiguou um quadro semelhante em relação ao emprego da forma a gente pelos falantes cultos do corpus do projeto NURC. Detectou a autora, entre as décadas 153 de 70 e 90 do século XX, um aumento da probabilidade de uso de a gente pelos falantes mais jovens (faixa 1), ainda que os falantes adultos e idosos (faixas 2 e 3) diminuíssem o emprego de tal forma pronominal inovadora num intervalo de 20 anos da análise. Em seguida, será observado separadamente o comportamento dos homens e mulheres por faixa etária, a fim de detectar se há diferenças quanto ao gênero (sexo) dos missivistas. A tabela 10 oferece os resultados quantitativos e o gráfico 2, mais ilustrativo, delineia distintos comportamentos por parte dos dois gêneros, principalmente, entre os missivistas adultos e idosos: GÊNERO (SEXO) DOS MISSIVISTAS H O M E M M U L H E R GRUPOS ETÁRIOS SUJEITO PRONOMINAL Jovem (Faixa 1) Adulto (Faixa 2) Idoso (Faixa 3) TU 12/12 (100%) 11/11 (100%) VOCÊ 09/09 (100%) - Jovem (Faixa 1) Adulta (Faixa 2) Idosa (Faixa 3) 22/33 (66%) 38/41 (93%) 13/13 (100%) 11/33 (33%) 03/41 (07%) A produtividade de "Você" nas cartas da família Pedreira Ferraz - Magalhães: um estudo em tempo aparente entre 1905 e 1920. Tabela 10: Distribuição dos dados de Tu e Você pronominais em relação aos grupos etários/gênero: estudo 120% em tempo aparente (1905 – 1920). 100% 100% 80% 60% 40% 33% 20% 0% Jovem (de 14 a 30 anos) -20% 0% Adulto (de 31 a 50 anos) Homem Mulher 7% 0% Idoso (mais de 50 anos) 154 Gráfico 2: Estudo em tempo aparente: ocorrências de Você distribuídas pelo gênero (feminino e masculino) em relação à faixa etária dos missivistas (jovens, adultos e idosos) da família Pedreira Ferraz – Magalhães entre os anos de 1905 e 1920. Entre os missivistas do gênero masculino e feminino da família Pedreira Ferraz – Magalhães observam-se, com base no gráfico 2, algumas diferenças de comportamento lingüístico em relação ao emprego das formas Tu e Você na posição de sujeito nas duas primeiras décadas do século XX. Os homens e as mulheres jovens apresentam desempenhos lingüísticos semelhantes, ao assumirem a preferência categórica pelo inovador Você. Os missivistas adultos e idosos, tanto os homens quanto as mulheres, voltam-se para o conservador Tu. Entretanto, verifica-se que os homens adultos e idosos preferem categoricamente o conservador Tu, ao passo que as mulheres das duas últimas faixas etárias, assumem um comportamento lingüístico variável entre as formas Tu e Você. Mesmo que elas tenham preferido o Tu, com 67% e 93%, respectivamente, empregam mais o Você do que os homens da mesma faixa etária entre 1905 e 1920. Acredita-se ser possível, portanto, interpretar que o fato de, durante a adultez e a velhice, somente as mulheres terem empregado o inovador Você as evidenciam como propulsoras da implementação do Você no quadro pronominal do PB. Tal interpretação sobre o papel das mulheres nos processos de mudança lingüística está de acordo com o que foi averiguado por Labov (1990) em suas pesquisas sociolingüísticas de caráter variacionista. 155 Os resultados de estudos lingüísticos com dados sincrônicos de fala do PB também muito contribuem para uma melhor compreensão da performance lingüística de homens e mulheres nos processos de variação e de mudança lingüística. Em relação à fala popular, tem-se o estudo de Omena (1986) segundo o qual há uma tendência de as mulheres empregarem mais o sujeito explícito Nós do que os homens, ainda que a autora tenha verificado que, na década de 60, há vestígios de que as mulheres tenham deflagrado o processo de substituição de Nós por A gente. No que diz respeito à fala culta, as investigações de Oliveira (1989); Lemos Monteiro (1991); Lopes (1993) apud Lopes 2003:146 [1999] evidenciam que o emprego do inovador A gente é maior na fala das mulheres do que na dos homens. Acrescente-se a esse conjunto de estudos sincrônicos, com base na língua falada, o estudo em tempo real de longa duração sobre a implementação de A gente no quadro pronominal do PB (gente → a gente) confeccionado por Lopes (2003 [1999]). A autora, em sua tese de doutorado, chega a postular que as mulheres tenham sido as responsáveis pela inserção do pronome A gente, visto que há um favorecimento do emprego de tal forma já pronominalizada no discurso de personagens femininas, quer em peças teatrais, quer em obras literárias. O preenchimento do sujeito Tu e Você nas cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães. A análise da representação (nula ou plena) das formas Tu e Você como sujeitos pronominais de referência ao interlocutor é motivada pelo objetivo de investigar se o Você já assume os mesmos campos funcionais do Tu. Deseja-se, sobretudo, averiguar se, na produção escrita de homens e mulheres da família Pedreira Ferraz - Magalhães das duas primeiras décadas do século XX, o PB já aponta evidências da 156 sua mudança de parâmetro passando de língua de sujeito nulo a pleno, em inícios do século XX, como previa Duarte (1995). GRUPOS ETÁRIOS TU NULO GRUPOS ETÁRIOS NULO VOCÊ PLENO Homem Jovem (Fx.1) - Homem Jovem (Fx.1) Homem Adulto (Fx.2) 12/12 (100%) Homem Adulto (Fx.2) 02/09 (22%) - 07/09 (78%) - Homem Idoso (Fx.3) 11/11 (100%) Homem Idoso (Fx.3) - - Mulher Jovem (Fx.1) - Mulher Jovem (Fx.1) Mulher Adulta (Fx.2) 22/22 (100%) Mulher Adulta (Fx.2) Mulher Idosa (Fx.3) 38/38 (100%) Mulher Idosa (Fx.3) 08/13 (62%) 06/11 (55%) - TOTAL 83/83 (100%) TOTAL 16/36 (44%) 05/13 (38%) 05/11 (45%) 03/03 (100%) 20/36 (56%) Tabela 11: A representação nula ou plena do sujeito pronominal por homens e mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães entre 1905 e 1920: um estudo em tempo aparente. No que se refere à representação pronominal de Tu e Você, observase que a expressão nula do sujeito é categoricamente favorecida pelo Tu, em 100% dos dados (83 ocorrências), o que já é esperado de um legítimo pronome numa língua ainda movida pelo parâmetro de sujeito nulo, conforme Duarte (1995). O inovador Você como sujeito pronominal de segunda pessoa se revela prioritariamente pleno, em 56% dos dados (20 ocorrências), mostrando-se em acirrada concorrência com a sua expressão nula, em 44% dos dados (16 ocorrências), como está exposto de (01) a (06). (01) “Peço a Nosso Senhor que Você faça muito boa viajem ... Ø poderá celebrar a bordo?” (Carta da jovem Maria Joana ao irmão. 16.01.1912.) (02) “Porém, desejava muito que até Maio Você tivesse ao menos uma intençãozinha pequena nas suas preciosas missas para uma graça especialissima, que preciso obter, sem remissão este anno. [espaço] É uma graça espiritual. – Como Ø deixou a nossa Leonor ? E Mamãe ? Todas nós o accompanharemos com o pensamento até o fim de sua viagem; e eu lhe dou todos os dias, uma parte em minhas pobres communhões.” (Carta da jovem Maria Joana ao irmão. 16.01.1912.) (03) “Mas experimentarei-te fazer comprehender a minha preocupação de Mãe, christã e Religiosa, para que me promettas observar minuciosamente os conselhos que te peço licença de te apresentar meu filho querido pois só você me deixa dar.” 157 (Carta da idosa Zélia ao filho Jerônimo. 06.07.1919.) (04) “Você sabe que o Reverendíssimo Padre Yabar está em Roma ? Foi para a congregação dos consultores, e volta em trez mezes. Dizem que para em Pernambuco; isto para mim julgo ser bom. Oh! estou tão contente com a minha vida nesta Conceição; Ø pode acreditar que uma confiança firme m[e] diz cada dia a vontade de Deos; e estar acima de todas cousas desta terra: Ø pode estar contente; penso ficar até a morte no meu Santo Instituto; e o modo que vivo n'Elle só depende dos meus Superiores; meu Deos quanto se é feliz quando se obedece !” (Carta da adulta Maria Leonor ao irmão. PE, Olinda, 22.08.1920.) (05) “Que prazer saber que estás contenta em Pouso Alegre. (...) Nunca Você me respondeu sobre a casa de Petropolis, que resolveram ?” (Carta da adulta Maria Rosa a irmã Maria Elisa. Argentina, Buenos Aires, 18.01.1920.) (06) “Deos recompensará bem teus trabalhos !! quantas conversões alcançarás !! – (...) Você mandou as lembranças de Zelia para Maria Auxiliadora e todas as Madres lá da Argentina ?” (Carta da idosa Maria Theresa ao sobrinho Pe. Jerônimo. RJ, 29.03.1920.) Como só houve variação entre sujeitos plenos e nulos em relação a Você, principalmente entre os jovens dos dois gêneros e entre as mulheres adultas, passa-se à análise desse aspecto tentando elucidar as possíveis interferências dos fatores gênero (sexo) dos missivistas nesse processo de mudança lingüística em progresso. Os gráficos a seguir mostram as diferenças de comportamento lingüístico adotado por homens e mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães. 120% 90% 80% 70% 78% 100% 80% 60% 50% 60% 40% 30% 20% 100% 40% 22% 10% 0% Homem-10% Jovem (de 14 a 30 anos) 62% 55% 45% 38% 20% 0% 0% Homem Adulto (de 31 a 50 anos) Você Nulo 0% Homem Idoso (acima de 50 anos) Você Pleno Gráfico 3: A representação pronominal do Você pelos homens. 0% Mulher Jovem (de 14 a 30 anos) Mulher Adulta (e 31 a 50 anos) Você Nulo 0% Mulher Idosa (acima de 50 anos) Você Pleno Gráfico 4: A representação pronominal do Você pelas mulheres. O Você foi empregado pelos missivistas do gênero masculino somente durante a juventude. Nessa fase, eles optaram pela sua 158 expressão plena, em 78% dos dados (07 ocorrências). A realização majoritariamente plena do inovador Você pode evocar a sua origem nominal (Vossa Mercê) como é característico dos nomes no PB. O comportamento das mulheres jovens e adultas em relação à representação formal do sujeito de segunda pessoa do discurso as evidenciam favoráveis à expressão nula do inovador Você (62%). É possível reconhecer que a expressão nula do Você o equipara ao legítimo pronome Tu (a sua contraparte nesse processo de variação Tu versus Você) que, por sua vez, se apresenta formalmente não expresso numa língua cuja orientação ainda é a de sujeito nulo, cf. Duarte (1995). As mulheres idosas mostram-se categoricamente propensas à realização plena do Você – mesmo que com baixíssimo número de ocorrências (03 ocorrências somente) – na amostra de cartas em análise. Constata-se, pois, que a conduta lingüística das mulheres idosas se assemelha a dos homens jovens, ao realizarem plenamente o Você pronominal. A probabilidade de o Você revelar-se como sujeito formalmente preenchido pode “trazer à baila” a sua ascendência nominal (Vossa Mercê), o que legitima a sua expressão plena como é típico dos nomes no PB, cf. Rumeu (2004). Assim como a forma A gente assumiu uma maior produtividade, conforme Lopes (2003 [1999]), entre as mulheres, seja no discurso falado, seja no discurso escrito, também nas missivas das duas primeiras décadas do século XX, as missivistas mulheres (jovens, adultas e idosas) da família Pedreira Ferraz – Magalhães mostraram-se mais propensas ao emprego do Você do que os missivistas homens. “Se nós descobrirmos uma tênue relação entre idade e a variável lingüística, ou uma significante correlação entre os dois, então o ponto em discussão é decidir se nós estamos tratando de uma verdadeira mudança em progresso ou de uma gradação etária. (...) O caminho mais acertado para interpretar os dados de falantes mais velhos é estudar as 159 mudanças nos tempo real.” 34 mesmos indivíduos em (Labov 1994:46.) Acredita-se esclarecer, com um maior grau de precisão, a progressão da inserção da forma Você no sistema pronominal do PB a partir da conjugação dos resultados deste estudo em tempo aparente aos resultados do estudo de painel (panel study), sob a perspectiva laboviana (1994). Labov (1994:46), ao teorizar sobre o estudo em tempo aparente, chega a seguinte conclusão: “If we discorver a monotonic relationship between age and the linguistic variable, or a significant correlation between the two, the issue is to decide whether we are dealing with a true change in progress or with agegrading (Hockett 1950), a regular change of linguistic behavior with age that repeats in each generation. (…) The most decisive way to interpret the data of older speakers is to study changes in the same individuals in real time (…).” 34 160 Síntese dos resultados do estudo em tempo aparente... Nas cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, entre os anos de 1905 e 1920, a correlação entre as estratégias de representação dos sujeitos pronominais (nulo ou pleno) Tu e Você e a idade dos missivistas permite tecer as seguintes considerações: Os homens e as mulheres jovens preferem categoricamente o Você, o que pode sugerir uma mudança em progresso na língua; Os homens adultos e idosos preferem categoricamente o conservador Tu. Segundo Labov, esse comportamento mais conservador assumido pelos homens pode ser justificado por um maior grau de comprometimento com a norma padrão no exercício das atividades profissionais. O engajamento na vida adulta pelas exigências do mercado de trabalho pode levar o informante a assumir uma postura lingüística menos inovadora e, conseqüentemente, mais direcionada para o cumprimento da norma subjetiva da língua; Em relação à representação do sujeito pronominal, constata-se que os homens jovens realizam formalmente o Você, o que pode evocar a sua origem nominal como forma de tratamento Vossa Mercê formalmente pleno; Entre as mulheres jovens e adultas, observa-se a variação entre a representação nula e plena do Você: Na juventude e na fase adulta, prevalece o Você nulo. Há, pois, uma relação de semelhança com o legítimo pronome Tu cuja representação pronominal é nula em conformidade com o parâmetro de língua de sujeito nulo, cf. Duarte (1996); Na velhice, por seu turno, as mulheres preferem o Você categoricamente pleno, o que pode sugerir uma postura lingüística mais “solta” (de quem não tem mais nada a 161 perder na vida), de maior desprendimento em relação ao prestígio da norma subjetiva da língua. Passa-se ao estudo de painel, nos moldes Laboviano (1994), adaptando-o à apreciação da trajetória de vida dos missivistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães e buscando conjugar os seus resultados com os obtidos no estudo em tempo aparente (apparent time, cf. Labov 1994) a fim de mapear a progressão de uma mudança já efetivada no PB: a inserção de Você no sistema pronominal. 162 CAPÍTULO 6. O PRONOMINAL TU ESTUDO DE PAINEL EM SINCRONIAS PASSADAS: A REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO E VOCÊ EM CARTAS OITOCENTISTAS E NOVECENTISTAS. Tendo em vista que, como discutido no capítulo anterior, 1) a posição de sujeito mostrou-se um contexto favorável à implementação de Você; 2) os jovens da família em análise apresentaram maiores índices dessa forma em suas cartas; e 3) as mulheres empregaram mais Você que os homens, propõe-se um estudo pormenorizado do comportamento de cada indivíduo nas cartas escritas no decorrer do tempo. Este capítulo visa à depreensão do uso variável dos pronomes Tu e Você como sujeito, observando as suas representações nula e plena em um “estudo de painel” nos moldes Labovianos. Parte-se das análises diacrônicas de Duarte (1996) e Tarallo (1983) sobre a mudança em direção ao parâmetro de sujeito preenchido no PB35 que, por sua vez, termina o século XIX como uma língua de sujeito nulo, iniciando o seu processo de mudança a partir do século XX. O intuito é investigar a legitimidade de tal hipótese nas produções textuais de oito missivistas cultos (Dr. Pedreira, Fernando, Pe. Jerônimo, Maria Bárbara, Maria Elisa, Maria Joana, Maria Leonor, Maria Rosa) confeccionadas no decorrer de suas vidas, (panel study, cf. Labov 1994). A quantificação dos dados se efetivou, nas missivas oitocentistas, a partir da análise das cartas produzidas pelo Dr. Pedreira as quais têm como destinatários a filha Zélia e os demais filhos de um modo geral. Nas cartas novecentistas, levaram-se em conta somente as cartas pessoais trocadas entre irmãos de uma mesma família (a família Pedreira Ferraz – Magalhães) em estagnados lapsos de tempo. Esse rígido controle sobre as relações sociais travadas entre os missivistas e A marcação de parâmetro toma como base o quadro teórico de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981.). Segundo Silva (2006:45), “Pesquisas recentes (Duarte, 1993, 1995, 2003; Cyrino, Duarte & Kato, 2000; Kato e Duarte, 2003) sobre o português brasileiro (PB) revelam uma mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (de uma língua [+ sujeito nulo] para uma língua [sujeito nulo]) como conseqüência de reduções nos paradigmas pronominal e flexional.” 35 163 os destinatários das cartas visa à obtenção de um equilíbrio do teor de intimidade que serve como “pano de fundo” nas relações interpessoais entre todos os missivistas deste estudo de painel. Além disso, controlaram-se a idade e o gênero (sexo) dos remetentes e destinatários das cartas, a fim de depreender se a representação (nula ou plena) das formas Tu e Você como sujeitos pronominais pode ser socialmente motivada, como já observado na análise geral dos dados deste trabalho (capítulo 5, item 5.2). O comportamento lingüístico dos missivistas é analisado em relação ao emprego das formas Tu e Você como estratégias de referência ao interlocutor das cartas no decorrer de suas vidas como jovens, adultos e idosos. Os informantes Fernando, Pe. Jerônimo, Maria Joana, Maria Bárbara e Maria Rosa eram jovens de 26, 24, 26, 28 e 30 anos, respectivamente, ao passo que Maria Elisa, com 38 anos, Maria Leonor, com 33 anos, produzem suas missivas na passagem da idade adulta para a velhice, fase esta em que assumem as idades de 61 e 66 anos, respectivamente. As informantes Maria Joana e Maria Rosa são as únicas que têm os seus comportamentos lingüísticos delineados, no que se refere ao emprego das formas Tu e Você, desde a juventude, com 26 e 30 anos, passando pela fase adulta, com 31 e 33 anos, até alcançarem a velhice, fase em que atingem 61 e 70 anos, respectivamente. O Dr. Pedreira, por sua vez, é o único informante que tem o painel do seu comportamento lingüístico analisado no decorrer da sua velhice, mais precisamente entre os seus 50 e 70 anos, conforme se observa, no quadro 7, com a exposição das fases de vida de todos os missivistas em análise. Acredita-se que o fato de o estudo dos comportamentos lingüísticos dos missivistas Pe. Jerônimo, Maria Bárbara, Maria Joana, Maria Rosa, na juventude, e de Maria Leonor e Maria Elisa, na velhice, terem se dado a partir de uma ou duas cartas pode fragilizar a análise. No entanto, o trabalho com dados lingüísticos de sincronias passadas fica sempre submetido aos textos que sobreviveram à ação do tempo no interior dos 164 arquivos brasileiros. Foi, portanto, o que restou, à autora desta tese, como evidência da produção escrita dos jovens Pe. Jerônimo, Maria Bárbara, Maria Joana, Maria Rosa e dos idosos Maria Leonor e Maria Elisa. MISSIVISTAS DO ESTUDO DE PAINEL (Jovem) (Adulto) (Idoso) Fernando Pe. Jerônimo Maria Bárbara Maria Joana Maria Rosa Fernando Pe. Jerônimo Maria Bárbara Maria Elisa Maria Joana Maria Leonor Maria Rosa Dr. Pedreira Maria Elisa Maria Joana Maria Leonor Maria Rosa Quadro 7: Missivistas do Estudo de Painel. Um dos objetivos desta tese é o de descobrir se o desempenho lingüístico de membros da família Pedreira Ferraz – Magalhães, em controlados intervalos temporais, os evidenciam como estáveis ou instáveis em relação ao emprego das formas Tu e Você. Dito de outra forma: busca-se saber se o indivíduo evidencia uma trajetória de estabilidade ou delineia instabilidade no seu comportamento lingüístico, ao mudar de faixa etária. A fim de tentar dar conta dessa questão, esclarece-se que se entende por estabilidade a não alteração do comportamento lingüístico do missivista e por instabilidade a mudança no desempenho lingüístico em lapsos temporais que recobrem as fases da vida dos informantes (juventude, adultez e velhice), conforme prevê Labov (1994:98) no decorrer do tempo. Nos padrões de mudança lingüística discutidos, no capítulo 4, o comportamento instável do indivíduo pode configurar um padrão de gradação etária ou de mudança comunitária, ao passo que se o indivíduo é estável ter-se-ia o padrão de estabilidade ou de mudança geracional. A decisão quanto a um ou outro padrão de mudança só poderia ser confirmada a partir de uma análise da comunidade (estudo de tendências), o que não foi feito neste estudo por focalizarmos uma 165 família em particular. De qualquer forma, talvez seja possível traçar alguns indícios das motivações sociais que impulsionaram a substituição de Tu por Você com base nas observações feitas a partir do estudo de tempo aparente, discutido no capítulo 5, e no estudo de painel, proposto neste capítulo. Obviamente que se tem consciência do limite deste trabalho: trata-se da análise do comportamento lingüístico dos missivistas extraído das cartas de uma única família culta circunscrita no espaço sócio-histórico do Rio de Janeiro de fins do XIX e início do XX. A análise da estabilidade (manutenção) ou instabilidade (mudança) do comportamento do indivíduo ao mudar de faixa etária será feita a partir da observação do 1) uso de uma das duas formas nas cartas (somente Tu ou o emprego exclusivo de Você) ou 2) emprego das duas formas de tratamento em estudo (Tu e Você) na mesma missiva. Esses casos de comportamento variável obviamente serão levantados e descritos qualitativamente, visando à depreensão dos fatores lingüísticos e extralingüísticos que motivaram tal variação. Análises de orientação variacionista sobre a representação nula ou plena do sujeito pronominal no PB, no espanhol e no PE (cf. Duarte 2003; Paredes Silva 2003; Silva 2006) dialogam entre si, ao apontarem a mudança de referência ou condições de referência como uma das variáveis relevantes para a manifestação nula ou plena do sujeito pronominal. Os resultados desses estudos mais recentes reforçam os já projetados, na década de 80 (Bentivoglio (1980); Corvalán (1982); Lira (1982) apud Paredes Silva, 2003:104), que, por sua vez, ressaltavam a proeminência do fator mudança de referência no estudo da representação (nula ou plena) do sujeito. Com essa variável, conjecturase que a ausência ou a presença de elementos intervenientes entre o referente/sujeito e a sua primeira ocorrência favoreça, respectivamente, à expressão nula ou plena do sujeito. Partindo-se da hipótese, defendida por Duarte (1996), de que o PB, em fins do século XIX, ainda se constitua como uma língua de sujeito 166 nulo (língua “pro-drop”), passando a implementar o preenchimento do sujeito pronominal a partir do século XX, mais precisamente a partir de 193736, examina-se a representação pronominal das formas Tu e Você em cartas oitocentistas e novecentistas. A quantificação das ocorrências de Tu e Você como sujeito de segunda pessoa do discurso se deu, nas missivas oitocentistas e novecentistas, a partir do controle dos seguintes fatores extralingüísticos: o remetente, o destinatário, os seus respectivos gêneros (homem ou mulher) e as faixas etárias (jovens, adultos e idosos) a que pertencem. Atentou-se ainda para o grau de parentesco estabelecido entre o emissor e o receptor da carta. O controle do remetente e do destinatário da missiva é motivado pelo intuito de detectar se os usos de Tu e Você estão ou não condicionados à produção escrita do missivista, ao se dirigir especificamente a um determinado membro de sua família. Encadeado a esses fatores está também o controle do grau de parentesco entre o missivista e o destinatário da carta a fim de observar se o emprego de Tu e Você pode ou não ser acionado pela relação interpessoal travada no seio da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Busca-se ainda comprovar, na produção textual do idoso Dr. Pedreira, direcionada aos filhos e a filha Zélia, a hipótese de que os homens cultos idosos preferem o conservador Tu, corroborando os resultados de Lopes e Machado (2005) em relação à produção escrita do avô Christiano Ottoni que optava, nas suas cartas aos netos, pelo uso do conservador Tu em fins do século XIX. Além disso, pretende-se discutir, analisando meticulosamente o comportamento de cada Com base em uma amostra composta por peças teatrais cujo tom é popular, produzidas entre os anos de 1845 e 1992, Duarte (1996) analisa a progressão da representação do sujeito pronominal, relacionando a expressão pronominal plena à redução nos paradigmas flexionais no PB. Assim sendo, a autora chega à seguinte constatação: “Os resultados da pesquisa evidenciam o fato de que a redução no quadro de desinências verbais alterou as características de língua “pro-drop” que o português do Brasil apresentava antes de 1937.”, cf. Duarte (1996:123). 36 167 indivíduo, se foram realmente as mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães que impulsionaram o maior emprego de Você no PB. A apresentação dos resultados do estudo de painel será feita da seguinte maneira: a primeira tabela informa sempre o número de cartas em análise, o local e a data de escritura da missiva, a idade do remetente e do destinatário e, por fim, o índice percentual de freqüência de sujeito pleno e nulo em relação ao total de cada uma das formas (Tu e Você). Na configuração do gráfico, os percentuais de freqüência apresentados referem-se ao total de ocorrências das formas variantes em relação a um ano específico e não necessariamente em relação a cada carta como consta da tabela. 168 6.1 A estabilidade dos missivistas Dr. Pedreira, Fernando e Pe. Jerônimo: a preferência pelo Tu pronominal. ♦ Dr. Pedreira: um brasileiro idoso de fins do século XIX. O patriarca da Família Pedreira Ferraz – Magalhães (Dr.Pedreira) tinha 50 anos, quando escreveu a primeira das quatorze cartas analisadas, e 70 anos, quando produz a última. A documentação se insere no período da sua velhice, no Rio de Janeiro, entre os anos de 1876 e 1896, como se observa na tabela 1237. É bom relembrar que, nesta análise de painel, os percentuais de todas as tabelas referemse individualmente às formas Tu e Você como sujeitos pleno e nulo e não, ao total de ocorrências de tais formas na mesma carta. 37 169 CARTAS DO MISSIVISTA DR. PEDREIRA (INTERVALO DE 20 ANOS – DE 1876 A 1896) (13 CARTAS) DR. PEDREIRA IDOSO NO PRONOMES (ENTRE 50 E 70 ANOS) Local e data 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 RJ, 11.10.1876. RJ, 05.02.1877. RJ, 07.02.1877. RJ, 11.08.1877. RJ, 08.11.1878. RJ, 15.04.1879. RJ, 16.07.1879. RJ, 04.10.1879. RJ, 26.04.1884. RJ, 30.08.1885. RJ, 20.05.1886. RJ, 23.06.1893. RJ, 11.08.1896. Idade do Remetente 50 51 51 51 52 (13 CARTAS) Destinatário (Irmãos) Filhos Zélia (*RJ, 05.04.1857.). Zélia (*RJ, 05.04.1857.). Zélia (*RJ, 05.04.1857.). Zélia (*RJ, 05.04.1857.). 53 53 53 Filhos Zélia (*RJ, 05.04.1857.). Zélia (*RJ, 05.04.1857.). 58 59 60 67 70 Filhos Zélia (*RJ, 05.04.1857.). Zélia (*RJ, 05.04.1857.). Zélia (*RJ, 05.04.1857.). Zélia (*RJ, 05.04.1857.). TOTAL Idade do Destinatário - TU VOCÊ Nulo - Pleno - Nulo - 01/06 (17%) - - - 01/06 (17%) 01/09 (11%) - - - - - - 05/06 (83%) 01/01 (100%) 05/06 (83%) 08/09 (89%) - Pleno 01/01 (100%) - - 22 - - - 22 12/12 (100%) - - - 01/01 (100%) 01/01 (100%) - - - 01/01 (100%) - - - - - 20 20 20 21 28 29 36 39 01/01 (100%) 01/01 (100%) - 02/02 (100%) 02/02 (100%) Tu Tu Você Você Nulo Pleno Nulo Pleno 36/39 03/39 05/05 (92%) (08%) (100%) 39/44 05/44 (89%) (11%) 44/44 (100%) Tabela 12: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas do Dr. Pedreira aos filhos entre os anos de 1876 e 1896. 170 O missivista Dr. Pedreira produz cartas direcionadas a sua filha Zélia e aos filhos que estavam, no período de 1876 e 1896, entre os seus 20 e 39 anos. Enquanto nestas missivas, o autor se refere genericamente à filha Zélia, ao seu genro (Jerônimo de Castro) e aos seus netos, naquelas, o informante faz referência especificamente à filha Zélia. A análise da performance lingüística do Dr. Pedreira o evidenciou como um informante que privilegia o emprego do Tu, em 89% dos dados (39 ocorrências), optando por não expressá-lo foneticamente, em 92% dos casos (36 ocorrências). É interessante considerar que, nas cartas destinadas aos filhos em geral, o Dr. Pedreira parece preferir tratá-los com o pronome Você. Observe-se que, de (01) a (03), a expressão plena do sujeito Você é motivada, sobretudo, pela mudança de referência. O fato de o sujeito da oração principal (‘eu’, marcado nas desinências das formas verbais ‘vi’ e ‘cuidarei’, e ‘elle’, respectivamente) ser diferente do sujeito da oração subordinada (Você) leva ao preenchimento do sujeito, cf. Duarte (2003); Paredes Silva (2003). (01) “Ahi vão as suas encomendas e Algumas de caza e uvas de que vi Você achar gosto. Muito cuidado, muito cuidado nos filhos com a saude de [ambos] e ate breve por todo o mez de Novembro como lhes prometti” (Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 11.10.1876.) (02) “Cuidarei do mais sobre que Você falou-me.” (Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 15.04.1879.) (03) “Elle tem procurado por isso e arrepudido de Você meu filho ter entendido mal o que elle disse.” (Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 26.04.1884.) Nas cartas destinadas a Zélia, o informante Dr.Pedreira prefere tratá-la por Tu. É interessante examinar um trecho da carta direcionada aos filhos na qual o informante faz referência à Zélia através da forma pronominal Tu, como é possível observar em (04). 171 (04) “Deves, Zelia, ter recebido uma cartinha minha hontem ou hoje.” (Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 27.05.1895.) No desenrolar de 20 anos da velhice do Dr. Pedreira, observa-se a sua estabilidade em relação à produtividade do Tu pronominal para fazer referência à filha Zélia como interlocutora de suas cartas. 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 0% 1877 (51 anos) -10% 8% 0% 1878 (52 anos) 1879 (53 anos) 0% 1885 (59 anos) 0% 1886 (60 anos) 0% 1893 (67 anos) 0% 1896 (70 anos) Você Gráfico 5: Comportamento lingüístico do Dr. Pedreira em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso nas cartas destinadas à filha Zélia entre os anos de 1877 e 1896. Nas cartas produzidas pelo Dr. Pedreira idoso, num intervalo de 19 anos (entre 1877 a 1896), em fins do século XIX, observa-se a baixa produtividade do Você pronominal na função de sujeito, alcançando o máximo de 08% dos dados, correspondente a uma única ocorrência, na carta de 1879 destinada a Zélia, como se observa em (05). (05) “Desta vez como não foi remetida ou recém mandada por mim a caixinha de encomendas que tua Mãe mandou para [inint.] a Rozinha tem havido demora sendo provavel que á esta ‘ora já Você tenha recebido.” (Carta do Dr. Pedreira a filha Zélia. Rio de Janeiro, 16 de julho de 1879.) Há de se assinalar que, em quatro cartas do Dr. Pedreira à filha Zélia e, em uma carta direcionada aos filhos, foram identificadas ocorrências de Vocês combinando-se com formas de P2 (Tu), o que 172 evidencia a não uniformidade de tratamento como um traço peculiar a produção escrita do idoso Dr. Pedreira em fins do século XIX. Em duas ocorrências de Vocês – (06) e (07) –, tem-se o emprego de Vocês na função de sujeito da oração e, nas outras duas – (08) e (09) –, o Vocês assume a função de complementos verbais regidos por preposição. As ocorrências de Vocês na função de sujeito que, obviamente não entraram no cômputo dos dados, corroboram a hipótese de que tal forma tenha suplantado o Vós, considerado, já no século XVIII, um traço arcaizante do português, conforme Cintra (1972). É possível ainda dialogar com os resultados de Lopes e Machado (2005) em relação às cartas do avô Christiano Ottoni aos seus netos, em fins do século XIX. Além de o avô-professor da família Ottoni usar categoricamente a forma Vocês na função de sujeito, opta preferencialmente por não expressá-lo (sujeito nulo), em 57% dos dados, aproximando-se à alta produtividade do legítimo Tu pronominal numa língua que, em fins do século XIX, ainda é de sujeito nulo, segundo Duarte (1996). (06) “Escrevo te para contar te que fiz bôa viagem e achei todos com saúde, tendo noticias do Zuzú. Bem desejo que continues a passar bem de tua dupla existencia, referindo me ao teu marido e tríplice pelo fructo abençoado e proximo do teu feliz consorcio. (...) Convem que Vocês d’ahi escrevão cartas a elle comprimentando pelo seu anniversario.” (Carta do Dr. Pedreira a filha Zélia. Rio de Janeiro, 05.02.1877.) (07) “Esta é para ser lida, quando tiveres algum lazer, ou hora vaga, nestas vesperas de festas e de hospedagem. Sinto até por isso, desde que podia ajuda-los e os accompanhar nesses actos, o impossivel de estar com Vocês agóra.” (Carta do Dr. Pedreira a filha Zélia. Rio de Janeiro, 11.08.1877.) (08) “(...) Figuro queestás perto de mim, e no pensamento beijo te, abraço e te abençôo, elevando minhas preces aos Pés deDeos pela tuafelicidade. Amo á Vocês todos muito muito; tanto quanto cabe de sentimento no coração paternal” (Carta do Dr. Pedreira a filha Zélia. Rio de Janeiro, 08.11.1878.) (09) “Hoje recebi uma cartinha tua Zelia e quando já os esperava mais cedo, chegou a noticia (...) Assim seja Que a prole numerosa e Vocês todos aproveitem.” (Carta do Dr. Pedreira aos filhos. Rio de Janeiro, 27.05.1895.) O Dr. Pedreira, talvez já por ser idoso, não apresentou, nas cartas escritas aos filhos, mudança de comportamento lingüístico dos 50 aos seus 70 anos. No geral, o tratamento preferido é o Tu íntimo como 173 sujeito nulo: uso condizente com o esperado em uma língua cujo parâmetro ainda é o de sujeito nulo, em fins do século XIX, conforme previsto por Duarte (1996), e corroborado por Lopes e Machado (2005), com as cartas do casal de idosos da família Ottoni nas relações íntimas familiares. 174 ♦ Fernando: um homem jovem em inícios do século XX. A análise do comportamento lingüístico do missivista Fernando, na passagem da juventude (26 anos) para a idade adulta (40 anos), se dá com base em trinta e quatro cartas, produzidas no decorrer do primeiro quartel do século XX – período que compreende os anos de 1919 a 1933 –, nas cidades brasileiras do Rio de Janeiro e de São Paulo e, no exterior – Bélgica (Enghien), França (Vals) e Itália (Firenze) –, conforme se observa na tabela 13. 175 CARTAS DO MISSIVISTA FERNANDO (INTERVALO DE 14 ANOS – DE 1919 A 1933) (34 CARTAS) N O 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 PRONOMES (ENTRE 26 E 30 ANOS) Local e data 1 RJ (Friburgo), 06.11.1919. RJ (Friburgo), 14.12.1919. SP, 05.01.1920. RJ (Friburgo), 01.09.1920. França (Vals), 20.12.1920. França (Vals), 27.12.1920. França (Vals), 20.02.1921. França (Vals), 07.03.1921. França (Vals), 10.04.1921. França (Vals), 13.11.1921. França (Vals), 13.11.1921. França (Vals), 18.03.1922. França (Vals), 24.03.1922. Bélgica (Enghien), 23.10.1922. Bélgica (Enghien), 15.11.1922. Bélgica (Enghien), 22.12.1922. Bélgica (Enghien), 28.03.1923. Bélgica (Enghien), 04.06.1923. Bélgica (Enghien), 12.06.1923. Idade do Remetente 26 (19 CARTAS) Destinatário (Irmãos) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). Jerônimo Idade do Destinatário 38 22 23 24 25 26 27 28 - Nulo 02/04 (50%) - Pleno 02/04 (50%) - - - - - - - - - 05/05 (100%) 01/02 (50%) - irmão - 27 irmão - 27 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). Maria Leonor (RJ, 28.09.1880). Maria Leonor (RJ, 28.09.1880). Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). Maria Elisa (RJ, 27.04.1877). Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877). irmã 39 40 - - 41 05/05 (100%) - - - - 01/02 (50%) 01/01 (100%) 02/09 (22%) - - - - - - - - - Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). 41 04/04 (100%) 02/02 (100%) 02/02 (100%) 03/03 (100%) 08/08 (100%) 07/09 (78%) 02/02 (100%) - - - - - - - 29 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). 41 24/24 (100%) - 02/05 (40%) 03/05 (60%) 29 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). 41 06/06 (100%) - - - 30 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). 42 07/07 (100%) - 01/01 (100%) - 30 Maria Elisa (RJ, 27.04.1877). 46 10/10 (100%) - - - 30 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). 42 11/12 (92%) 01/12 (08%) - - 27 28 28 28 28 28 29 29 29 40 44 40 44 - 41 - Tu Tu Você Você Nulo Pleno Nulo Pleno 86/87 01/87 09/29 20/29 (99%) (01%) (31%) (69%) 87/116 29/116 (75%) (25%) 116/212 (55%) (15 CARTAS) 21 VOCÊ Pleno 27 38 FERNANDO ADULTO (1924 – 1933) (INTERVALO DE 09 ANOS - ENTRE 31 E 40 ANOS) Bélgica (Enghien), 07.09.1924. Bélgica (Enghien), 22.11.1924. Bélgica (Enghien), 01.01.1925. Bélgica (Enghien), 09.01.1925. Bélgica (Enghien), 12.03.1925. Bélgica (Enghien), 30.05.1925. Bélgica (Enghien), 17.09.1925. Bélgica (Enghien), 27.06.1926. Itália TU Nulo 02/02 (100%) 01/01 (100%) 01/01 (100%) - 26 TOTAL 20 176 FERNANDO JOVEM (1919 – 1923) TU Nulo VOCÊ Pleno Nulo Pleno 31 irmão - 06/06 (100%) - - - 31 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). 43 06/06 (100%) - - - 32 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). 44 12/12 (100%) - - - 32 irmã - 06/06 (100%) - - - 32 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). 44 17/17 (100%) - - - 32 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881). 44 14/15 (93%) 01/15 (07%) - - 32 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881) 44 12/12 (100%) - - - 33 Maria Elisa (RJ, 27.04.1877) 49 04/04 (100%) - - - - 02/02 - - - 34 177 Tabela 13: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas do missivista Fernando entre os anos de 1919 e 1933. 178 O missivista Fernando emprega, em sua juventude, ora o Tu, ora o Você com o predomínio daquele (75% dos dados – 87 ocorrências) sobre este (25% dos dados – 29 ocorrências). Acrescente-se que o emprego do Tu dá-se formalmente não preenchido em 99% dos dados (94 ocorrências) e, em somente 01 % dos dados (01 ocorrência), o Tu apresenta-se pleno. Ainda em sua fase adulta, observa-se, em somente 01% dos dados, uma única ocorrência do inovador Você. Tal ocorrência de Você pleno se dá em carta produzida, no ano 1927, e dirigida ao seu irmão Jerônimo. 90% 80% 78% 70% 60% 64% 52% 50% 40% 30% 20% 20% 10% 10% 0% 1919 (26 -10%anos) 3% 1920 (27 anos) 1921 (28 anos) 1922 (29 anos) 1923 (30 anos) 0% 1924 (31 anos) 0% 1925 (32 anos) 0% 1926 (33 anos) 1927 (34 anos) 0% 1928 (35 anos) 0% 1929 (36 anos) 0% 1933 (40 anos) Você Gráfico 6: Comportamento lingüístico do missivista Fernando em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1919 e 1933. Com base na análise da tabela 13, fica claro que o Fernando utiliza mais Tu do que Você – 75% dos dados, na juventude, e 99%, na fase adulta. Ainda que, no gráfico 6, se observe, especificamente nas suas cartas dos anos 20 e 21, a preferência do jovem missivista pelo Você (em 78% e 52% dos dados, respectivamente) não dá para afirmar taxativamente que o missivista assuma um comportamento instável ao passar de jovem a adulto, uma vez que o informante segue a sua vida adulta, optando pelo Tu pronominal em detrimento do Você a partir de 179 1922, momento em que ele tinha 29 anos, até 1933, momento em que atinge 40 anos (90% (29 anos) → 97% (30 anos) → 100% (31 anos) → 80% (34 anos) → 100% (35-40 anos)). Atente-se para o comportamento variável assumido por Fernando no decorrer da sua juventude, mais precisamente entre os anos de 1919 e 1921. Nessa época, entre os seus 26 e 28 anos de idade, em cartas destinadas a um irmão não identificado e aos irmãos adultos Jerônimo, Maria Leonor e Maria Elisa, observa-se a preferência do informante pelo inovador Você, empregando-o em 64%, 78% e 52% dos dados das cartas redigidas em 1919, em 1920 e, em 1921, respectivamente. É interessante observar os contextos lingüísticos da variação Tu versus Você numa mesma carta. Ainda que o missivista Fernando tenha priorizado tratar os irmãos por Tu¸ empregou esporadicamente o Você, na carta a Maria Leonor (França, 20.02.1921 (01 ocorrência – 17% dos dados)), e em duas missivas destinadas a Jerônimo – Bélgica, 15.11.1922 (05 ocorrências – 17% dos dados) e Bélgica, 28.03.1923 (01 ocorrência – 12% dos dados) –, como é possível observar de (10) a (14). (10) “(....) Agradeço tudo o que me Ø dizes; é para mim um consolo o receber noticias de meus queridos irmãos. Então você tem estado um pouco fraquinha, um pouco incommodada, pelo que me dizes, não é?” (Carta de Fernando a irmão Maria Leonor. França, Vals, 20.02.1921.) (11) “O Bebê me escreveu do livro sobre os escriptos, i. é, da publicação dos escriptos de mamãe. A idéa é optima, mas não seria melhor fazel-o você mesmo que já Ø conhece tudo e que Ø tem maior facilidade por estar ahi no Brasil? Tenho medo que se percam em escriptos preciosos, menos registrados. Enfim, de minha parte estou plenamente de accordo com tudo o que Ø julgares.” (Carta de Fernando a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922.) (12) “No que diz respeito ao Adolescente, depois de haver considerada a tua idea, penso o seguinte: si te for possivel publical-o dentro de poucos mêses (uns 6), seria mais util talvez que você mesmo o fizesse; si pelo contrario, terei o maior gosto em preparal-o como Ø desejas, o plano é excellente.” (Carta de Fernando a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922.) (13) “Em summa, si ha pressa, eu te peço que o Ø publiques juntamente com os outros escriptos, ou que você mesmo o prepare para apparecer, segundo o nosso plano, sem nem de longe julgar que fico sentido por isso (...)” (Carta de Fernando a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 15.11.1922.) 180 (14) “Enviei no mez passado, i. é, no dia 12 deste, para a "A União" do Rio, um resumo da biographia de nossa Mamãe. Copiei e resumi varios trechos da que você escreveu e ajuntei varios factos que presenciara. Quiz pedir-te licença previamente, mas Bebê me aconselhou a mandar logo o artigo, certo de que o Ø has de approvar.” (Carta de Fernando a Jerônimo. Bélgica, Enghien, 28.03.1923.) (15) “Bebe escreveu-me hontem. Estive com elle em Petropolis. Sempre bem e animado. Quer publicar como supplemento á 3a edição, em pequeno livro do mesmo formato, os Conselhos, cartas etc que não se aham no texto. Se as Vozes38 acceitarem, não vejo nisso dificuldade, mas você é quem deve resolver. (...) [espaço] Não Ø imaginas como apreciei os nossos parentes de Portugal ! São de uma cordialidade, de um affecto extraordinario !” (Carta de Fernando a Jerônimo. São Paulo, 16.11.1927.) Em (10), Fernando inicia o período com Tu nulo “(...) o que me dizes” passando ao emprego de Você. Nesse caso, observa-se o uso de um Você indireto em que Fernando reporta a notícias sobre a irmã (Maria Leonor) anteriormente recebidas. Tem-se, pois, o emprego de Você como uma referência indireta atribuída a outro momento do discurso da sua interlocutora (Maria Leonor). É como se o missivista expusesse a notícia sobre a débil saúde da irmã como uma informação proveniente da “boca” da sua interlocutora. Tanto parece ser assim que, ao retomar o contato direto com a irmã Maria Leonor, Fernando opta pelo Tu nulo, interrogando-a, no interior do mesmo período, através da forma verbal ‘dizes’. O contexto de discurso reportado, que parece ter se mostrado favorável ao emprego do Você nas cartas do missivista Fernando, foi inicialmente percebido por Lopes e Machado (2005), nas cartas do avô Ottoni aos netos, e por Lopes (2007), nas cartas de Carlos Nunes Aguiar direcionadas a Rui Barbosa. Parece confirmar-se a hipótese defendida por Lopes (2007) de que o Você ainda possua uma Nesse caso, o vocábulo Vozes remete a Editora Vozes responsável pela publicação de dois livros sobre a vida de Zélia sob a autoria de seu filho, o Pe. Jerônimo. Trata-se das seguintes referências bibliográficas: PEDREIRA DE CASTRO, P. Jerônimo. (1960). Zélia ou Irmã Maria do SS. Sacramento. Vida exemplar de uma mãe cristã, que terminou seus dias junto a Jesus Sacramentado. Petrópolis: Editora Vozes, VII Edição. __________. (1943). Segundo Livro de Zélia (Irmã Maria do Santíssimo Sacramento). Seus escritos espirituais, cartas e exemplos. Petrópolis: Editora Vozes. 38 181 motivação discursiva que tudo indica envolver um maior grau de distanciamento em oposição a um maior grau de intimidade do Tu. De (11) a (13), respectivamente, observa-se que o emprego do Você pleno parece ser funcionalmente motivado. Nesses dados de Você ilustrados em (11), (12) e (13), tem-se o Você pleno para enfatizar39 que seria melhor que fosse o irmão Jerônimo a publicar os escritos de sua mãe Zélia, sugerindo-lhe que não delegasse, portanto, essa tarefa a outra pessoa. Em (11), têm-se duas ocorrências do Você nulo numa seqüência de duas orações relativas coordenadas entre si, conforme já constatado por Duarte (2003), em dados de fala, e por Lopes (2007), nas correspondências de Aguiar destinadas à Rui Barbosa (séc. XIX): “A idéa é optima, mas não seria melhor fazel-o você mesmo que já Ø conhece tudo e que Ø tem maior facilidade por estar ahi no Brasil?” Esclareça-se que Duarte (2003) aponta o contexto sintático da coordenação como contexto de resistência à expressão nula do sujeito pronominal (sujeito nulo) e a ambiência sintática da oração relativa encabeçada por elemento qu- como deflagradora do preenchimento do sujeito (sujeito pleno) no PB. Em (14), examina-se o emprego do Você no contexto sintático de uma construção relativa, corroborando a hipótese de Duarte (2003) em “O espanhol exigiria o apagamento do pronome sujeito, permitindo sua expressão em casos excepcionais, como ênfase e constraste, segundo Fernández Soriano (1999 apud Silva 2006:50)” Ex.: ‘Él mismo lo ha resuelto./*Mismo lo ha resuelto.’ (‘Ele mesmo resolveu isso.’/‘*Mesmo resolveu isso.’)”. De acordo com Fernández Soriano, no espanhol, língua por excelência de sujeito nulo, há o preenchimento em casos excepcionais de ênfase e contraste. O autor aponta que, com o vocábulo “mesmo”, o apagamento do sujeito seria agramatical. Nos dados das cartas trocadas entre irmãos em análise, observa-se que, em casos de ênfase, como se observa de (11) a (14) e, em casos de contraste, como se observa, em (15), o pronome Você tende a se mostrar pleno, corroborando a tendência assumida para uma marcação negativa em relação ao parâmetro de língua de sujeito nulo [- sujeito nulo] como resultado da redução do paradigma pronominal e flexional de seis pessoas do discurso (eu falo, tu falas, ele fala, nós falamos, vós falais, eles falam) para quatro pessoas do discurso (eu falo, tu/você/ele/a gente fala, nós falamos, eles/vocês falam). Essa reestruturação do paradigma pronominal e flexional do PB é acionada com a inserção das formas Você, que passa a concorrer com o Tu em fins do século XIX (cf. Lopes e Machado (2005:49), e A gente, que segundo Lopes (1999/2003:158), passa a assumir, no século XVIII, a fase embrionária do seu processo de gramaticalização no PB. 39 182 relação ao preenchimento do sujeito ser favorecido por palavras qu- em orações relativas do PB. Acrescente-se ainda o fato de haver, de (11) a (14), uma motivação enfática calcada no intuito de marcar claramente através da realização plena do Você que a biografia de Zélia deve ser produzida pelo irmão Jerônimo (e não por outra pessoa). É como se o missivista Fernando transferisse para o seu irmão Jerônimo toda a responsabilidade pela veracidade dos trechos da biografia de Zélia, voltando-se, pois, ao irmão através do inovador Você. Em todos esses casos, percebe-se uma motivação discursivo-pragmática para o emprego do Você. Em (15), tem-se a única ocorrência de Você produzida por Fernando, em 1927, com 34 anos, em carta direcionada a Jerônimo, com 46 anos, evidenciando um ligeiro decréscimo na curva ascendente do Tu cujas freqüências de uso se mantém em ascendência até 1933. Ao corresponder-se com o irmão Jerônimo, o missivista Fernando opta pelo Você pleno, conferindo, ao irmão Jerônimo, poder de decisão no trabalho de confecção da biografia de sua mãe Zélia. Nesse caso, parece que o Você preenchido pode remeter a contraste – “(...) você é quem deve resolver” –, não outra pessoa qualquer. Na passagem da juventude para a adultez de Fernando, é delineada, desde 1922 até 1933, uma curva descendente do Você (10% → 03% → 0% → 0% → 0% → 20% → 0% → 0% → 0%) e a conseqüente curva ascendente do Tu (90% → 97% → 100% → 100% → 100% → 80% → 100% → 100% → 100%) nas cartas destinadas aos irmãos adultos Maria Elisa, João José, a irmãos não identificados e ao irmão adulto e já idoso Jerônimo. Mesmo não tendo sido feito o cômputo dos dados de Vocês e dos dados de Você em funções sintáticas diversas da função de sujeito, será proveitoso expô-los em análise qualitativa. Em (16), observa-se uma ocorrência de Vocês como parte da expressão ‘quanto a’, em ‘quanto a vocês’ numa referência ampliada aos demais irmãos. Verifica-se, em (17), uma ocorrência da forma Você em coexistência com formas 183 vinculadas a P2 (Tu): o possessivo ‘tua’ e o oblíquo sem preposição ‘te’. Interessante observar que esses dados de Vocês, expostos em (17) e (18), e o dado de Você, em (19), convivem, numa mesma carta, com ocorrências do pronome possessivo tua e do pronome objeto te – “(...) ele lembra-se muito de você e mostra-se muito amigo. [espaço] E essa tua Missão com o Senhor Bispo, meu querido irmão, tem produzido muito fructo e não te tem fatigado muito ?” (RJ, 01.09.1920); “Espero ver-te aqui durante as férias, não é ?”/“Todos lembram-se muito de você e mandam-te lembranças.” (SP, 16.11.1927.) Trata-se, pois, de evidências de que o pronome possessivo (teu/tua) e o pronome oblíquo sem preposição (te) apresentam-se como contextos de resistência do Tu, corroborando os resultados da análise geral dos dados apresentados no item 5.2 deste trabalho. (16) “Continuo bem de saúde, satisfeito, mas com muito trabalho. De resto não tenho novidades e vou para a Europa, com a mesma facilidade, com que iria para o Rio ou para São Paulo ... a mamãe já nos espera lá em cima; quanto a vocês, estamos, do mesmo modo, separados... Escreverei agora mais vezes, pois terei mais tempo.” (Carta de Fernando a um irmão. RJ, Friburgo, 01.09.1920.) (17) “O Padre Parisi veiu aqui pegar o retiro dos alumnos e voltou agora para fazer o próprio, em que entrou hontem; ele lembra-se muito de você e mostra-se muito amigo. [espaço] E essa tua Missão com o Senhor Bispo, meu querido irmão, tem produzido muito fructo e não te tem fatigado muito ?” (Carta de Fernando a um irmão. RJ, Friburgo, 01.09.1920.) (18) “Gostei tambem muito da casa do Santo onde vivem os dois casaes, o do Fernando e o da Hellena, mas como não têm filhos, a casa é menos alegre. - O Jé Leite levou-me por toda a parte de automovel, e no ultimo dia, que coincidiu com os annos delle, tive o prazer de jantar em sua casa, onde me hospedára, com toda a familia reunida. Todos lembram-se muito de você e mandam-te infindas lembranças. - Não acabaria se quizesse contar tudo: fica para quando nos vermos...” (Carta de Fernando a Jerônimo. SP, 16.11.1927.) (19) “Amalia, muito bem, calma, affetuosa, trabalhando muito em harmonia com a Superiora. Creio que gostou immenso da minha visita de 15 dias. Monsenhor Pires, o Senhor Arcebispo, a familia Peixoto etc. etc. trataram-me com uma delicadeza extraordinaria . Recebi varias visitas que eram destinadas a você.” (Carta de Fernando a Jerônimo. SP, 16.11.1927.) Enfim, a análise do comportamento lingüístico do missivista Fernando evidenciou, no decorrer de dez anos de sua idade adulta (entre 1923 e 1933), uma trajetória de vida estável em relação a sua 184 preferência pelo Tu para se referir aos irmãos nas cartas em análise. Na juventude, o informante Fernando demonstrou que, motivado pragmaticamente, poderia tratar os irmãos por Você. Ao passar a fase adulta, como já foi mencionado, o missivista optou, quase preferencialmente, pelo Tu pronominal quer para fazer referência aos irmãos adultos, quer para fazer referência ao irmão idoso Pe. Jerônimo. 185 ♦ Jerônimo: um homem jovem em inícios do século XX. Com base em uma amostra composta por doze cartas confeccionadas – uma redigida no exterior (Paris) e as demais produzidas em diversas cidades brasileiras (Bahia, Ceará, Fortaleza, Minas Gerais, Recife e Vitória) – pelo missivista Jerônimo para os seus irmãos Fernando, Maria Elisa, Maria Joana e Bebê, entre os anos de 1905 e 1931, constatou-se a preferência pelo Tu, em 74% dos dados (75 ocorrências), conforme se observa na tabela 14. O uso do inovador Você nunca é categórico nas cartas em análise, mostrando-se sempre em variação com o conservador Tu. 186 CARTAS DA MISSIVISTA PE. JERÔNIMO (INTERVALO DE 26 ANOS – DE 1905 A 1931) (12 CARTAS) PE. JERÔNIMO JOVEM (EM 1905, COM 24 ANOS.) NO PRONOMES (01 CARTA) TU 1 Local e data Idade do Remetente Destinatário (Irmãos) Idade do Destinatário Paris, 15.10.1905. 24 Fernando (*RJ, 04.09.1893.) 12 Nulo 3 Fortaleza, 10.09.1919. 38 4 Fortaleza, 25.10.1919. Bahia, 08.05.1920. 38 6 Bahia, 08.07.1920. 39 7 Minas Gerais, 1923 42 8 Vitória, 20.07.1925 44 9 Minas Gerais, 21.09.1925. 44 10 Minas Gerais, 23.11.1925. 44 11 Recife, 14.04.1930. 49 12 Minas Gerais, 16.11.1931. 50 5 39 TOTAL Pleno 22/22 (100%) - 22/24 (92%) 24/102 (24%) (11 CARTAS) 38 - Nulo 02/24 (08%) PE. JERÔNIMO ADULTO (1919 – 1931) (INTERVALO DE 12 ANOS - ENTRE 38 E 50 ANOS) Ceará, 08.02.1919. Pleno 02/02 (100%) TOTAL 2 VOCÊ Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.) Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.) Irmão Bebê Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) TU Nulo VOCÊ Pleno Nulo Pleno 42 04/04 (100%) - - - 42 01/01 (100%) - - 01/01 (100%) - 02/02 (100%) 08/08 (100%) - - - - - - 27 22/22 (100%) - 01/02 (50%) 01/02 (50%) 30 15/15 (100%) - - - 39 08/08 (100%) - - - 32 06/06 (100%) - - - 32 03/03 (100%) - - - 44 01/01 (100%) - - - 45 03/03 (100%) - 01/02 (50%) 01/02 (50%) 27 Tu Tu Nulo Pleno 73/73 (100%) 73/78 (94%) Você Você Nulo Pleno 02/05 03/05 (40%) (60%) 05/78 (06%) 78/102 (76%) TU 75/102 (74%) VOCÊ 27/102 (26%) 102/102 (100%) Tabela 14: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pelo informante Pe. Jerônimo aos irmãos entre os anos de 1905 e 1931. 187 Jerônimo, em sua juventude com 24 anos, ao referir-se ao seu irmão Fernando, optou pelo Você pronominal, em 92% dos dados (22 ocorrências) com somente 08% de Tu correspondentes às duas únicas ocorrências de tal pronome não expresso (nulo). Ainda com base em somente uma única carta produzida pelo jovem Fernando, em Paris, observa-se que o autor optou, nessa carta, pelo emprego categórico (22 ocorrências – 100% dos dados) do Você como sujeito expresso (pleno), o que é possível observar de (20) a (22). (20) “Eu te agradeço muito tantas florsinhas que você faz por mim: é impossivel que eu não fique bom, porque nossa Mamãe do Céo é cheia de amor por nós. Ella te ama muito, meu Fernandinho, porque você é sempre um bom menino, muito amigo de Mamãe. Nosso Senhor acceita as orações dos corações innocentes como o teu: eu sou muito feliz de ser curado de minha surdez em merecimentos de tuas florsinhas. Bebê me diz que você fez 2000 coisas boas. Que numero grand[e] Como você deve estar piedoso e bonsinho !” (Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) (21) “Meu Fernandinho, eu gostei de saber que você recebeu os bilhetes postaes que te mandei; mas você me escreveu dizendo para não mandar mais, porque você pensa que é muito caro.” (Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) (22) “Em todas as cartas que Bebê me escreve, conta me que você está passeiando: Eu penso pois que meu irmãosinho passeia muito, mas eu fico muito contente porque assim você fica conhecendo todos esses logares e mais tarde servirá muito para fallar sobre elles.” (Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) A análise das ocorrências de Você, em (20), (21) e (22) permite tecer duas considerações gerais: 1ª) o missivista Jerônimo opta ora por formas de P2 (Tu), ora por formas de P3 (Você), ao se reportar ao interlocutor Fernando, o que demonstra o emprego não uniforme de tais estratégias pronominais; 2ª) o fato de o Você mostrar-se categoricamente pleno na carta em análise pode ser considerado um reflexo da não manutenção do mesmo sujeito/referente na sentença (cf. Duarte, 2003; Paredes Silva, 2003) aliado ao fato de o Você se apresentar em orações encabeçadas pelo elemento qu- ou por conjunções subordinativas, conforme Duarte (2003). 188 Nessa carta do jovem Pe. Jerônimo que, com 24 anos se dirige ao ainda menino Fernando (12 anos), apesar de se tratar de um irmão mais velho escrevendo para um mais novo, a carta sugere um relacionamento de muita afinidade e intimidade entre os irmãos. Tal é o grau de envolvimento, que o missivista a constrói com inequívocos traços de oralidade, transportando-se para o universo infantil. São eles: o uso do diminutivo nos vocativos ‘meu irmãosinho’, ‘meu Fernandinho’, nos substantivos ‘florsinhas’, ‘bonsinho’; e o emprego de uma linguagem voltada para a educação religiosa e infantil repleta de estímulos e expressões de incentivo: (‘nossa Mamãe do Céo’ é cheia de amor por nós.', ‘Nosso Senhor acceita as orações dos corações innocentes como o teu’, ‘Bebê me diz que você fez 2000 coisas boas. Que numero grand[e] Como você deve estar piedoso e bonsinho !’). Acrescente-se ainda a combinação de Você com formas pronominais relacionadas a Tu (Você ~ te, teu, tuas) como “reflexos de um passado distante e de um futuro próximo”, como constataram Lopes e Machado (2005:64) em relação ao sincretismo entre a segunda e terceira pessoas nas cartas oitocentistas confeccionadas por Barbara Ottoni. Na missiva produzida aos 24 anos, em 1905, Pe. Jerônimo, apesar de preferir o Você pronominal para fazer referência ao jovem irmão Fernando, o trata, em duas únicas ocorrências, por o Tu categoricamente não preenchido, como se observa em (23) e (24). (23) “Que alegria quando eu voltar Padre para o Brasil, não é? Mamãe, Papae Papae Pedreira, todos ficarão contentíssimos, não Ø achas ? Eu penso que você deve ajudar minha 1a Missa junto com Bebê.” (Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) (24) “Eu te peço que Ø dês muitas lembranças minhas á titia Mimi e Titia Miná. Um apertado abraço em Papae e Papae Pedreira.” (Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) Passa-se à análise qualitativa de três cartas em que o adulto missivista Pe. Jerônimo evidenciou um comportamento variável entre o emprego das formas pronominais Tu e Você. Trata-se de cartas 189 produzidas pelo Pe. Jerônimo para as irmãs adultas Maria Elisa (em Fortaleza, 10.09.1919), Maria Joana (em Minas Gerais, 16.11.1931) e ao jovem irmão Fernando, na Bahia, 08.07.1920. Em sua idade adulta, o missivista Pe. Jerônimo seleciona o Tu, em 94% dos dados (73 ocorrências), para tratar os irmãos, preferindo categoricamente não preenchê-lo formalmente. Apesar de ter sido constatado o emprego esporádico da forma pronominal Você, levantaram-se ainda cinco ocorrências de tal pronome. Em três ocorrências (60% dos dados) temse o Você pleno e, em somente duas ocorrências (40% dos dados), o Você mostrou-se nulo, como se verifica de (25) a (27). (25) “Minha desolada Isa, [espaço] Nossa Jane foi eloquente nestas duas cartas que te dirige. Nada direi de mim: deixo você adivinhar tudo. Nossa Mamãe havia completado sua bella missão: foi para o Céo. Eu soffro mais por minhas seis irmãs do que mesmo por Mamãe” (Carta de Pe. Jerônimo a Maria Elisa. Fortaleza, 10.09.1919.) (26) “Carissimo Fernando, dulcissimo irmão, [espaço] [espaço] Hoje, novo mez do transito feliz de nossa Santa Mãe, terminei a biographia: 365 paginas deste formato incluindo a publicação de seus “Pensamentos Religiosos”. tua carta desorientou-me, pondo duvida no que eu não esperava. Vamos reflectir, caríssimo irmão: você pode pedir licença de Ø empregar sua legitima como quiseres, porque não a empregarás n’este testemunho de amor à Mamãe.” (Carta de Jerônimo ao irmão Fernando. Bahia, 08.07.1920.) (27) “[espaço] Mais uma vez rendamos juntos muitas acções de graças a Deus por ter quasi acabado a divergencia entre a Madre Provincial e você. Compete agora á você, ma Jeannetti, ceder tudo o que falta. Lembra-te da palavra de D. Miguel: "o mal de sua irmã é ter cabeça de mais”. Você por ser aviadora, Ø quer que todos vôem. Nem todas as Dorós tem azas como as tuas: cede, e cede tudo que possas, como te diria a nossa santa Mamãe. ” (Carta de Jerônimo a irmã Maria Joana. Minas Gerais, 16.11.1931.) Diante da preferência do missivista Jerônimo pelo Tu, os três dados de Você merecem ser qualitativamente analisados. Em (25) e (26), as ocorrências de Você que, por sua vez, se dão logo no primeiro parágrafo da carta, seguindo, respectivamente, os vocativos “Minha desolada Isa” e “Carissimo Fernando, dulcissimo irmão” parecem individualizar o interlocutor: “(...) deixo você adivinhar tudo (....)”, não outra pessoa; “(...) você pode pedir licença (...) ”, não outra pessoa. Em 190 (27), Jerônimo também parece particularizar a referência à irmã Maria Joana com um Você, ao compará-la às demais Dorós (irmãs Dorotéias) que, por sua vez, não são tão ágeis como ela. Assim sendo, constata-se que os raros casos de Você, nas cartas em que o informante privilegiou o emprego de Tu, parecem buscar estabelecer contraste, constituindo, pois, uma motivação funcional. 100% 92% 80% 60% 40% 33% 20% 12% 0% 1905 (24 anos) 1919 (38 anos) 6% 1920 - 23 (39 a 42 anos) 0% 1925 (44 anos) 1930 - 31 (49 a 50 anos) -20% Você Gráfico 7: Comportamento lingüístico do missivista Pe. Jerônimo em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1905 e 1931. A análise do gráfico 7 permite visualizar a estável performance lingüística de Jerônimo. Na sua juventude, prefere o inovador Você, em 92% dos dados (22 ocorrências), ainda que tal comportamento tenha se deixado evidenciar somente através da análise de uma única carta, a de 1905. Nela, só há a expressão nula do Tu pronominal em 08 % dos dados, representados por dois dados já examinados em (23) e (24). Nas cartas produzidas por Jerônimo entre os anos de 1919 e 1931, período que contempla a sua produção textual na fase adulta da sua vida, observa-se a alta produtividade do Tu pronominal (de 88% → 96% → 100% → 80%) na função de sujeito. Com uma inexpressiva freqüência de uso de Você (12% → 04% → 0% → 20%), observaram-se, 191 de (25) a (27), as cinco ocorrências de tal forma pronominal, em cartas direcionadas a Maria Elisa, a Fernando e a Maria Joana. Em (28), é interessante observar a combinação da forma Você com a forma pronominal Tu em sua expressão nula – “voce, meu irmão, has de apreciar”, evidenciando a convivência do conservador Tu com o inovador Você no interior do mesmo período. Nesse caso, o uso de Você parece ser contrastivo e enfático: o missivista Jerônimo quer se referir ao irmão e não a outra pessoa, tanto que emprega o vocativo “meu irmão”. (28) “Dizes que não saberias empregar dez exemplares; eu e Bebê podemos te dizer que 2 mil não chegam para as pessoas, que com fundamento sabemos, que querem o nosso thesouro. Posso te assegurar que está muito acima do que eu esperava: você, meu irmão, hás de apreciar.” (Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Bahia, 08.07.1920.) Em carta produzida no Ceará, em oito de fevereiro de 1919, como se observa em (29) e (30), têm-se quatro dados de Tu formalmente não preenchidos, o que era esperado no registro escrito de uma língua ainda positivamente marcada em relação ao parâmetro de sujeito nulo. Em (31), tem-se uma única ocorrência de Você expresso numa referência explícita ao interlocutor. As quatro ocorrências de Tu nulo foram expostas separadamente, pois se dão em diferentes páginas da carta analisada. Em (29), têm-se as duas ocorrências de Tu nulo produzidas na segunda página da carta e, em (30), têm-se as duas outras ocorrências de Tu formalmente não expresso distribuídas na terceira página. (29) “(...) Apreciou muito que Ø tenhas ido ao Rio; e M.e Barreto egualmente. (...) Não Ø temas cousa alguma por ella. (...) (Carta de Pe. Jerônimo a irmã Maria Elisa. Ceará, 08.02.1919. (página 2)) (30) “Prometto, minha Isa, te escrever frequentemente. Será meu dever sagrado, pois como mais velha Ø tens direito a isto. [espaço] Fiquei um pouco triste de não te ter dito meu segredo na horta da partida. Mas não Ø ligues importancia, era uma brincadeira.” (Carta de Pe. Jerônimo a irmã Maria Elisa. Ceará, 08.02.1919. (página 3)) (31) “Mamãe, você, nossos irmãos, e parentes como tudo nos encanta.” (Carta de Pe. Jerônimo a irmã Maria Elisa. Ceará, 08.02.1919.) 192 Observe-se, em (32), uma evidência de hipercorreção de Jerônimo que, numa carta de uso categórico do pronome Tu não expresso (06 ocorrências), emprega o imperativo do verbo ser na terceira pessoa do singular (Seja você), mas corrige tal forma verbal, riscando-a e substituindo-a pela forma imperativa do verbo ser correspondente a segunda pessoa do discurso (‘Sê (tu) bem grato (...)’), conforme já discutido nos resultados gerais das formas relacionadas a Tu e a Você (seção 5.3) desta tese e exposto na imagem 17. Essa tentativa de correção do autor o evidencia confuso diante da rigidez da norma gramatical que, por sua vez, somente licencia o Tu como legítimo pronome de referência à segunda pessoa do discurso e a liberdade de inovar tratando, logo no início do período em análise, o seu interlocutor por Você – “(...) fez por você”. (32) “Escrevo á mui querida M.elle Aschmann agradecendo tudo que fez por você. Escreve-me bellissimos postaes de Lisienx et Paris. Como tem sido nossa amiga esta bella alma ! Sêja bem grato a este dom, que o Céo nos deu.” (Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Minas Gerais, 21.09.1925.) É relevante observar as ocorrências de Você em funções sintáticas distintas da função de sujeito, mesmo que tais dados não tenham entrado no cálculo dos dados de sujeito de segunda pessoa do discurso. Verifique-se que, de (33) a (38), as ocorrências de Você apresentam-se rodeadas pelo oblíquo sem preposição te e pelo possessivo teu/tua, o que reforça os resultados gerais deste trabalho (item 5.2) em relação a tais categorias morfossintáticos mostrarem-se como contextos de resistência do Tu. (33) “Eu vou te dizer o preço 1[0]0 cartões custam 2000 reis 50 custam 1$000 reis portanto cada um custa um vintém, o que não é caro. – por isso eu mando ainda um pacote para você e para Bebê,” (Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) 193 (34) “Quando você era pequenino, meu Fernandinho, a 1a reliquia que você ganhou foi um pedacinho da carne de São Vicente. Quando eu vou rezar deante do corpo deste grande santo eu me lembro sempre de você. Elle deve te abençoar muito.” (Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) (35) “No dia 4 de septembro, dia de teus annos eu me lembrei muito de você.” (Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) (36) “Hoje eu recebi uma carta d’aquelle Padre francez que levou meus terços e meus cartões postaes para Mamãe e para você. [espaço] Elle ainda não sabe fallar portuguez e por isso só diz – (não intende) – como o tico-tico annuncia.” (Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) (37) “Eu rezo todos os dias por você e agradeço mais tuas queridas florsinhas.” (Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) (38) Você leu n’ O Amigo uma historia muito interessante sobre um menino que queria um Missal ? Eu puz teu retrato na frente e dediquei a historia a você.” (Carta de Pe. Jerônimo ao irmão Fernando. Paris, 15.10.1905.) Por fim, o esboço da performance lingüística do missivista Pe. Jerônimo parece evidenciá-lo com um comportamento estável ao longo da sua vida adulta (entre 1919 e 1930), optando preferencialmente pelo conservador Tu para fazer referência aos seus irmãos, nas missivas em análise. 194 6.2 A instabilidade das missivistas Maria Elisa e Maria Joana: a preferência pelo Tu pronominal. ♦ Maria Elisa: uma mulher adulta em inícios do século XX. A amostra composta por quatorze correspondências redigidas, no Brasil em sua maior parte40, pela missivista Maria Elisa, em um lapso temporal de 23 anos (entre 1915 e 1938), dá conta da passagem de sua vida adulta para a velhice. A remetente tinha 38 anos quando escreveu sua primeira carta e, 61 anos, a última, como se verifica na tabela 15. Há três cartas confeccionadas por Maria Elisa sem menção ao seu local de escritura. Só há referências às datas de escritura das epístolas produzidas no ano de 1919. São elas: carta no02 em 16.09.1919; carta no03, em 18.10.1919 e carta no04, em 14.12.1919. 40 195 CARTAS DA MISSIVISTA MARIA ELISA (INTERVALO DE 23 ANOS – DE 1915 A 1938) (14 CARTAS) NO MARIA ELISA ADULTA (1915 – 1924) PRONOMES (INTERVALO DE 09 ANOS – ENTRE 38 E 47 ANOS) (12 CARTAS) TU VOCÊ Local e data Idade do Remetente Destinatário (Irmãos) Idade do Destinatário Nulo Pleno Nulo 38 - - - 26 - 18.10.1919 42 26 02/02 (100%) - - 3 - - 4 14.12.1919 42 Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Fernando (*RJ, 04.09.1893.) 22 2 Pará, 28.07.1915. 16.09.1919 26 - - 02/02 (50%) 02/02 (100%) 02/02 (50%) 5 Pouso Alegre, 01.01.1920. Pouso Alegre, 04.04.1920. Pouso Alegre, 06.06.1920. Pouso Alegre, 29.06.1922. Pouso Alegre, 07.08.1922. Pouso Alegre, 29.10.1922. Pouso Alegre, 08.12.1922. Pouso Alegre, 19.03.1924. 43 27 12/12 (100%) - - - - - 01/01 (50%) 01/01 (50%) - - 01/01 (50%) 01/01 (50%) 11/11 (100%) - - - 03/03 (100%) - - - 02/02 (100%) - - - 19/19 (100%) - - - 02/02 (100%) - - - 1 6 7 8 9 10 11 12 42 Fernando (*RJ, 04.09.1893.) 43 43 45 45 45 45 Maria Leonor (*RJ, 28.09.1880.) 40 Fernando (*RJ, 04.09.1893.) 27 Jerônimo (*RJ, 19.12.1881.) 41 Jerônimo (*RJ, 19.12.1881.) 41 Jerônimo (*RJ, 19.12.1881.) 41 Jerônimo (*RJ, 19.12.1881.) 41 João Maria - 47 , TOTAL MARIA ELISA IDOSA (1933 – 1938) (INTERVALO DE 05 ANOS - ENTRE 56 E 61 ANOS) (02 CARTAS) 13 14 RJ, Friburgo, 07.02.1933. RJ, Friburgo, 20.10.1938. 56 61 Jerônimo (*RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (*RJ, 19.12.1881.) TOTAL 52 57 Pleno 01/01 (100%) - Tu Tu Você Você Nulo Pleno Nulo Pleno 51/51 04/11 07/11 (100%) (36%) (64%) 51/62 11/62 (82%) (18%) 62/72 (86%) TU VOCÊ Nulo Pleno - - Nulo Pleno 01/02 01/02 (50%) (50%) 02/08 06/08 (25%) (75%) Tu Tu Você Você Nulo Pleno Nulo Pleno 03/10 07/10 (30%) (70%) 10/10 (100%) 10/72 (14%) TU VOCÊ 51/72 21/72 (71%) (29%) 72/72 (100%) Tabela 15: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Elisa aos irmãos entre os anos de 1915 e 1938. 196 Maria Elisa, ao se corresponder com o jovem Fernando com o adulto e já idoso Pe. Jerônimo e com o irmão João Maria41, apresenta-se, de 1915 a 1938, propensa ao emprego do Tu, em 71% dos dados (51 ocorrências). Há, nas cartas de Maria Elisa, uma uniformidade no tratamento aos irmãos traduzida da seguinte forma: a missivista emprega predominantemente o Tu, em sua idade adulta, e o Você, em sua velhice. Não se verifica a mistura entre as formas de fazer referência ao interlocutor (Tu e Você) no interior de uma mesma epístola. Com relação ao preenchimento do Você como sujeito de segunda pessoa do discurso, observa-se a sua representação plena, em 64 % dos dados (07 ocorrências) e a sua representação nula, em 36% dos dados (04 ocorrências), como se verifica de (39) a (41). Os casos do Você como sujeitos não preenchidos se dão em uma seqüência de interrogativas diretas em que Maria Elisa se dirige ao jovem Fernando, em (39) e (41), e à adulta Maria Leonor, em (40). Já os casos de Você pleno se evidenciam, em (39), na construção interrogativa direta como primeira menção ao interlocutor Fernando – “E você como éstá? meu caro Fernandinho?” – e nas construções encabeçadas pelo elemento qu-, expostas em (40) e (41), respectivamente –“(...) peço a Deus que Você esteja bem” e “Espero porem que Você esteja bom (...)”. Esses dois últimos dados de Você como pronome sujeito pleno se dão em contextos típicos de preenchimento do sujeito. São eles: a estrutura oracional com o elemento qu- (cf. Duarte 2003) e o fato de o sujeito da principal e o da oração subordinada (eu e você, respectivamente) serem distintos, corroborando a hipótese de que quanto menor o grau de predizibilidade do referente, nos termos de Paredes Silva (2003), maior é a exigência por expressá-lo formalmente. (39) “E você como está? meu Caro Fernandinho ? Já Ø descançou um pouco (...) Como Ø achou Jeronymo ?” (Carta de Maria Elisa a Fernando. 14.12.1919.) Não foram levantadas cartas pessoais de João Maria, assim como não se conseguiu maiores informações sobre a sua história de vida. 41 197 (40) “Com fervor peço a Deus que Você esteja bem. Porque Ø não me escreve ? (Carta de Maria Elisa a Maria Leonor. Pouso Alegre, 04.04.1920.) (41) “Espero porem que Você esteja bom e que Nossa Senhora lhetenha concedido muitas graças durante o mez findo. Graças a Deus eu continuo muito bem. Ø Teve noticias de nossos irmãos ? (Carta de Maria Elisa a Fernando. Pouso Alegre, 06.06.1920.) Na velhice de Maria Elisa, ainda que se tenha uma amostra composta por apenas duas cartas, foi possível averiguar a preferência da autora por referir-se ao também idoso Pe. Jerônimo categoricamente com o inovador Você42 (10 ocorrências), optando pela expressão plena de tal pronome em 70 % dos dados (07 ocorrências). Há de se observar, contudo, que as três únicas ocorrências do Você nulo, como se examina em (42) e (43), se dão em interrogativas diretas cujo referente é sintaticamente acessível. Em (43), não há outros referentes que se candidatem a sujeito, confirmando, pois, a hipótese de que quanto mais acessível estiver o referente, maior será a chance da sua representação nula (cf. Duarte 2003; Paredes Silva 2003; Silva 2006). (42) “[espaço] Adeus, meu Jeronymo; [espaço] A Superiora da Santa Casa não é Almeida Magalhães como lhe disse em minha ultima carta; é Magalhães Barbalho, conhecida em Barbacena por [Irmã] Helena. Quando me Ø escrever diga-me si Você a conhece, sim? e mande-lhe um pequeno conforto na cruz que carrega;” (Carta de Maria Elisa a Jerônimo. RJ, Friburgo, 07.02.1933.) (43) “Meu Jeronymo eu contando com sua bondade nunca desmentida prometi uma Missa por intenção de quem desse uma esmola maior para as Missões, e lhe peço que Ø celebre, sim ? no dia em que Você não tiver outra intenção. - Era um avião de papelão que ia para as Missões e quem subisse nele mais alto, isto é quem pagasse um bilhete de maior numero de metros ou kilometros receberia um premio, mas que era ainda um segredo fechado uma caixinha. Abrindo-as encontrou um cartãosinho com o seguinte escrito: "É tão excelso o trabalhar "Pró-Missões" que forçoso é confessa-lo; Na terra nada se encontra que póssa devidamente premia-lo. Reconhecendo tal verdade, recorre a gratidão dos beneficiado a fonte inexgotavel de um Bem Supremo. Em favor da Vencedora será celebrada a Santa Missa por um gratissimo Missionario." Ø Póde celebra-la ? Desde ja muito lhe agradeço.” (Carta de Maria Elisa a Jerônimo. RJ, Friburgo, 20.10.1938.) 42 Na fase anterior, tratava seu irmão Jerônimo apenas por Tu. 198 120% 100% 80% 100% 100% 100% 75% 60% 40% 20% 0% 25% 0% 0% 1915 (38 anos) 1919 (42 anos) 1920 (43 anos) 1922 (45 anos) 1924 (47 anos) 1933 (56 anos) 1938 (61 anos) -20% Você Gráfico 8: Comportamento lingüístico da missivista Maria Elisa em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1915 e 1938. No gráfico 8, observa-se o comportamento instável de Maria Elisa ao longo de sua vida. A missivista que, no início da sua fase adulta (aos 38 anos, em 1915), assume o emprego categórico de Você, com apenas 01 ocorrência, (exemplo 44) passa a empregar, no final da sua idade adulta (entre os seus 43 até os 47 anos), o Tu para fazer referência aos irmãos Fernando (jovem) e Jerônimo (adulto e idoso) e volta, na sua velhice (entre 56 e 61 anos), a empregar categoricamente o Você. (44) “Sei que Você tem gozado saude, não é?” (Carta de Maria Elisa a Fernando. Pará, 28.07.1915.) Em 1922, tem-se o uso categórico de Tu (35 ocorrências – 100% dos dados) que assim se mantém até 1924 (02 ocorrências – 100% dos dados). Na velhice de Maria Elisa, a autora opta categoricamente pelo inovador Você (10 ocorrências – 100% dos dados) em duas cartas com 56 anos (1933) e com 61 anos (1938). O curioso é observar que o uso ora de Tu, ora de Você somente se dá para com o irmão mais novo Fernando. Parece que Maria Elisa mudou o tratamento empregado ao irmão Jerônimo: na fase adulta, o 199 tratava por Tu, ao passo que, na velhice, optou categoricamente por Você. Ainda que as ocorrências de Vocês e de Vós não tenham entrado no cômputo dos dados de sujeito de segunda pessoa do discurso, expõemse os contextos de suas duas aparições nas cartas de Maria Elisa. Em (45), verifica-se que o fato de Vocês combinar-se com o possessivo (tua) – “tua cartinha” – evidencia a mescla de tratamento na produção escrita de Maria Elisa. Em (46), tem-se a única ocorrência de Vós lançada pela adulta Maria Elisa, ao se dirigir ao também adulto Pe. Jerônimo, em uma missiva inflacionada por dados de Tu (11 ocorrências). Em relação a esse dado de Vós, há que se colocar a seguinte questão: surge uma dúvida, em (46), sobre o emprego da forma verbal ‘desseis’ como evidência de Tu (désseis) ou de Vós (désseis). Não se sabe se é realmente um caso de Vós ou de Tu a partir da ditongação por confusão com a grafia da flexão verbal correspondente ao pronome Vós (‘se tu desses’ versus ‘se vós désseis’), conforme se observa na imagem 18. Imagem 18: Trecho de carta de Maria Elisa, com 45 anos, ao irmão Pe. Jerônimo em Pouso Alegre, 29.06.1922. Em suma, tanto o dado de Vocês, quanto o possível dado de Vós se apresentam circundados por formas relacionadas a P2 (Tu): o pronome possessivo de segunda pessoa (‘tua cartinha’ e ‘teus sacrificios’, respectivamente). Corroboram-se, pois, os resultados da análise geral 200 dos dados desta tese (item 5.2), assim como os de outras investigações – Lopes (2008 e 2007) e Marcotulio et alii (2007) – acerca do pronome possessivo como contexto de resistência do Tu na constituição do novo quadro pronominal supletivo do PB. (45) “Recebi tua cartinha que muito agradeço. Aqui tão longe me é tão grato umas noticias de vez e quando de Vocês !” (Carta de Maria Elisa ao irmão Fernando. Pouso Alegre, 01.01.1920.) (46) “(...) Acho muito bom que leves os óssos de Papae para Petropolis, mas si assim fizeres, então não deixes lá a Imagem de Nossa Senhora, sim ? [espaço] Eu queria que m’a desseis para fazermos aqui uma Gruta e assim vêl-a venerada sempre.” (Carta de Maria Elisa ao irmão Jerônimo. Pouso Alegre, 29.06.1922.) Observe-se, em (47), ainda que tal dado não tenha sido contabilizado, a ocorrência da forma Você como termo de sujeito composto – ‘Você, Jeronymo e Bêbê’ – estabelecendo, pois, concordância com a forma verbal ‘acharem’ flexionada na terceira pessoa do plural. (47) “Não acho que titio Jânio tenha razão; comtudo me sujeito ao que Você, Jeronymo e Bêbê acharem.” (Carta de Maria Elisa ao irmão Fernando. 18.10.1919.) Por fim, a análise da performance lingüística de Maria Elisa sugere a sua instabilidade. Na amostra de cartas distribuídas entre os anos de 1915 e 1924, em um intervalo temporal de apenas nove anos, observou-se, durante a fase adulta, uma mudança de comportamento da informante em relação à juventude e à fase idosa: 1) uso variável de Você e Tu para destinatário mais jovem (Fernando); 2) emprego de Tu exclusivo para destinatário de mesma idade. Já entre os anos de 1933 e 1938, a idosa Maria Elisa volta a usar categoricamente o inovador Você. 201 ♦ Maria Joana: o percurso lingüístico de uma mulher jovem desde a sua juventude até a sua velhice na primeira metade do século XX. O painel da informante Maria Joana se constituiu com base na análise de trinta e três cartas por ela produzidas, no Brasil43, entre os anos de 1912 e 1947. Trata-se de um material inédito por recobrir o perfil lingüístico de três fases da vida do indivíduo como missivista jovem (1912), adulta (1917 – 1933) e idosa (1943 – 1947). Nessa amostra de cartas confeccionadas por Maria Joana44, a informante encaminha suas missivas ao jovem Fernando, à adulta Maria Elisa, ao adulto e idoso Pe. Jerônimo e a um irmão não identificado. À exceção das cartas produzidas por Maria Joana em 16.01.1912 e em 23.01.1918 nas quais não há menção ao local de confecção das missivas. 44 A informante Maria Joana tornou-se uma Religiosa Dorotéia. No convento, era tratada como Madre Magalhães e, como Jane, no seio da família. 43 CARTAS DA MISSIVISTA MARIA JOANA (INTERVALO DE 35 ANOS – DE 1912 A 1947) (33 CARTAS) MARIA JOANA JOVEM (EM 1912, COM 26 ANOS.) NO 202 PRONOMES (01 CARTA) TU Local e data 1 16.01.1912 Idade do Remetente Destinatário (Irmãos) Idade do Destinatário Nulo 26 Irmão - - VOCÊ Pleno Nulo - 03/07 (43%) TU VOCÊ TU VOCÊ Nulo Pleno Nulo Pleno - - - - - - - - - 01/06 (17%) 01/14 (07%) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 01/18 (06%) - - - - - - 01/01 (100%) - - - - 01/08 (12%) - - - 52 11/11 (100%) 02/02 (100%) 06/06 (100%) 05/06 (83%) 13/14 (93%) 04/04 (100%) 03/03 (100%) 09/09 (100%) 07/07 (100%) 06/06 (100%) 08/08 (100%) 10/10 (100%) 03/03 (100%) 05/05 (100%) 17/18 (94%) 05/05 (100%) 03/03 (100%) 08/08 (100%) 07/08 (88%) - - 52 - - 52 - - 52 - - 01/02 (50%) 03/06 (50%) 03/09 01/01 (100%) 01/02 (50%) 03/06 (50%) 06/09 52 - - 52 - - 01/02 (50%) - 52 - - - 52 - - 52 - - 01/03 (33%) 02/04 (50%) - MARIA JOANA ADULTA (1917 – 1933) (INTERVALO DE 16 ANOS - ENTRE 31 E 47 ANOS) 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. Olinda, 08.11.1917. 23.01.1918 Fortaleza, 08 e 10.09.1919. Fortaleza, 20.09.1919. CE, Baturité, 15.11.1919. CE, Baturité, 22.11.1919. Fortaleza, 22.01.1920. Manaus, 27.04.1920. Manaus, 12.08.1920. Manaus, 06.09.1920. São Luiz, 29.03.1921. São Luiz, 26.12.1922. São Luiz, 22.06.1923. São Luiz, 26.01.1924. Turú, 17.12.1924. São Luiz, 15.04.1925. PE, Olinda, 17.12.1927. Recife, 20.06 e 08.08.1928. Gravatá, 19.12.1929. RJ, Friburgo, 07.02.1933. RJ, 21.02.1933. RJ, 27.04.1933. RJ, 25.06.1933. RJ, 05.09.1933. RJ, 17.09.1933. RJ, 01.11.1933. RJ, 02.11.1933. RJ, 02.11.1933. RJ, 16.12.1933. (29 CARTAS) 31 Irmão - 32 Irmão - 33 42 33 Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.) Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Irmão 33 Irmão - 34 Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.) 43 33 34 34 34 35 36 37 38 38 39 41 42 43 47 47 47 47 47 47 47 47 47 47 26 - 39 43 39 40 41 42 43 43 44 46 47 48 52 TOTAL MARIA JOANA IDOSA (1943 – 1947) (INTERVALO DE 04 ANOS - ENTRE 57 E 61 ANOS) (03 CARTAS) 04/07 (57%) 07/07 (100%) 07/195 (03%) TOTAL 2. Pleno 03/03 (100%) 135/139 04/139 11/35 (97%) (03%) (31%) 139/174 33/174 (80%) (20%) 174/194 (90%) TU VOCÊ Nulo Pleno Nulo 01/02 (50%) 02/02 (100%) 04/04 (100%) 02/03 (67%) 02/04 (50%) 01/01 (100%) 24/35 (69%) Pleno 203 Tabela 16: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Joana aos irmãos entre os anos de 1912 e 1947. 204 Com base nos resultados gerais da tabela 16, verifica-se a preferência pelo emprego do Tu pronominal, em 72% dos dados (139 ocorrências), como sujeito de segunda pessoa do discurso ao fazer referência, no contexto epistolar, aos irmãos Maria Elisa (adulta), Fernando (adulto), Jerônimo (adulto e idoso) e a um irmão não identificado. Em sua juventude, através da análise de uma única missiva produzida em 1912, foi possível detectar que a informante opta categoricamente pelo Você pronominal como sujeito (07 ocorrências – 100% dos dados), preferindo a realização plena de tal pronome, em 57% dos dados (04 ocorrências). Em (48) e (49), são apresentadas três ocorrências do Você não expresso, isto é, nulo, respectivamente, em orações absolutas, contexto sintático favorecedor da representação nula do sujeito pronominal, cf. Duarte (2003). (48) “Então, como se decidiu logo a sua partida ! Ø irá até ao Pará ? Eu escrevo a Isa, pelas Irmãs nossas que vão no mesmo vapor que Você e das quaes uma vae até ao Pará. Peço a Nosso Senhor que Você faça muito boa viajem ... Ø poderá celebrar a bordo?” (Carta de Maria Joana ao irmão. 16.01.1912.) (49) “Porém, desejava muito que até Maio Você tivesse ao menos uma intençãozinha pequena nas suas preciosas missas para uma graça especialissima, que preciso obter, sem remissão este anno. [espaço] É uma graça espiritual. – Como Ø deixou a nossa Leonor ? E Mamãe ? Todas nós o accompanharemos com o pensamento até o fim de sua viagem; e eu lhe dou todos os dias, uma parte em minhas pobre communhões.” (Carta de Maria Joana ao irmão. 16.01.1912.) Ao tornar-se adulta, observa-se, a partir do exame de vinte e nove cartas, a preferência de Maria Joana pelo Tu pronominal, em 80% dos dados (139 ocorrências), privilegiando a sua realização nula em 97% dos casos (135 ocorrências). Convém expor as quatro únicas ocorrências (03% dos dados) do pronome Tu expresso como se verifica de (50) a (53) pelo fato de ser raro, no período em questão, o preenchimento do sujeito com pronomes que apresentam marca flexional no verbo como é o caso de Tu. O Tu íntimo apresentou-se como 205 sujeito preenchido nas sentenças interrogativas diretas de (50) a (52) e, em (53), como um comentário em contexto sintático de uma oração absoluta. Os três primeiros exemplos, como se vê, constituem ambientes sintáticos que se firmarão mais tarde como favorecedores ao preenchimento (cf. Duarte 1993). (50) “Meu Fernando, escreve-me longamente... dize-me quantas missas por ahi os bons padres celebraram por ella, e tu como te achas ... ah! avalio o teu pobre coração como estará ainda!..” (Carta de Maria Joana ao irmão Fernando. Fortaleza, 20.09.1920.) (51) “Si vierem acharão bom acolhimento na família Arruda... Tu, porém, não digas cousa alguma a ellas a este respeito, sim?” (Carta de Maria Joana ao irmão. Baturité, Ceará, 15.11.1919.) (52) “E tu, meu Padre Jeronymo, quando vaes a Argentina? Não penses que me esqueci dos presentinhos para Madre Auxiliadora, já tenho uma caixa com alguns e não mandei por falta de portador.” (Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. Turú, 17.12.1924.) (53) “Isto, porém, é o menos, pois se refere a mim... e tu bem me conheces: vou passando por cima de tudo.” (Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. Gravatá, 19.12.1929.) Até os quarenta e três anos de idade, observa-se que Maria Joana emprega preferencialmente o Tu, passando depois a optar pelo Você. Ainda que o Você tenha assumido uma baixa produtividade – 20% dos dados (33 ocorrências) –, nas cartas da Maria Joana adulta, convém observar, em (54) e (55), manifestações nulas de tal pronome. O emprego de Você parece ser sistemático no fim da sua fase adulta. Maria Joana o utiliza especificamente para o irmão já idoso Jerônimo nas cartas escritas quando tinha 47 anos de idade. Em (54), o sujeito nulo se justifica pelo fato de o sujeito/referente da oração relativa (Você) ser o mesmo da principal (Você me envie), mostrando-se, pois, sintaticamente acessível, cf. Duarte 2003. Em (55), ao Você pronominal não expresso, em oração interrogativa direta, pode ser atribuída uma motivação funcional. 206 (54) “Elle deseja saber as condições desse estabelecimento, por isso Você me envie os estatutos e o mais que Ø julgar necessário ...” (Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. RJ, 21.02.1933.) (55) “Envio-lhe esta do nosso Bêbê para Você constatar o resultado do nosso trabalho junto a Santíssima Eminência – Parece que foi satisfatorio, apezar do cuidado que lhe empregou para não deixar transparecer que ella já póde ser considerada “serva de Deus” Mas elle tem toda a razão, Ø não acha ?” (Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 05.09.1933.) Atente-se para o valor funcional dessa construção interrogativa ao final dos enunciado – ‘sim?’, em (51) e ‘não acha?’, em (55). Aparentemente ter-se-ia um prenúncio de um marcador conversacional utilizado para manter a interatividade comum a cartas pessoais que se aproximam de uma conversa cara a cara. Interessante observar que, segundo Holmes (1984), as mulheres tendem, mais que os homens, a estimular a participação do outro, requerendo uma confirmação ou uma demonstração de que o ouvinte/interlocutor pode ou não concordar com aquilo o que está sendo exposto, como se vê nesse caso. Como uma informante idosa, verifica-se que, com base na análise de três cartas, Maria Joana mantém o emprego categórico do Você para se referir ao irmão Jerônimo (14 ocorrências – 100% dos dados), evidenciando-os como sujeitos plenos de segunda pessoa do discurso em 79% dos dados (11 ocorrências). Esporadicamente, a missivista, em três ocorrências (21% dos dados), não preenche o Você pronominal, conforme se observa de (56) a (58). (56) “Penso em não ser, como Você diz e Ø sente, abalos nervosos pelos disparates de minhas superiora – oh! não – com a maior calma eu sei mas de tantos estratagemas para me livrar de suas ordens disparatadas...” (Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. BA, 20.02.1943.) (57) “Não quero que Você vá embora pensando que eu vou me apurar na tal “Obediencia cega” (...) No resto continuarei a procurar os alívios proprios a me fazer vencer a situação ... Ø não acha que faço bem ?” (Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. BA, 20.02.1943.) (58) “Bem, meu irmão, gostaria que Você me escrevesse 1 vez por mês, agora que o podemos fazer confidencialmente, Ø aceita ?” – Qualquer coisa a Provincial resolva sobre mim, Você saberá logo.” (Carta de Maria Joana ao irmão Pe. Jerônimo. BA, 18.08.1946.) 207 Em (56), o dado de Você nulo se evidencia em uma oração coordenada à outra oração em que o sujeito Você está formalmente preenchido e acessível sem intercalação de outros elementos: contexto que favorece o não preenchimento, segundo Duarte (2003, 1995, 1996). Já em (57) e (58), têm-se ocorrências de Você como sujeitos de segunda pessoa não preenchidos em contextos de interrogativas diretas em fim de enunciados, funcionando, como se viu em (55) como um marcador conversacional que tende a facilitar a interação comunicativa com o destinatário, sugerindo um “diálogo escrito”. 120% 100% 100% 100% 86% 80% 60% 40% 20% 0% 17% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% (1912 - 26 (1917 - 19 (1920 - 34 (1921- 35 (1922 - 36 (1923 - 37 (1924 - 38 (1925 - 39 (1927 - 41 (1928 - 42 (1929 - 43 (1933 - 47 (1943 - 47 anos) entre 31e anos) anos) anos) anos) anos) anos) anos) anos) anos) anos) entre 57 e -20% 33 anos) 61anos) Você Gráfico 9: Comportamento lingüístico da missivista Maria Joana em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1912 e 1947. A análise do gráfico 9 permite visualizar o comportamento instável da missivista Maria Joana que, quando jovem emprega Você, ao longo de sua idade adulta (entre os seus 31 e 47 anos) elege o Tu e, em sua velhice, mais precisamente depois dos 47 anos, passa a retomar o Você da juventude. A jovem missivista opta, na carta de 1912, pelo uso categórico de Você (06 ocorrências), ao se dirigir a um irmão não identificado no texto. No decorrer de sua fase adulta, entre os anos de 1917 e 1929, a informante passa a eleger o Tu pronominal. Observe-se, 208 contudo, que a missivista, em uma única carta produzida em 1925, com 39 anos, evidencia uma mistura de tratamento: tem-se ora o emprego do Tu como sujeito nulo, em 83% dos dados (05 ocorrências), ora o uso do Você como sujeito pleno, com 17% dos dados (01 única ocorrência), conforme se observa em (59) e (60). (59) “ Imagino como Ø estás zangadinho com tua Jane... que, nem signal deu do recebimento de tua carta depois da viagem á Argentina e do bello livro que ella me enviou!.. Faço-o agora ... e peço te de uma vez para sempre que não Ø exijas mais frequencia em minhas cartas... pois attendo a mil pequenas cousas aqui alem das aulas.” (Carta de Maria Joana a Jerônimo. São Luiz, 12.04.1925.) (60) “Assim meu irmão querido, acho uma tolice enviar agora em dinheiro... Você arranje seu negocio com Tio Janio.” (Carta de Maria Joana a Jerônimo. São Luiz, 12.04.1925.) Já em fins da sua fase adulta, com 47 anos, Maria Joana mostrase, em 1933, propensa ao emprego do Você, em 86% dos dados (34 ocorrências), para fazer referência ao idoso irmão Pe. Jerônimo nas missivas em análise. Entretanto, em uma única carta confeccionada em 16 de dezembro de 1933, a informante evidenciou a mistura entre as formas Tu como sujeito nulo, em 75% dos dados (03 ocorrências), e Você como sujeito pleno, em 25% dos dados (01 única ocorrência), como se verifica de (61) a (63), respectivamente. O único dado de Você produzido por Maria Joana, nessa correspondência redigida em 1933, e destinada ao irmão Jerônimo, deu-se em uma oração absoluta, assumindo um tom de comentário elaborado pela missivista, conforme se verifica em (63). Nesse caso, parece haver uma motivação funcional para tal emprego, uma vez que ela inicia a oração com um “só”, ou seja, Maria Joana afirma que apenas o irmão e mais ninguém “(..) pode penetrar (..)” a sua intimidade, individualizando a representatividade do irmão na sua vida. (61) “(...) Sim, meu Jeronimo todos nós ... (seus irmãos) te apreciamos como Ø mereces e te queremos cada dia mais...” (Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 16.12.1933.) 209 (62) “Como se sente reconhecida pelo que Ø fizeste e Ø continuas a fazer pela nossa pobre Leonor.” (Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 16.12.1933.) (63) “Ofereço-lhe todas as minhas orações e os meritos dos meus sacrificios deste mês de Dezembro ... em que, realmente, eles me amargam mais .... Só Você póde bem penetrar o meu intimo neste sentido.” (Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 16.12.1933.) Nas correspondências confeccionadas em 1943 e 1947, a idosa Maria Joana, com 57 e 61 anos de idade, respectivamente, opta categoricamente pelo Você (em 14 ocorrências – 100% dos dados) para referir-se ao irmão Jerônimo que, por sua vez, se conserva também idoso entre os 62 e 66 anos de idade. Não obstante as ocorrências de Vocês não tenham participado do cômputo dos dados, observam-se, de (64) a (67), as suas únicas seis ocorrências na amostra de cartas em análise. Os dados de Vocês na função de sujeito sustentam a hipótese do desuso de Vós conjecturada por Cintra (1972), em relação ao português europeu do século XVIII. Todas as ocorrências de Vocês se deixam evidenciar em cartas em que o Tu prevalece e estão rodeadas pelo oblíquo sem preposição te, pelo oblíquo com preposição a ti, e pelo possessivo teu/tua, o que permite confirmar as constatações de Lopes (2007); Lopes (2008); Marcotulio et alii (2007) e os resultados da análise geral dos dados desta investigação (item 5.2) em relação às categorias gramaticais (pronome oblíquo sem preposição (te) e pronome possessivo) figurarem como contextos de resistência do conservador Tu. (64) “(...) Desejamos saber minuciosamente o excesso de soffrimentos a que foi reduzido aquelle corpo para nós sagrado ! e si Vocês podiam comprehender quaes eram as penas de espirito que a torturavam, ou as angustias daquelle coração immenso... Ah! Minha Isa, manda-nos tudo contar – a nossa correspondência também nos servira de conforto neste transe cruel ... Padre Jeronymo talvez te diga alguma cousa do que soffria !.. oh! que irmão admirável ... Basta dizer-te que as penas minhas já estavam a tal ponto nos dias 7 – 8 – 9 que já desejava o ultimo telegrama que só veiu ás 4 horas deste ultimo dia.” (Carta de Maria Joana a irmã Maria Elisa. 08.09.1919 e Fortaleza, 10.09.1919.) (65) “[espaço] Como ainda não me dirigi a ti sozinho após a amaríssima dôr que o nosso bom Deus nos enviou, escrevo-te para pedir-te uma relação muito minuciosa do que se 210 passou com o nosso precioso thesouro desde o fatal dia 27 de Agosto em que adoeceu gravemente ... E qual a lembrança que Vocês guardaram para nós auzentes?” (Carta de Maria Joana ao irmão Fernando. Fortaleza, 20.09.1919.) (66) “[espaço] Lourdes ou Irmã Maria Tereza já escreveu a Tia Mimi sobre tua passagem por Juiz de Fora e falou sobre a trasnferencia de nossa Leonor por estes dias ... É real que Vocês já resolveram tudo ?” (Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. RJ, 16.12.1933.) (67) “[espaço] Como ainda não me dirigi a ti sozinho após a amaríssima dôr que o nosso bom Deus nos enviou, escrevo-te para pedir-te uma relação muito minuciosa do que se passou com o nosso precioso thesouro desde o fatal dia 27 de Agosto em que adoeceu gravemente ... Talvez já venha em caminho alguma noticia mais intima escripta pelos nossos ... mas, me tenho admirado muito e ate me sentido bastante, que nem Isa nem nenhum de Vocês quatro, que presenciaram as scenas dolorosas dos últimos dias; não tenham querido participal-as aos irmãos ausentes, que ainda estão mergulhados maior angustia...” (Carta de Maria Joana ao irmão Fernando. Fortaleza, 20.09.1919.) Os dados de Você, em (68) e (69), se dão em cartas voltadas para o emprego majoritário do Tu, o que evidencia a mescla de tratamentos nas suas missivas. (68) “Por certo já saberás da noticia que teve aqui o Reverendo Padre Gomes sobre a morte de seu extremoso Pae. (...) Pareceu-me ver Você naquella noite terrivel após o recebimento do factal telegramma do dia 8 de Setembro. (Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. São Luiz, 22.06.1923.) (69) “Hoje teu anniversario natalício offereci minhas orações por tuas intenções, a boa Madre Bancto tambem rezou por Você” (Carta de Maria Joana ao irmão Jerônimo. Gravatá, 19.12.1929.) Enfim, constatou-se que Maria Joana evidenciou-se suscetível ao emprego do inovador Você para fazer referência aos irmãos na juventude e na velhice. Por outro lado, a missivista apresentou comportamento distinto em sua fase adulta, direcionando-se aos irmãos através do conservador Tu. Tal mudança de comportamento, ao mudar de faixa etária, evidencia a instabilidade da informante. 211 6.3 A instabilidade das missivistas Maria Bárbara e Maria Rosa: a preferência pelo Você pronominal. ♦ Maria Bárbara: uma mulher jovem em inícios do século XX. Em oito cartas confeccionadas por Maria Bárbara, o levantamento e a análise das formas Tu e Você se efetivou entre os anos de 1911 e 1928, período em que a autora passava da juventude (28 anos) a idade adulta (36-45 anos). A informante Maria Bárbara escreve, de São Paulo, aos irmãos adultos Maria Elisa e Fernando, ao irmão Jerônimo ainda jovem e já adulto e a um irmão não especificado. Nessas missivas, a informante opta, em termos gerais, pelo Você, em 81% dos dados (17 ocorrências), como se observa na tabela 17. 212 CARTAS DA MISSIVISTA MARIA BÁRBARA (INTERVALO DE 17 ANOS – DE 1911 A 1928) (08 CARTAS) MARIA BÁRBARA JOVEM (EM 1911, COM 28 ANOS.) NO PRONOMES (01 CARTA) TU 1 Local e data Idade do Remetente Destinatário (Irmãos) Idade do Destinatário Nulo SP, 25.06..1911. 28 Jerônimo (*RJ, 19.12.1881.) 30 - VOCÊ Pleno - TOTAL Pleno 07/08 (88%) 01/08 (12%) 08/22 (36%) MARIA BÁRBARA ADULTA (1919 – 1928) (INTERVALO DE 09 ANOS - ENTRE 36 E 45 ANOS) 2 SP, 16.02.1919. 3 SP, 30.03.1921. 4 SP, 05.07.1922. 5 SP, 22.10.1925. 6 SP, 19.04.1926. (07 CARTAS) 36 Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.) 38 Jerônimo (*RJ, 19.12.1881.) 39 Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.) 42 Fernando (*RJ, 04.09.1893.) 43 irmão 7 SP, 28.12.1926. 43 irmão 8 SP, 18.01.1928. 45 irmão TOTAL Nulo TU VOCÊ Nulo Pleno Nulo 42 01/01 (100%) - - - 40 01/01 (100%) - - - 45 01/01 (100%) - - - 32 01/01 (100%) - - 01/01 (100%) - - - 05/07 (71%) - - Pleno 02/07 (29%) 01/01 (100%) 01/01 (100%) Tu Tu Você Você Nulo Pleno Nulo Pleno 04/04 05/10 05/10 (100%) (50%) (50%) 04/14 10/14 (29%) (71%) 14/22 (64%) TU VOCÊ 04/22 (18%) 18/22 (82%) 22/22 (100%) Tabela 17: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Bárbara aos irmãos entre os anos de 1911 e 1928. 213 Ainda que com base em única missiva produzida por Maria Bárbara, em sua juventude, foi possível averiguar a preferência categórica da autora pelo Você. Em 88 % desses dados (07 ocorrências de Você), a representação nula do Você foi a opção da missivista. Observe-se que, em 70, a única ocorrência do Você pleno (12% dos dados) é contrastiva, sendo seguida por seis ocorrências do Você nulo. Nessa seqüência de orações, as seis ocorrências de Você nulo se justificam, de acordo com Duarte (2003) e Paredes Silva (2003), por inexistir, elementos intervenientes que prejudiquem a acessibilidade sintática à primeira menção ao sujeito Você. (70) “Temos a mesma missão querido Irmão a de salvar almas eu aqui dentro de meu amado claustro e você pelo mundo enteiro aonde a obediencea lhe mandar, que missão tão soblime !!! não é ? (...) Soube que Ø (1) tem tenção Ø (2) de pedir (3) para Ø mudar de casa [pelo] (4) por Ø te achar peor dos ouvidos; se Ø (5) quer meu parecer, não pessa isto pois o melhor é nada (6) Ø pedir e nada Ø (7) recusar;” (Carta de Maria Bárbara ao irmão Jerônimo. SP, 25.06.1911.) Ao migrar para a fase adulta, observa-se, a partir da análise de sete cartas produzidas pela missivista Maria Bárbara, que esta continua a assumir a preferência pelo Você, em 71% dos dados (10 ocorrências), sendo que 50 % dos dados são de Você nulo (05 ocorrências) e 50% pleno (05 ocorrências). Observem-se, em 71, as cinco ocorrências da forma Você nula e as cinco ocorrências do Você pleno, de (72) a (75), respectivamente. (71) “Não vale a pena eu escrever ao Senhor Padre Yábar, pois elle disse-me que está prompto para escrever o que voce quizer, voce é que deve escrever-lhe dizendo o que Ø (1) quer (ou sobre o que Ø (2) quer que elle escreva, sua direção é Egreja do Bom Jesus Itú. Ainda Ø (3) terá algum beographia de Mamãe ? se Ø (4) tiver me mande que aqui tem muitas pessoas que desejam ler e não encontram na livrarias d'aqui. Ø (5) Tem muito trabalho ahi? as missões eram melhor não ?” (Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 19.04.1926.) (72) “Gostei muito dos pensamentos de Papae e Mamãe na estampa, como você teve boa ideia! Deus lhe pague por tudo.” (Carta de Maria Bárbara ao irmão Fernando. SP, 22.10.1925.) 214 (73) “Não vale a pena eu escrever ao Senhor Padre Yábar, pois elle disse-me que está prompto para escrever o que voce quizer, voce é que deve escrever-lhe dizendo o que quer (ou sobre o que quer que elle escreva, sua direção é Egreja do Bom Jesus - Itú.” (Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 19.04.1926.) (74) “Mano, se voce pudesse me arranjar um desse aparelho de ouvir melhor como Mamãe deu a Amáalia eu ficaria muito contente e nossa Madre pagaria a importancia.” (Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 28.12.1926.) (75) “Nossa bondosa Madre permitte com prazer que voce e seu companheiro se hospedem aqui na casa do capellão, de minha parte também tenho immenso gosto.” (Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 18.01.1928.) Observe-se que, em 71, as ocorrências de Você como sujeito nulo são motivadas pelo fato de estarem quase todas coordenadas entre si, cf. Duarte (2003), e por terem o referente sintaticamente acessível, cf. Duarte (2003); Paredes e Silva (2003). A análise de (72) revela que o Você preenchido se dá em uma oração absoluta. As realizações plenas do Você têm como motivações as orações introduzidas por elemento qu-, em 73, e a conjunção subordinativa ‘se’, em (74), contextos sintáticos estes já comprovados por Duarte (2003) como favorecedoras ao preenchimento do sujeito. Já em (75), o Você plenamente realizado se deixa evidenciar em uma oração introduzida por elemento qu-, mas diferentemente dos outros exemplos, nesse caso, o sujeito da subordinada (Você) não é o mesmo da principal (minha bondosa madre). Constata-se, pois, que a adulta Maria Bárbara assume um comportamento lingüístico regular em função do destinatário. A autora somente trata a irmã adulta Maria Elisa pelo conservador Tu, ao passo que se dirige a um irmão não identificado somente pelo inovador Você. A missivista, por outro lado, evidencia um comportamento variável em relação ao irmão Fernando: ora o trata irmão por Tu, ora o trata pelo inovador Você. O gráfico 10 ilustra o comportamento dela na passagem de sua juventude para sua vida adulta. 215 120% 100% 100% 100% 80% 60% 50% 40% 20% 0% 1911 (28 anos) 0% 1919 - 22 (36 - 39 anos) 1925 (42 anos) 1926 - 28 (43 - 45 anos) -20% Você Gráfico 10: Comportamento lingüístico da missivista Maria Bárbara em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1911 e 1928. A apreciação do comportamento lingüístico de Maria Bárbara, em fins de sua juventude e na sua fase adulta, através do gráfico 10, evidencia a sua instabilidade em relação ao emprego dos pronomessujeito Tu e Você. Mesmo que a análise do comportamento lingüístico da informante, em sua juventude, esteja representada por uma única missiva (a de 1911), o que pode debilitar este estudo, constata-se que a missivista assume categoricamente a preferência pelo Você pronominal. No início da sua vida adulta, nota-se uma mudança de comportamento, pois só emprega o Tu. Ao longo dessa segunda fase, verifica-se, com base na análise de sete cartas, produzidas entre 1919 e 1928, o decréscimo das freqüências de uso do Tu pronominal (1919 – 22, com 100%, → 1925, com 50%, → 1926 – 28, com 0%), em contraposição ao uso inovador do Você, que se firma como categórico entre 1926 e 1928 (100% dos dados). É conveniente resgatar as ocorrências de Você e Tu, conforme se verifica em (76) e (77), produzidas por Maria Bárbara no contexto de 216 uma única carta, a de 1925. Nessa carta, a autora assume um comportamento variável entre as duas estratégias de referência ao seu irmão adulto Fernando, selecionando ora o conservador Tu (01 ocorrência), ora o inovador Você (01 ocorrência). Acrescente-se que o emprego dessas duas formas de referência ao interlocutor (Tu nulo e Você pleno) se dão na mesma página (2ª página) da carta em análise. (76) “Gostei muito dos pensamentos de Papae e Mamãe na estampa, como você teve boa ideia ! Deus lhe pague por tudo.” (Carta de Maria Bárbara ao irmão Fernando. SP, 22.10.1925.) (77) “Leonor está bem melhor graças a Deus se ella fizesse os votos creio que ficaria boa não Ø achas ?” (Carta de Maria Bárbara ao irmão Fernando. SP, 22.10.1925.) Em (76), tem-se o Você na expressão de um comentário de teor avaliativo proferido pela missivista Maria Bárbara. Por outro lado, em (77), a informante Maria Bárbara muda para o Tu, ao interrogar diretamente o seu interlocutor (Fernando), no fim do enunciado, invocando-o mais intimamente, cf. Holmes (1984), a envolver-se naquela reflexão sobre a saúde da irmã Maria Leonor como se fosse um “diálogo escrito”. Observe-se, em (78), a única ocorrência do pronome Você em sua forma pluralizada – Vocês –, como um sujeito de segunda pessoa do discurso que, obviamente, não entrou na contagem dos dados. Nessa carta, observa-se uma uniformidade de tratamentos com o uso de Vocês vinculado a formas de P3 (Você) – lhe (no trecho em análise) e sua (ao longo da carta). (78) “O Fernando ocupadissimo ainda não veio até aqui, mas me escreveu agradecendo uns doces que mandamos pela ocasião da tomada do governo da casa a nossa nova Madre Superiora; está bom e promete vir breve, dos outros Irmãos tenho tido boas noticias. Como sei que voces tem enteresse de saber como vou com a nossa nova Madre e Já tenho satisfazido a alguns e hoje venho lhe dizer quanto nossa Madre é boa, carinhosa e maternal, basta dizer a você que compriehede tão bem estes pontos, que ella sofre e não faz sofrer e sofre quando vê suas filhas sofrer, por ahi pode avaliar quanto e boa.” (Carta de Maria Bárbara ao irmão. SP, 02.08.1933.) 217 Por fim, a apreciação da conduta lingüística da missivista Maria Bárbara, analisada com base em oito cartas produzidas em um período de dezessete anos, a evidenciou instável no que se refere a sua preferência pelo uso da forma Você para aludir aos irmãos. Em um período de apenas nove anos de sua idade adulta (entre 1919, com 36 anos, e 1928, com 45 anos), observa-se que apesar de mostrar-se propensa ao emprego do inovador Você, também usa o conservador Tu, para fazer referência aos irmãos Maria Elisa, Jerônimo e Fernando. 218 ♦ Maria Rosa: o percurso lingüístico de uma mulher desde a sua juventude até a sua velhice na primeira metade do século XX. Com base em dezesseis cartas produzidas pela informante Maria Rosa45, no exterior46, para os irmãos Fernando (jovem), Jerônimo (jovem, adulto e idoso), Maria Elisa (adulta), Maria Joana (adulta) buscou-se entender, conforme exposto na tabela 18, o seu comportamento lingüístico nas três fases da sua vida. Maria Rosa tornou-se a Sóror Maria Auxiliadora do Convento Bom Pastor. As cartas produzidas por Maria Rosa foram redigidas nos seguintes países: Espanha (Córdoba), Argentina (La Plata, Buenos Aires) e Uruguai (Montevidéu). 45 46 CARTAS DA MISSIVISTA MARIA ROSA (INTERVALO DE 40 ANOS – DE 1908 A 1948) 219 (16 CARTAS) MARIA ROSA JOVEM (EM 1908, COM 30 ANOS.) NO PRONOMES (01 CARTA) TU 1. Local e data Idade do Remetente Destinatário (Irmãos) Idade do Destinatário Córdoba, 25.02.1908. 30 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). 27 Nulo VOCÊ Pleno 06/06 (100%) - MARIA ROSA ADULTA (INTERVALO DE 17 ANOS – ENTRE 1911 – 1928) (09 CARTAS) 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. La Plata, 04.11.1911. Buenos Aires, 10.11.1917. Buenos Aires, 25.11.1917. Montevidéu, 04.03.1919. Montevidéu, 11.09.1919. Buenos Aires, 28.09.1919. Buenos Aires, 18.01.1920. Montevidéu, 16.02.1926. Montevidéu, 21.07.1928. 33 39 39 41 41 41 42 48 50 Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.). Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.). Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) 30 36 36 26 38 42 43 45 42 TOTAL MARIA ROSA IDOSA (INTERVALO DE 17 ANOS - ENTRE 1931 – 1948) (06 CARTAS) 11. 12. 13. 14. 15. 16. Montevidéu, 15.02.1931. Buenos Aires, 13.02.1933. La Plata, 28.11.1933. Buenos Aires, 15.04.1934. Buenos Aires, 20.10.1946. La Plata, 01.02.1948. 53 55 55 56 68 70 Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). Fernando (*RJ, 04.09.1893.) Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). TOTAL Pleno - - 06/88 (07%) TOTAL 2. Nulo 45 52 52 41 65 67 TU Nulo VOCÊ Pleno Nulo Pleno 04/04 01/01 (100%) (100%) 04/04 01/02 01/02 (100%) (50%) (50%) 04/04 (100%) 01/02 01/02 02/02 (50%) (50%) (1005) 02/03 01/03 (67%) (33%) 02/02 (100%) 03/03 02/02 (100%) (100%) 01/01 02/04 02/04 (100%) (50%) (50%) 01/01 05/05 (100%) (100%) Tu Tu Você Você Nulo Pleno Nulo Pleno 22/24 02/24 03/16 16/16 (92%) (08%) (19%) (81%) 24/40 16/40 (53%) (47%) 40/88 (45%) TU VOCÊ Nulo 01/01 (100%) 02/02 (100%) 01/01 (100%) - Pleno - Nulo Pleno - 03/03 (100%) 03/06 03/06 (50%) (50%) 06/06 (100%) 01/02 01/02 (50%) (50%) 05/07 02/07 (71%) (29%) 02/02 05/12 07/12 (100%) (42%) (58%) Tu Tu Você Você Nulo Pleno Nulo Pleno 06/06 14/36 22/36 (100%) (39%) (61%) 06/42 (14%) 36/42 (86%) 42/88 (48%) TU VOCÊ 36/88 52/88 (41%) (59%) 88/88 (100%) Tabela 18: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Rosa aos irmãos entre os anos de 1908 e 1948. 220 A informante Maria Rosa, ao passar da juventude para a fase adulta e, em seguida, para a velhice, seleciona o Você, em 59% dos dados (52 ocorrências) como estratégia para fazer referência aos irmãos, conforme se nota no cômputo geral dos dados de Tu e Você, apresentado na tabela 16. Observa-se que há, na produção escrita de Maria Rosa, o predomínio da mescla das formas Tu e Você no decorrer de uma mesma carta, prevalecendo o Você, no período que recobre o final da sua idade adulta, mais precisamente desde os seus 48 anos, até a sua velhice, representada por cartas produzidas aos seus 70 anos. Destaque-se ainda que o fato de a informante Maria Rosa ter passado grande parte de sua vida em países hispano-americanos (Buenos Aires, Córdoba, Montevidéu, La Plata) pode ter motivado a produtividade variável das formas Tu e Você. Observe-se que Maria Rosa evidencia, no nível do vocabulário empregado nas suas cartas, interferência do espanhol: em (81), tem-se “su santo manto” por “seu santo manto”, em (82), “hace” por “há”, em (83), “olvides” por “esqueças”, “mucho” por “muito” e, em (102), “organo” por “órgão”. As visíveis transferências do vocabulário espanhol para o português permitem conjecturar a hipótese de uma possível interferência lingüística do espanhol nos empregos tratamentais da informante. A análise das formas Tu e Você em relação às fases de vida da missivista revelou que a informante, aos seus 30 anos, opta categoricamente pelo Tu nulo, em 100% dos dados (06 ocorrências) da carta em análise. Os dados de Tu produzidos pela jovem missivista Maria Rosa se deixaram evidenciar com base na análise de uma única carta direcionada ao seu irmão Jerônimo (em 1908), como se observa de (79) a (83). (79) “Certamente nosso bom Jesús te pagará tudo ! Já me imagino o gozo que Ø terás tido, de passar alguns dias com nossos caros Paes, em Santa Fé, alegrando-os com sua companhia; e mais que todo convertendo tantas pobres almas que vivem ahi.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.) 221 (80) “Creio que Ø terás celebrado com grande fervor a festa de Nossa Senhora de Lourdes quero dizer da 1a Aparição.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.) (81) “Neste dia aqui celebramos com muita solemnidade, e na noite fomos todas em peregrinação a gruta de Lourdes, (que temos aqui), n'estes preciosos momentos que mais parecia o Céo que a terra, não me esqueci de ti querido irmão, e muito pedi a esta Mae celeste que te ampare com su santo manto, e que Ø sejas um ministro segundo o coração de Jesus.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.) (82) “Mande-me dizer que trabalho fazeis no Caraça, e se já Ø Pregas muito nas Igrejas, pois desejo saber. [espaço] Do Reverendo Padre Monteiro que noticias me Ø dás ? hace muito que nada sei, nem adonde está.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.) (83) “Peço-te tambem que Ø não te olvides de rogar por nossa digna Madre, e por esta casa de Córdoba.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.) Na fase adulta da sua vida, constata-se que a informante Maria Rosa continua a optar pelo Tu, em 53% dos dados (vinte e quatro ocorrências), preferindo o seu não preenchimento (Tu nulo), em 92% dos dados (vinte e duas ocorrências), o que condiz com o parâmetro de língua de sujeito nulo no PB que ainda vigora na escrita de inícios do século XX. A realização plena do conservador Tu somente foi observada em 08% dos dados, o que corresponde às duas únicas ocorrências a serem apresentadas em (84) e (85), em construções mais diretivas em que a missivista convoca o interlocutor a se envolver mais, cf. Holmes (1984), na situação comunicativa. Atente-se para o fato de que, em (85), a autora, ao invitar o irmão a constituir-se como o laço de união entre os demais irmãos, o faz através da combinação de uma forma de (P2) – Tu pleno – com uma forma verbal imperativa de terceira pessoa (P3) – seja: “seja tu” no lugar de “sê tu” ou de “seja você, como se verifica na imagem 19. (84) “O coração do Jesuita comprehenderá todas ás torturas intimas das almas, assim tu comprehenderás algumas das minhas !” (Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.) 222 (85) “(...) Meu consolo é resar por ella, e chorar. Espero que me escrevas contando tudo que lhe diz respeito, pôde fazer os Votos. Que doença foi ? Já te imaginarás todo meu soffrimento ! Agora seja tu o laso de união entre todos, porem com prudencia, sobretudo com ás Dorothéas.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 11.09.1919.) Imagem 19: Trecho da carta de Maria Rosa, com 41 anos, ao irmão Pe. Jerônimo, confeccionada em Montevidéu, 11.09.1919. Ainda em sua fase adulta, observa-se que a missivista realiza o pronome Você em 47% dos dados (16 ocorrências), sendo que em 81% desses dados (13 ocorrências) o Você é expresso e, em somente 19% dos dados (03 ocorrências), o Você não é expresso, como se tem exemplificado de (86) a (88), respectivamente. (86) “Você meu irmãosinho anime a todos e veja se Ø pode ir vel-a no Convento, que é este seu maior desejo; oxalá possa ir minhas irmãs e Fernandinho com Bebesinho.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 10.11.1917.) (87) “Graças à Deus que aqui achei à N. Madre Assumpção que Você conhece seu coração, porem quando Ø possa offereça uma Missa por mim preciso mucho.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 16.02.1926.) (88) “Não te imaginas o consolo que tive de estar com Bébé, tão carinhoso ! A Você devo este gozo, te agradeço de mais. O Padre Luiz foi encantado da bondade de Nossas Madre e pensa voltar. Será quando Deus queira. Os annos passam. N. Madre Você está muito velhinha, quem sabe o que será depois. Como estão nossas irmãs ? A todas muitas lembranças. Quando Ø escreva a Leonor diga que recebi sua carta (duas) para Paschôa lhe escrevo, hoje não está meu espírito para escrever a ninguem.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 16.02.1926.) 223 Nas sentenças (86), (87) e (88), o referente (Você) está sintaticamente acessível, constituindo, conforme já atestado por Duarte (2003); Paredes Silva (2003), um contexto favorecedor ao sujeito nulo no PB. Ao se tornar uma informante idosa, Maria Rosa mostra-se mais propensa ao emprego do Você pronominal, em 86% dos dados (36 ocorrências), em detrimento do Tu. Acrescente-se ainda que privilegie a expressão plena do Você, em 61% dos dados (22 ocorrências). Observem-se, de (89) a (93), as seis únicas ocorrências do Tu pronominal, categoricamente nulo, em 100% dos dados, produzidas pela idosa Maria Rosa para fazer referência aos irmãos Maria Joana e Fernando nas cartas utilizadas neste estudo de painel. (89) “Me Ø perguntas que faço ajudo a escrever a machina n’um escriptorio oficial, e toco organo para que cantem as meninas (...)” (Carta de Maria Rosa a irmã Maria Joana. Montevidéu, 15.02.1931.) (90) “(...) esperava já estar destinada para alguma casa, e assim mandar-te minha nova direcção, porem como Nossa digna Madre Provincial me permittiou ficar aqui alguns dias, te escrevo porque penso que Ø estarás desejoso de saber como chegamos.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.) (91) “De novo te abraço com todo nosso amor fraterno e me Ø darás a benção, rogando sempre por esta tua irmã que te estima com extremo.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.) (92) “(...) Não te Ø imaginas os preparativos que se faz em Buenos Aires para o Congresso Eucharstico estão todos contentes com o Cardeal que vão ter.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. La Plata, 28.11.1933.) (93) “Já chegou o Padre Ceriale preguntou por Você Nossa Madre te manda lembranças o mesmo Irmã Maria Rosa - e Irmã Maria Agustinha, (a do gallinheiro) acabaram as hostias que Você consagrou, não pude deixar de chorar - por ahi Você vê minha amizade por meu irmão. Recebe lembranças de Don Oreste Doria Agusta e do pobre quintero Don Juan. Quando visite o tumulo de nossa santa mãe não te Ø esqueças de pedir pelas minhas intenções.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.) O conservador Tu nulo mostra-se em oração raiz, em (89), (92) e (93), contexto sintático deflagrador da representação nula do pronome, cf. Duarte (2003). Em (90), observa-se, por sua vez, a marca desinencial como a responsável por resgatar a acessibilidade sintática do referente 224 de P2 (Tu), o que poderia justificar, cf. Duarte (2003) e Paredes Silva (2003), o não preenchimento do sujeito de segunda pessoa. Já em (91), o Tu se evidencia nulo em construção coordenada, contexto sintático favorecedor da representação nula do sujeito, conforme Duarte (2003). 120% 100% 100% 80% 80% 90% 83% 75% 80% 60% 40% 40% 20% 20% 0% 0% 1908 (30 1911 (33 anos) anos) 20% 22% 1917 (39 1919 anos) (41anos) 1920 (42 anos) 1926 (48 1928 (50 anos) anos) 1931 (53 anos) 1933 (55 anos) 1934 (56 1946 - 48 anos) (68 a 70 anos) Você Gráfico 11: Comportamento lingüístico da missivista Maria Rosa em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1908 e 1948. A partir da análise do gráfico 11, é possível visualizar o comportamento instável de Maria Rosa no que se refere à produtividade das formas Tu e Você como sujeitos pronominais de segunda pessoa do discurso. O seu perfil instável é delineado principalmente na sua idade adulta, período em que emprega as formas Tu e Você para fazer referência aos seus irmãos, optando pelo Você desde os 48 até os seus 70 anos. Interessante observar que o traçado da curva, diferentemente dos gráficos referentes às suas irmãs, se delineia com um aumento gradativo e constante da implementação de Você. Entre os seus 30 e 42 anos de idade, vivenciados entre os anos 1908 e 1920, Maria Rosa mostra-se mais propensa ao uso do Tu pronominal com freqüências de uso de 100% (1908) → 80% (1911) → 80% (1917) → 78% (1919) → 60% (1920). À proporção que começa a envelhecer, observa-se um aumento na produtividade do Você 225 pronominal (80% (1926) → 83% (1928) → 75% (1931) → 80% (1933) → 100% (1933) → 90% (1946-48)) como estratégia de referência aos irmãos nas cartas deste estudo de painel. A análise das epístolas pessoais de Maria Rosa aos seus irmãos evidenciou o seu comportamento instável que parece ir implementando o Você ao longo de sua vida. Convém comentar o comportamento variável assumido por Maria Rosa em algumas cartas de sua fase adulta. Embora se tenha observado que, em tais missivas, a autora tenha preferido o emprego do Tu, nota-se um aumento progressivo das freqüências de uso do Você que passa de 20% (em 1911/1917 – carta n o 2-4), para 22% (em 1919 – cartas nos 5, 6 e 7), para 40%, (em 1920 – carta no 8), para 80% (em 1926 – carta no 9) e para 83% (em 1928 – carta no 10). Dessa forma, parece interessante voltar à análise para os contextos sintáticos que licenciam as ocorrências de Você, como se observa de (94) e (95), em orações absolutas, e, em (96), em construção relativa, corroborando os resultados de Duarte (1993). Em quase todos os casos o emprego de Você se justifica pela individualização do destinatário, quando o referente não está tão acessível. (94) “Como desejaria estar comtigo, oh! quantas cousas tenho para te dizer ! mas, este momento não chega nunca, e Você como Padre e com religioso bem póde comprender ás misérias do coração humano.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Jerônimo. La Plata, 04.11.1911.) (95) “Bebê se ordenou ? Já faz muito tempo que não me escreve a mesma cousa Amália. Nunca Você me respondeu sobre a casa de Petrópolis, que resolveram ?” (Carta de Maria Rosa a irmã Maria Elisa. Buenos Aires, 18.01.1920.) (96) “Mui de coração te agradeço todo o interesse que tem Você por mim.” (Carta de Maria Rosa a irmã Maria Elisa. Buenos Aires, 18.01.1920.) Em (94), Maria Rosa particulariza por ênfase que somente o seu “irmão padre e religioso (Jerônimo) pode compreendê-la”, mais ninguém. Em (95), além da presença de elementos adjuntos ao sujeito (nunca), o preenchimento se justifica pelo fato de o referente não ser 226 sintaticamente recuperável. Nesse período, a informante se refere a Bebê e à Amália nas orações anteriores que, por sua vez, se candidatariam a sujeito da forma verbal ‘respondeu’, caso não se identificasse o sujeito Você expresso. Em duas missivas produzidas pela adulta Maria Rosa, observa-se a sua preferência pelo Você, ainda que mesclado por duas ocorrências do Tu nulo, em (97) e (98). Interessante observar que esses dados de Tu nulo aliados a outras formas de P2 – o pronome oblíquo átono sem preposição te e o pronome possessivo teu/tua – convivem com o inovador Você. Na produção escrita de Maria Rosa que, por sua vez, mostrou-se mais voltada para a implementação de Você detectam-se, pois, os contextos de resistência do Tu em conformidade com os resultados gerais desta investigação (item 5.2 desta tese). (97) “Não te Ø imaginas o consolo que tive de estar com Bébé, tão carinhoso! A Você devo este gozo, te agradeço demais.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 16.02.1926.) (98) “Tua carta foi recebida como todas com carinho e gratidão, pois conhecendo bem de perto o extremo de teu coração por todos nós, bem sei avaliar como me Ø acompanhas em todas minhas alegrais e penas. (...) A Jeronymo digo todas as razoe, que elle te diga em reserva, porem que ao fallem com ninguem. Creio que Você me comprehende, amo com extremo a meus irmãos, mas sou religiosa, e não vou morar com elles – o demais Você me intende não é? ” (Carta de Maria Rosa a irmã Maria Joana. Montevidéu, 21.07.1928.) A informante adulta Maria Rosa, em uma carta redigida em Montevidéu, em 1919, mostra-se igualmente dividida entre as formas Tu (02 ocorrências – 50% dos dados) e Você (02 ocorrências – 50% dos dados) como estratégias de referência ao irmão Fernando, optando pelo Você pleno, em (99) e (100), e pelo Tu nulo, em (100) e pleno, em (101). Observa-se, nessa carta de 1919, o Você em concorrência com formas de P2 (Tu): o oblíquo sem preposição te e o Tu pronominal (nulo e pleno). 227 (99) “Sua carta veio encher minh’alma de alegria, de saber que você está bem, feliz e contente, e também saber noticias de nossa Mãe querida, que gosa davida intima com Deus nosso Senhor!” (Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.) (100) “Ø Não te imaginas como me deu gosto praser saber, que você o filhinho querido recebeu a Santa Communhão com Mamãe n’um dia tão grande como o 22 de janeiro.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.) (101) “O coração do Jesuíta comprehenderá todas ás torturas intimas das almas, assim tu comprehenderás algumas das minhas !” (Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.) O comportamento variável de Maria Rosa entre as formas Tu e Você também pôde ser identificado durante a sua velhice. Apesar de a autora ter evidenciado a sua preferência pelo Você, observam-se seis ocorrências do Tu categoricamente nulo, conforme se avalia de (102) a (107). Os contextos sintáticos que licenciam o Tu são as orações raízes, em (102), (105) e (106), e as estruturas de coordenação, em (104). Todos legitimamente identificados, por Duarte (2003), como contextos sintáticos deflagradores da representação pronominal nula no PB. Em (103), a presença do Tu nulo se justifica, de acordo com Duarte (2003) e Paredes Silva (2003), pela ausência de elementos intervenientes entre sujeito formal de P2 (Tu) e o referente de segunda pessoa (Jerônimo), marcado também pelas formas de P2 (Tu) comtigo e te. Em (107), observa-se a mescla de tratamentos. O Você se constitui como o referente de segunda pessoa que, por sua vez, é retomado com o Tu nulo. (102) “Me Ø perguntas que faço ajudo a escrever a machina n’um escriptorio oficial, e toco o organo para que cantem as meninas; temos 370 ou mais, devididas em 3 secciones – bastante não é ?” (Carta de Maria Rosa a irmã Maria Joana. Montevidéu, 15.02.1931.) (103) “Desde que cheguei meu primeiro pensamento foi converçar um pouco comtigo pelo pensamento e em espírito, porem esperava já estar destinada para alguma casa, e assim mandar-te minha nova direcção, porem como Nossa digna Madre Provincial me permittiou ficar aqui alguns dias, te escrevo porque penso que Ø estarás desejoso de saber com chegamos.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.) (104) “De novo te abraço com todo nosso amor fraterno e me Ø darás a benção, rogando sempre por esta tua irmã que te estima com extremo.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.) 228 (105) “Ø Não te imaginas os preparativos que se faz em Buenos Aires para o Congresso Eucharistico estão todos contentes com o Cardeal que vão ter.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 28.11.1933.) (106) “Quando visite o tumulo de nossa santa mãe Ø não te esqueças de pedir pelas minhas intenções.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.) (107) “Pasei a manhã muito agradavel escrevendo a Você parece que Ø estavas aqui.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.) Observe-se, em (107), o depoimento de Maria Rosa em relação à escritura de cartas como uma estratégia de aproximação entre as pessoas já apontada, na Antiguidade, por Cícero (106 – 43 a.c). Na primeira metade do século XX, ainda sobrevive, na carta pessoal, esse caráter de diálogo escrito. Independentemente do fato de não terem sido computados os dados de Vós e de Vocês como estratégias de referência ao interlocutor, é conveniente expor em análise – de (108) a (113) – tais ocorrências. Apesar de o Vós ser considerado um traço arcaizante no português desde o séc. XVIII (cf. Cintra 1972), observa-se que a informante também faz uso de tal pronome, de 108 e 110, ao dirigir-se exclusivamente ao irmão Jerônimo. Nesses casos, parece possível atribuir tal fato a uma possível interferência do castelhano, já que as cartas são escritas na Argentina e no Uruguai em que o Voseo se faz presente. A forma Vocês se deixa evidenciar, em (111) e (112), como complemento regido por preposição, à exceção de (113) em que Vocês assume a função de sujeito. Observe-se, nesses casos, que o Vocês se apresenta envolto por formas de P2 (Tu), principalmente por formas de oblíquo sem preposição te e por pronomes possessivos – teu/tua. Esse sincretismo evidencia o emprego não uniforme de formas de P2 (Tu) e P3 (Você) como um traço da produção escrita de Maria Rosa. 229 (108) “Recebi ha dias sua amavel cartinha, que muito agradeço tantas provas de carinho, e mais que tudo apreciei as supplicas que todos os dias fazeis por esta sua pobre irmã.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.) (109) “Mande-me dizer que trabalho fazeis no Caraça, e se já Pregas muito nas Igrejas, pois desejo saber.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Córdoba, 25.02.1908.) (110) “Muito te apreciamos, respectamos teu estado sacerdotal, porem como maior te digo sê prudente meu querido irmãosinho; sei que não apreciais ás Dorothéas, eu tambem pouco, porem não é motivo para nenhum disparate.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 25.11.1917.) (111) “[espaço] [espaço] Desde que cheguei meu primeiro pensamento foi converçar um pouco comtigo pelo pensamento e em espirito, porem esperava já estar destinada para alguma casa, e assim mandar-te minha nova direcção, porem como Nossa digna Madre Provincial me permittiou ficar aqui alguns dias, te escrevo porque penso que estarás desejoso de saber como chegamos. (...) Graças a Deus fizemos uma viagem expeldida, Irmã Maria de Jesus cheia de bondades para commigo, queria suavizar a pena que eu tinha de separar-me de novo de meus irmãos queridissimos; porem longe ou perto pouco importa, porque estamos sempre perto pelo coração, e essa nossa reunião nos uniou ainda com mais força e para meu espirito nunca acabarei de agradezer a Nosso Senhor o que aprendi de santidade perto de meus irmãos verdadeiramente nada mais desejo que trabalhar unida com Vocês para chegar ao Céo.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 13.02.1933.) (112) “Meu querido irmão Fernando. [espaço] [espaço] Foi tanta a alegria quando recebi tua carta, que pensei responder logo; porem impossivel achar tempo. Apreciei muito e te agradeço foi uma sorpresa tua carta meu irmão, chegou justamente n'um dia que eu precisava uma palavra sincera, e na tua carta achei o que precisava. (...) Ditosa as irmãs d’essa casa que ouvem os sermões de Vocês sobretudo irmã Maria Theresa que contente estará.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Buenos Aires, 15.04.1934.) (113) “Padre Jeronymo meu irmão querido Acabo de receber tua carta - muito te agradeço - ahi está todo teu coração de irmão, cheio de carinho. Muito te agradeço o convite que me faz de ir a Rio - é certo que as saudades são enormes. porem agora não posso ir - de todo me é imposivel. (...) Não fique sentido o amor que tenho a meus irmãos, nunca Vocês se imaginarão é tanto que não tenho coragem de ver a nenhum mais n’este mundo.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Buenos Aires, 20.10.1946.) Verificam-se, de (114) a (119), as ocorrências de Você no exercício de funções sintáticas distintas da função de sujeito de segunda pessoa do discurso. Em todos os casos, o complemento é regido por preposição que, como se viu no capítulo 5, foi um ambiente favorável à implementação de Você: com você, por você, a você seriam mais propícios de ocorrer que contigo, por ti, para ti etc. 230 (114) “Não te imaginas como me deu gosto praser saber, que você o filhinho querido recebeu a Santa Communhão com Mamãe n’um dia tão grande como o 22 de Janeiro. Muito sinto a saida de Isa de Friburgo, agora que podia estar com você todos os mezes.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Fernando. Montevidéu, 04.03.1919.) (115) “Não te imaginas o consolo que tive de estar com Bébé, tão carinhoso ! A Você devo este gozo, te agradeço demais.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. Montevidéu, 16.02.1926.) (116) “Já chegou o Padre Ceriale preguntou por Você. Nossa Madre te manda lembranças (...)” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.) (117) “Pasei a manhã muito agradável escrevendo a Você ! parece que estavas aqui.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.) (118) “Muito te agradeço teu pensamento no Memento da Santa Misa d’esta tua irmã que verdadeiramente te estima. Disse Irmã Maria Rosa que sempre reza por Você é muito bôa comigo.” (Carta de Maria Rosa ao irmão Pe. Jerônimo. La Plata, 01.02.1948.) (119) “ella ja foi com a intenção de ficar lá para estar talvez mais perto de tia Mimi, e agora vai para São Paulo, coitadinha como sentirá, foi para mim d’um extremo grande muito bondadosa, muitíssimo sinto que tenha ficado (isto para você.) (...) Um Padre de Buenos Aires foi à Rio, e tirou o retracto da sepultura de nossa Mamãe está bonita, se Você queire, te mandarei um, muita gente tem devoção a ella, resam e pedem graças.” (Carta de Maria Rosa a irmã Maria Joana. Montevidéu, 21.07.1928.) Enfim, o estudo da performance lingüística da missivista Maria Rosa, em um lapso temporal de 40 anos, a evidencia como uma informante com um comportamento lingüístico instável em relação ao emprego das formas Tu e Você. A missivista mostra-se, de 1908 a 1920, isto é, entre os seus 30 e 42 anos, propensa ao emprego do Tu. Ao passar de sua idade adulta para a velhice, ou seja, mais precisamente entre os seus 48 e 70 anos, constata-se que a missivista tende a introduzir o Você com uma maior constância para fazer referência aos irmãos nas cartas em análise. 231 6.4 A estabilidade da missivista Maria Leonor: a preferência pelo Você pronominal. ♦ Maria Leonor: uma mulher adulta em inícios do século XX. A investigação sobre o comportamento lingüístico de Maria Leonor47 se concretizou com base em quinze missivas, produzidas no Rio de Janeiro e em Pernambuco48, entre os anos de 1913 e 1933, conforme é possível apurar com as informações expostas na tabela 19. A missivista Maria Leonor tornou-se uma Religiosa Dorotéia. Em casa, era tratada por Nonô. 48 À exceção da carta no14 na qual a missivista Maria Leonor não faz menção ao local de escritura da epístola. A autora somente expõe a data de confecção de confecção da epístola: 21.07.1926. 47 232 CARTAS DA MISSIVISTA MARIA LEONOR (INTERVALO DE 20 ANOS – DE 1913 A 1933) (15 CARTAS) NO MARIA LEONOR ADULTA (1913 – 1928) PRONOMES (INTERVALO DE 15 ANOS - ENTRE 33 E 46 ANOS) (13 CARTAS) TU 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Local e data Idade do Remetente Destinatário (Irmãos) Idade do Destinatário RJ, Niterói, 05.04.1913. PE, Olinda, 29.02.1920. PE, Olinda, 11.07.1920. PE, Olinda, 22.08.1920. PE, Olinda, 10.10.1920. PE, Olinda, 17.10.1920. PE, Olinda, 02.03.1921. PE, Tamarineira, 06.10.1924. Recife, 19.01.1925. PE, Tamarineira, 02.04.1925. PE, Tamarineira, 05.12.1925. PE, Tamarineira, 03.06.1926. 33 Maria Elisa (RJ, 27.04.1877.). irmão 36 21.07.1926 Pleno - - - - - Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) irmão 34 - - - - Jerônimo (* RJ, 19.12.1881.). Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) 39 01/01 (100%) 01/01 (100%) - 35 01/01 (100%) - 02/06 (67%) 06/07 (86%) 04/05 (80%) 01/03 (67%) 03/05 (60%) 44 Maria Elisa (RJ, 27.04.1877.). 47 - - - 01/01 (100%) 04/06 (33%) 01/07 (14%) 01/05 (20%) 02/03 (33%) 02/05 (40%) 01/01 (100%) 45 Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) 39 01/02 (50%) 01/02 (50%) - - Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) - 39 01/01 (100%) - 45 - 45 Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) 39 - - 01/02 (50%) 01/02 (50%) 46 Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) 40 02/02 (100%) 03/05 (60%) 02/05 (40%) 46 Maria Joana (*RJ, 29.07.1886.) 40 - 40 40 40 40 40 41 34 53 53 Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.) 56 Maria Elisa (*RJ, 27.04.1877.) 56 TOTAL - - 01/01 (100%) Tu Tu Você Você Nulo Pleno Nulo Pleno 09/10 01/10 20/36 16/36 (90%) (10%) (56%) (44%) 10/46 36/46 (22%) (78%) 46/50 (92%) TU VOCÊ Nulo (02 CARTAS) 15 Nulo - MARIA LEONOR IDOSA (EM 1933, COM 53 ANOS) PE, Tamarineira, 28.01.1933. PE, Tamarineira, 07.03.1933. Pleno 02/02 (100%) - TOTAL 14 Nulo VOCÊ Pleno - Nulo Pleno - - 02/03 (67%) 01/03 (33%) - - - 01/01 (100%) Tu Nulo - Tu Pleno - Você Você Nulo Pleno 02/04 02/04 (50%) (50%) 04/04 (100%) 04/50 (08%) TU VOCÊ 10/50 40/50 (20%) (80%) 50/50 (100%) Tabela 19: Distribuição das formas Tu e Você como sujeitos pronominais nas cartas produzidas pela informante Maria Leonor aos irmãos entre os anos de 1913 e 1933. 233 Em uma amostra de dezesseis missivas confeccionadas por Maria Leonor e dirigidas aos irmãos adultos e idosos Maria Elisa, Jerônimo e Maria Rosa, a irmã adulta Maria Joana e a um irmão não especificado, constatou-se, em termos de resultados gerais, a sua preferência pelo inovador Você, em 80% dos dados (40 ocorrências). Nas quatorze cartas produzidas ao longo de sua idade adulta (entre 37 e 46 anos), observou-se maior uso de Você (78% - 36 ocorrências). Em 56% dos dados (vinte e duas ocorrências), opta-se pelo sujeito nulo, conforme se observa em (120) e (121), e, em somente 44%, dezesseis ocorrências, o Você apresenta-se pleno. Em (120), tem-se um dado de Você nulo em uma construção de subordinação favorecido pela ausência de elementos intervenientes entre a expressão nula do sujeito e a sua primeira menção (‘Você fez...’), conforme constatado por Duarte (2003); por Paredes Silva (2003). Já em (121), há três dados de Você nulo em orações absolutas coordenadas entre si por pontuação, contexto sintático condicionador do não preenchimento do sujeito, conforme averiguado por Duarte (2003). (120) “Amália me mandou dizer as optimas practicas que Você fez as orphas no retiro; oh! quem me dera tel-as ouvido. Se Ø poder escreve para Manaos; eu vou escrever muito breve.” (Carta de Maria Leonor ao irmão Jerônimo. Olinda, PE, 10.10.1920.) (121) “Você foi ao vapor, Ø vio umas mangueirinhas que eu cultivei e ella quiz levar ? (...) Ø Sabe que um limoeiro deu optimos limões o anno passado ? (...) Ø Conte-me se nossa Reverenda Madre Provincial passa bem ahi e Reverenda Madre I. e Você se tem dado bem nessa terra.” (Carta de Maria Leonor a irmão Maria Joana. Olinda, PE, 02.03.1921.) Mesmo preferindo o Você, a missivista adulta Maria Leonor também empregou, em 22% dos dados (dez ocorrências), o pronome Tu, ao referir-se às irmãs adulta e idosa Maria Elisa e a adulta Maria Joana. Em 90% dos dados de Tu (nove ocorrências), a autora optou por não preencher a posição de sujeito de segunda pessoa, em conformidade, pois, com o parâmetro de língua de sujeito nulo (cf. Duarte 1995), como se verifica em (122), e, em somente uma única ocorrência (100% dos 234 dados), o Tu mostrou-se preenchido em contexto sintático de oração raiz, assim como se observa em (123). (122) “Amália me escreveu, vae a carta para você ler e depois pode romper. Agradeço esse postal; vae segundo Ø pedes;” (Carta de Maria Leonor a Maria Joana. Tamarineira, PE, 03.06.1926.) (123) “Se lhe for possivel me escreva a Madre Superiora daqui se chama: Anna Maria Ricca: Hospícios dos Alienados: Tamarineira: Recife: Pernambuco. Tu sabes que preciso fallar com algum dos meus irmãosinhos; entreguei isto a nossa Madre Cassina.” (Carta de Maria Leonor a Maria Joana. Recife, 19.01.1925.) Em apenas duas cartas de Maria Leonor idosa, observou-se a preferência categórica pelo Você pronominal (04 ocorrências). Nesses casos de Você produzidas pela remetente, em sua velhice, se constata que autora ora o expressa plenamente, em 50 % dos dados (02 ocorrências), ora apresenta-o como sujeito nulo, em 50% dos dados (02 ocorrências), como se examina em (124) e (125). As ocorrências de Você como sujeito nulo, em (124), se dão com o referente sintaticamente recuperável (Você) nas orações em que o sujeito nulo da oração subordinada é o mesmo da oração principal (‘Quando Ø poder me mande /(...)’, ‘sempre que Ø poder me escreva (...)’) que, por sua vez, retoma a primeira ocorrência do Você (‘Que contente fique de Você estar (...)’) na carta. (124) “Que contente fiquei de Você estar em Friburgo e Jane ahi no Rio: escrevi a Amália a pouco tempo. Maria está em Petropolis ? e Fernandinho ? Pelo 27 de Abril meos parabens, quanto rezo no meu canto. Á Rev.da Madre Provincial vem me vêr; fico bem contente. Quando Ø poder me mande um terço, que seja forte. Sempre que Ø poder me escreva. Recebi um santo escripto de nossa Jane.” (Carta de Maria Leonor a irmã Maria Elisa. Tamarineira, PE, 28.01.1933.) (125) “Eu vou indo, bastante constipada, é coisa passageira. Á Reverenda Madre Provincial tem vindo me ver. Que contente em Você estar em Nova Friburgo e Nenê estará em São Paulo ?” (Carta de Maria Leonor a irmã Maria Elisa. Tamarineira, PE, 07.03.1933.) Verifica-se que o Você se mostra preenchido em situações discursivas em que predominam discurso reportado, em (120), e 235 comentários/relatos, em (124) e (125). Em atos mais diretivos, observase que Maria Leonor prefere o Tu, como se nota em (123). O gráfico 8, a seguir apresentado, delineia o comportamento de Maria Leonor ao longo de sua vida. 120% 100% 100% 94% 100% 83% 80% 75% 60% 40% 40% 20% 0% 0% 1913 (33 anos) 1920 (40 anos) 1921 (41 anos) 1924 (44 anos) 1925 (45 anos) 1926 (46 anos) 1933 (53 anos) Você Gráfico 12: Comportamento lingüístico da missivista Maria Leonor em relação ao emprego de Você como sujeito pronominal de segunda pessoa do discurso entre os anos de 1913 e 1933. O gráfico 12 evidencia a relativa estabilidade da missivista Maria Leonor em relação ao emprego de Você para fazer referência aos seus irmãos nas missivas em análise. Em 1913, entretanto, Maria Leonor seleciona prioritariamente o Tu nulo, em apenas duas ocorrências, para invocar a irmã Maria Elisa, conforme é possível observar em (126) e em (127). Coube à desinência verbal (soffras e soubesses) assinalar o sujeito de (P2) sintaticamente acessível através do vocativo ‘minha Iza’ que, por sua vez, figura como a primeira menção ao referente de segunda pessoa do discurso nas sentenças em análise. (126) “Sim, minha Iza, eu não admito que Ø soffras mais por causa da minha escolhida sorte pelo nosso Jesus !” (Carta de Maria Leonor a irmã Maria Elisa. RJ, 05.04.1913.) (127) “Ah ! minha Iza se Ø soubesses por caridade e enorme carinho que tenho recebido de nossa Santa Madre Provincial e da Madre Carina.” (Carta de Maria Leonor a irmã Maria Elisa. RJ, 05.04.1913.) 236 Entre os anos de 1920 e 1924, observa-se a preferência de Maria Leonor por fazer referência aos irmãos Maria Joana, Jerônimo e Maria Elisa através do Você pronominal (94% → 83% →100%), não obstante tenha sido verificado o comportamento oscilante da informante em relação ao emprego de Tu e Você nas cartas em estudo. Nas cartas direcionadas as irmãs Maria Joana e Maria Elisa, entre 1925 e 1933, verifica-se o decréscimo das freqüências de uso do Tu (60% → 25% → 0%) e o conseqüente aumento do emprego do Você (40% → 75% → 100%). É interessante levar em consideração as ocorrências de Tu e Você detectadas em um mesmo documento. Ao escrever a um irmão não identificado (Pernambuco, Olinda, 22.08.1920), ao irmão Jerônimo (Pernambuco, Olinda, 10.10.1920) e à irmã Maria Joana (Pernambuco, Olinda, 02.03.1921 e Pernambuco, Olinda, 03.06.1926), a informante Maria Leonor apesar de optar pelo inovador Você recorre também, nas cartas em análise, ao conservador Tu nulo, como é possível observar de (128) a (131). (128) “A vida de nosso thesouro me encanta; que sublime Ø estas e eu estive no tempo emque estive agora junto a ella; meu Deos que sublimidade!” (Carta de Maria Leonor a um irmão não identificado. PE, Olinda, 22.08.1920.) (129) “Se deseja me mandar umacoisa que muito desejo, só se for possível; é um retratinho de nosso Papae: tenho devoção em conservar. Ø És tão extremoso meu Padre Jeronymo !” (Carta de Maria Leonor ao irmão Jerônimo. PE, Olinda, 10.10.1920.) (130) “Se Ø achares bem me mande os nomes de sua allumnas para Nossa Senhora das Victorias: Titia Zezinha e Maria são Sócias Propagadoras;” (Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. PE, Olinda, 02.03.1921.) (131) “Já mandei dizer a ella; peço-lhe de me Ø fazeres um emblema, sim, o mais simples possível. Amalia me escreveu, vae a carta para você lêr e depois pode romper. Agradeço esse postal; vae segundo Ø pedes.” (Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. PE, Olinda, 03.06.1926.) 237 Conquanto não tenha ingressado na contagem dos dados de estratégias de referência ao interlocutor (Tu e Você), observe-se que a única ocorrência da forma Vocês convive, na mesma página, com dado de Tu nulo, evidenciando, portanto, o uso não uniforme de formas de P2 (Tu) e P3 (Você) na produção escrita de Maria Leonor – (132). (132) “(...) Bem podes fazer uma ideia qual a minha vida neste estabelecimento ... procuro vier bem retraida, encontro nas Irmães de Santa Anna muita bondade. (...) Offereço a bem de Vocês; os soffrimentos deste viver: mas bem sabe que sou fácil a me abituar com qualquer necessidade.” (Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. Recife, 19.01.1925. (2ª página)) Na missiva de Pernambuco, escrita aos três de junho de 1926, prevalece o emprego do Você, mas é possível detectar algumas ocorrências do Tu como sujeito pronominal, o que evidencia a mescla de tratamentos já detectada em outros trabalhos (Lopes e Machado (2005); Marcotuliu et alii (2007); Soto (2001)), na análise geral dos dados desta tese (item 5.2) e também na produção escrita de Maria Leonor. (134) “(...) peço-lhe de me fazeres um emblema, sim, o mais simples possível. [espaço] Amália me escreveu, vae a carta para você ler e depois pode romper. Agradeço esse postal; vae segundo pedes. (...) Sempre digo á Nosso Senhor que esse clima ahi é tão quente para Você <aqui tem feito> muito calor.” (Carta de Maria Leonor a irmã Maria Joana. Pernambuco, 03.06.1926.) Por fim, o estudo do desempenho lingüístico da informante Maria Leonor a expôs como uma informante que apresenta certa estabilidade, em sua idade adulta e em sua velhice, utilizando preferencialmente o inovador Você nas missivas em análise. Na juventude, entretanto, apesar de contarmos com a análise de apenas uma única carta, Maria Leonor empregou apenas Tu. 238 6.5 Breves considerações com base no estudo de painel dos homens e das mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Considerando que este estudo visa à depreensão da variação entre Tu e Você como estratégias de referência ao interlocutor e à compreensão do processo de inserção do Você no quadro pronominal do PB, entende-se que se faça necessário focar o comportamento lingüístico do indivíduo em distintos momentos da sua trajetória de vida, visando detectar progressão da mudança lingüística. O estudo de painel dos missivistas do gênero masculino Dr. Pedreira, Fernando e Jerônimo os evidenciou como informantes que selecionaram o Tu pronominal para a referência ao sujeito de segunda pessoa do discurso. O Dr. Pedreira mostrou, em um intervalo temporal de dezenove anos, um comportamento lingüístico estável voltado para a preferência pelo Tu pronominal, ao fazer referência aos filhos. Seguindo esse comportamento lingüístico, vêm os seus netos, os informantes Fernando e Pe. Jerônimo que, em lapsos temporais de quatorze e vinte e seis anos, respectivamente, demonstrando estabilidade lingüística no que se refere ao uso das formas Tu e Você para tratar os irmãos. Ao preferirem o Tu, na fase adulta, homens da família Pedreira Ferraz Magalhães sugerem um movimento voltado para a retenção da direção histórica da mudança lingüística com o menor emprego do inovador Você nas missivas em análise. 239 Emprego de "Você" na posição de sujeito em cartas pessoais: painel dos homens da família Pedreira Ferraz - Magalhães ao longo de suas vidas. 100% 90% 80% Freqüência 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1870 1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 Anos das cartas Dr. Pedreira (51-70 anos) Jerônimo (24-50 anos) Fernando (26-40 anos) Linear (Dr. Pedreira (51-70 anos)) Linear (Jerônimo (24-50 anos)) Linear (Fernando (26-40 anos)) Gráfico 13: Emprego de “Você” na posição de sujeito em cartas pessoais: painel dos homens da família Pedreira Ferraz – Magalhães ao longo de suas vidas. Com base na dispersão do comportamento dos homens da família Pedreira Ferraz – Magalhães (gráfico 13), observa-se uma maior produtividade de Você entre os anos de 1900 e 1920 nas cartas dos dois mais jovens. Nesse período, Fernando e Pe. Jerônimo, que na maior parte das vezes preferiram, o Tu em suas missivas, mostraram-se mais propensos a empregar o Você na intimidade de suas cartas aos irmãos em contextos com motivação discursivo-pragmática. O idoso Dr. Pedreira, com um baixíssimo nível de aplicação do Você nas suas cartas, mostrou-se, em fins do XIX, propenso a deter a direção histórica da mudança lingüística que, por sua vez, sugere a inserção do Você como um pronome de segunda pessoa do discurso. A linha descendente delineada no gráfico de dispersão aponta para a diminuição do uso de Você nos anos 20-30 entre os homens da família Pedreira-Magalhães. 240 Emprego de "você" na posição de sujeito em cartas pessoais: painel das mulheres da família Pedreira Ferraz - Magalhães ao longo de suas vidas. 100% 90% 80% Freqüência 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1905 1910 1915 1920 1925 Anos das cartas 1930 1935 1940 1945 1950 M.Rosa (30-70 anos) M.Joana (26-61 anos) M.Leonor (33-53 anos) M.Elisa (38-61 anos) M.Bárbara (28-45 anos) Linear (M.Rosa (30-70 anos)) Linear (M.Joana (26-61 anos)) Linear (M.Leonor (33-53 anos)) Linear (M.Elisa (38-61 anos)) Linear (M.Bárbara (28-45 anos)) Gráfico 14: Emprego de “Você” na posição de sujeito em cartas pessoais: painel das mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães ao longo de suas vidas. O gráfico de dispersão relativo às mulheres da mesma família Pedreira Ferraz – Magalhães projeta comportamento oposto: ascendência contínua do traçado relativo a Você entre 1925-1945. Observa-se que a produtividade variável do Você como sujeito de segunda pessoa do discurso parece sinalizar que a sua implementação se deu, de modo mais transparente, a partir do segundo quartel do século XX (entre os anos 20 e 30), nas cartas pessoais femininas dos Pedreira Ferraz – Magalhães. Com relação ao encaixamento dessa mudança lingüística em progresso na matriz social (embedding problem), entende-se que o inovadorismo das mulheres parece ter impulsionado o processo de mudança em progresso na língua, ao elegerem o Você como estratégia de referência ao interlocutor no PB. Há de se considerar, contudo, um comportamento diferenciado entre as mulheres da família. Verificou-se que quatro delas mostraramse instáveis (Maria Bárbara, Maria Elisa, Maria Joana e Maria Rosa) e somente uma mulher mostrou-se estável (Maria Leonor) no que se refere ao emprego das formas Tu e Você. Em relação ao grupo de mulheres 241 instáveis, constatou-se que duas delas preferiram o inovador Você (Maria Bárbara e Maria Rosa) e as outras duas adotaram o conservador Tu (Maria Joana e Maria Elisa) nas cartas em análise. A informante Maria Leonor, por sua vez, delineou uma curva de estabilidade em relação a sua preferência pelo inovador Você. As mulheres Maria Bárbara, Maria Rosa e Maria Leonor ao elegerem o Você para se referirem aos irmãos, parecem se conduzir a favor da direção histórica da mudança lingüística: a implementação do Você no quadro pronominal do PB. Uma visão panorâmica do comportamento das mulheres no decorrer de suas vidas, conforme gráfico de dispersão, aponta o período dos anos 30 do século XX como o momento em que as informantes idosas Maria Elisa, Maria Joana, Maria Leonor e Maria Rosa alavancam o emprego do Você nas cartas em análise. A adulta Maria Bárbara, entre os anos 25 e 30 do século XX, prefere o Você para tratar os irmãos na intimidade das cartas em análise. Na verdade, observa-se que as jovens Bárbara, Elisa e Joana utilizam categoricamente o Você ao se referirem aos irmãos. Na fase adulta, observa-se que tais informantes oscilam entre o Tu e o Você, ao passo que, na velhice, Maria Bárbara, Maria Elisa, Maria Joana, Maria Leonor e Maria Rosa voltam-se ao uso do Você. Confirma-se a hipótese de Labov (1990) de que, nos processos de mudança, as mulheres impulsionam a produtividade das variantes ‘não padrão’, o que permite entendê-las como inovadoras. Embora a forma Você represente a forma ‘invasora’, ‘inovadora’ que passa a concorrer com o Tu no quadro pronominal do PB, é uma forma de prestígio, deixando de figurar, no Novecentos, como uma forma exclusiva da elite tratar a própria elite, conforme Soto (2001), espraiando o seu campo funcional por toda a comunidade lingüística, desvinculada de estigmatização social. A análise do painel das mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães sugere-as mais dinâmicas que os homens na condução da mudança lingüística em direção à inserção do Você no quadro 242 pronominal, assim como constatou Lopes (2003, 1993); Zilles (2005) em relação ao papel das mulheres na implementação do inovador a gente no sistema pronominal do PB. Raumolin-Brunberg (2005), ao estudar a difusão do uso do pronome objeto de segunda pessoa You na função de sujeito pela população da Inglaterra, entre os séculos XIV e XVIII (1350 – 1710), constatou que as mulheres conduziram a mudança lingüística vinda de baixo (change from bellow). Tal resultado se evidenciou em consonância com a constatação laboviana (1990) de que, em processos de mudança lingüística de baixo (change from bellow), as mulheres estão mais propensas a empregar as formas inovadoras que os homens. Em estudo de painel aplicado para o Finlandês, em um lapso temporal superior a dez anos, Nahkola & Saanilahti (2004) também observaram que as mulheres foram as responsáveis pela condução da maior parte das mudanças em curso na língua. Tendo em vista tais resultados, falta-nos responder a seguinte questão: qual(is) foi(ram) a(s) motivação(ões) social(is) para a implementação do inovador Você no discurso feminino escrito informal das mulheres dessa família brasileira ? Labov (2008[1972]:347/348), ao pensar os padrões sociolingüísticos, admite que, na verdade, a distinção sexual está correlacionada com o tipo de interação social estabelecida entre os falantes no cotidiano lingüístico. “Seria um grave erro formular o princípio geral de que as mulheres sempre lideram o curso da mudança lingüística. A centralização de /ay/ e /aw/ em Martha’s Vineyard foi encontrada principalmente em falantes masculinos; as mulheres aqui mostraram uma tendência muito mais fraca. (...) A generalização correta, então, não é a de que as mulheres lideram a mudança lingüística, mas sim que a diferenciação sexual da fala freqüentemente desempenha um papel importante no mecanismo da evolução lingüística. (...) A diferenciação sexual com que estamos lidando depende claramente de padrões de interação social na vida diária.” Labov (2008[1972]:347/348) 243 Em consonância com o pensamento Laboviano apresenta-se a perspectiva de Fernandéz (1998:38), segundo a qual a análise da motivação para as mulheres se mostrarem mais sensíveis à norma padrão requer que se separe a noção de sexo da concepção de gênero sociocultural. O autor questiona: “Mas de onde nasce essa tendência feminina de seguir os modelos de prestígio? Por que em muitas culturas se espera que a mulher ajuste sua conduta sociolingüística a um cânone ou às referências de prestígio ? Por que os usos lingüísticos que se consideram característicos das mulheres ou dos homens têm que ver diretamente com o seguimento ou o abandono de uma norma ? A maior parte das respostas que tem dado a estas questões tem a ver com uma interpretação sociocultural do sexo, é resolver, se estão relacionadas com o que na bibliografia anglo-saxão se chama ‘gênero’, que por sua vez em nada coincide com o conceito de “gênero” como gênero gramatical. O gênero sociocultural se opõe ao sexo tanto quanto o sexo é uma característica biológica que vem sendo dada praticamente desde o momento da concepção do novo ser, enquanto o gênero assume uma dimensão sociocultural que o indivíduo adquire ao ser socializado. Tais conceitos, todavia, têm limites confusíssimos e contaminados de problemas, dado que o sexo mesmo é parte indissociável do gênero.” 49 (Fernandéz 1998:38) Assim sendo, a resposta à indagação acerca da motivação social para as mulheres da família Pedreira Ferraz – Magalhães terem implementado o Você passa pela diferenciação entre sexo e gênero “Pero, ¿ de donde nace esa tendencia femenina a seguir los modelos de prestigio? ¿ Por qué en muchas culturas se espera que la mujer ajuste su conducta sociolingüística a un canon o unos referentes de prestigio ? ¿ Por qué los usos lingüísticos que se consideran característicos de las mujeres o de los ombres tienen que ver directamente con o seguimiento o el abandono de una norma ? La mayor parte de las respuestas que se han dado a estas cuestiones tienen que ver con una interpretación sociocultural del sexo, es decir, están relacionadas con lo que en la bibliografía anglo-sajona se llama gener ‘genero’, que a su vez en nada coincide con el concepto de “genero” como categoría gramatical. El género sociocultural se opone al sexo en tanto en cuanto el sexo es una característica biológica que viene dada prácticamente desde el momento de la concepción del nuevo ser, mientras el género es una dimensión sociocultural que el individuo adquiere al ser socializado. Tales conceptos, sin embargo, tienen unos limites borrosíssimo y plagados de problemas, dado que el sexo mismo es parte insoslayable del género.” (Fernandéz 1998:38) 49 244 sociocultural, isto é, passa pela compreensão do perfil sócio-histórico da mulher no Brasil oitocentista e novecentista. Nesse sentido, observou-se que, em fins do século XIX e na primeira metade do século XX, apesar de a mulher resguardar uma incondicional subserviência à estrutura de família patriarcal, cabe a ela instaurar a harmonia de um lar cristão, principalmente no grupo em questão. Considerando, em termos lingüísticos, a responsabilidade de a mulher-mãe da elite brasileira ensinar aos filhos as primeiras letras, impõe-se a ela um comportamento educativo voltado para o recato. Assim sendo, a preferência pelo emprego do Você nas cartas trocadas entre os irmãos da família Pedreira Ferraz – Magalhães se dá como uma estratégia mais neutra, ou seja, como uma forma menos invasiva de fazer referência ao interlocutor. Uma vez que a história da mulher – ao menos nesse período analisado – é marcada pela sua subserviência ao homem, sendo a ela negado o direito de expressão de suas próprias idéias, a opção pelo Você é condizente com esse perfil social de submissão, isto é, “com uma conduta específica”, nos termos de Chambers e Trudgill (1980 apud Fernandéz 1998), voltada para o recato da subordinação a uma estrutura familiar patriarcal mais acentuada até o século XIX, conforme Samara (2004). “Chambers y Trudgill (1980 apud Fernandéz, 1998:38), com um critério que parte do conceito sociocultural de gênero, explicam a tendência das mulheres seguirem os modelos de pretígio mediante aos seguintes argumentos: a falta de um lugar destacado na sociedade leva as mulheres a necessitarem marcar seu status social mediante uma conduta específica; por outro lado, a falta de coesão das mulheres nas redes sociais as obriga a deparar-se mais freqüentemente com situações de formalidade, isto é, o lugar do homem nos intercâmbios sociais permite que considerem como de escassa formalidade muitas situações que as mulheres interpretam como mais formais; finalmente, a educação pode levar as mulheres a desempenhar o que se considera <<sua>> função 245 social seguindo umas normas de conduta socialmente aceitas.”50 (Chambers e Trudgill (1980) apud Fernandéz 1998:38/39.) Ainda há outros aspectos a considerar no que se refere ao valor social que uma forma de tratamento pode assumir em determinado contexto discursivo, cultural e histórico. Koch (2008:59/60) discute que há procedimentos lingüísticos de tratamento indireto que se opõem ao direto e invasivo Tu pronominal. Trata-se da pluralização pronominal que, na língua portuguesa, se constituiu com o indireto Vós (plural majestático, nos termos de Cintra 1972) e com o tratamento nominal abstrato que, com base em um pronome possessivo aliado a um substantivo, se refere indiretamente ao interlocutor, invocando-o como uma entidade abstrata. Nesse sentido, é possível entender que a mulher da família Pedreira Ferraz – Magalhães tende a optar, nas cartas íntimas em estudo, pelo Você cujo grau de indiretividade é maior que o do íntimo Tu. Considerando o fato de o Você ser resultado do processo lento e gradual de pronominalização de Vossa Mercê, é possível admitir que tenha herdado de tal ‘forma nominal abstrata’ um grau de indiretividade. Ainda que, nas cartas pessoais trocadas entre irmãos, prevaleça o tom de intimidade com o direto Tu, as mulheres mostram-se mais propensas que os homens a empregar o inovador Você, movidas (supõe-se!!!) por uma espécie de “recato” lingüístico que não as licenciava tratar o interlocutor com um Tu íntimo, muito mais invasivo, portanto, que o Você. Carboni e Maestri (2003), ao pensarem a 50 Chambers y Trudgill (1980 apud Fernandéz, 1998:38), con un critério que parte del concepto sociocultural de género, explican la tendencia de las mujeres a seguir los modelos de prestigio mediante los razonamientos siguientes: la falta de um lugar destacado en la sociedad hace que las mujeres necesiten marcar su estatus social mediante uma conducta específica; por otra parte, la falta de cohesión de las mujeres em las redes sociales las obliga a enfrentarse más a menudo a situaciones de formalidad, esto es, el lugar del hombre en los intercambios sociales permite que consideren como de escasa formalidad muchas situaciones que las mujeres interpretan como más formales; finalmente, la educación suelle llevar a las mujeres a desempenar lo que se considera <<su>> función social siguiendo unas normas de conducta socialmente aceptadas.” (Chambers e Trudgill (1980) apud Fernandéz, 1998:38/39.) 246 expressão do gênero feminino nas línguas humanas, entendem-no com base no contexto sócio-histórico que o determina. “Na maioria das línguas, o gênero feminino dissolve-se por detrás do masculino, expressando ideologicamente a ocultação patriarcal objetiva da mulher pelo homem. Assim, naturalizado no uso costumeiro, o conceito lingüístico, por meio do caráter aparentemente abrangente, sintético e neutro do gênero masculino, impõe sua essência social, reforçando as relações de dominação patriarcal do mundo real.” (Carboni e Maestri, 2003:61.) Em termos lingüísticos, o fato de a figura feminina estar encoberta pela masculina é traduzido no Paradoxo do Gênero pensado por Wolfram and Schilling-Estes (1998) apud Labov (2001:367): se, por um lado, as mulheres mostram-se mais conservadoras que os homens, por preferirem a variante padrão, por outro lado, mostram-se mais avançadas, por adotarem, mais rapidamente, a variante inovadora, que pode ou não corresponder à variante “não-padrão”. Ao propor a resolução do Paradoxo do Gênero, Labov (2001:367) o restabelece como o Paradoxo da Conformidade: as mulheres evidenciam um comportamento lingüístico menos desviante que os homens em relação ao cumprimento da “norma padrão”, caso o desvio seja seriamente condenado. Entretanto, as mulheres mostram-se mais desviantes do que os homens no que se refere ao exercício da norma padrão, quando a irregularidade não é gramaticalmente rechaçada (estigmatizada) pela comunidade lingüística. Por um lado, a mulher da família Pedreira Ferraz - Magalhães marcou a sua conduta lingüística de submissão, ao empregar mais o Você que os homens como uma estratégia de tratar o interlocutor de modo mais monitorado e menos expressivo, em conformidade com os traços de [+ monitoramento], [- expressividade] atribuídos à forma Você por Modesto (2007) na análise sincrônica da fala santista. Por outro lado, ao eleger uma forma nova (Você), advinda de uma estratégia de 247 prestígio (Vossa Mercê), conforme Cintra (1972), a mulher assumiu uma postura inovadora. O empreendedorismo lingüístico das mulheres está no fato de selecionarem uma forma que se inseriu a posteriori no quadro pronominal do PB como resultado de um processo gradual e paulatino de uma mudança lingüística de cima para baixo (change from above, cf. Labov 1994). Labov, ao se questionar sobre o porquê as mulheres serem mais sensíveis às formas de prestígio, chega à seguinte conclusão sobre o papel da mulher nos processos de mudança lingüística. “Por que as mulheres fazem isso? Não pode ser apenas a sua sensibilidade às formas de prestígio, já que isso explica somente metade do padrão. Podemos dizer que elas são mais sensíveis aos padrões de prestígio, mas por que, desde o início, elas avançam mais rápido em primeiro lugar? Nossas respostas no momento não passam de especulações, mas é óbvio que tal comportamento das mulheres deve desempenhar um importante papel no mecanismo da mudança lingüística. Na medida em que os pais influenciam a língua inicial das crianças, as mulheres influenciam mais ainda; as mulheres certamente conversam mais do que os homens com as criancinhas e têm uma influência mais direta durante os anos em que as crianças estão formando regras lingüísticas com maior rapidez e eficácia. Parece provável que o ritmo do progresso e a direção da mudança lingüística devem muito à especial sensibilidade das mulheres a todo o processo.” (Labov, 2008[1972]:347.) Deste modo, é interessante constatar que, em diálogo com Callou e Serra (2007:462), a mulher brasileira, cuja história de formação é permeada pela exclusão ao conhecimento (ao saber veiculado através do ensino formal), assume, no seio da família Pedreira Ferraz - Magalhães, uma postura inovadora, ao implementar o Você no quadro pronominal do PB por volta dos anos 30 do século XX. “(...) não se pode deixar de relacionar a história lingüística à história social. Três fatores devem ser observados, de início, mais de perto: (...) O terceiro é o de o primeiro contato do indivíduo com a língua se dar no âmbito familiar e o de as mulheres 248 serem, de um lado, em geral, segundo Labov (2001), as transmissoras das mudanças lingüísticas e, por outro lado, terem ficado durante muito tempo afastadas do sistema educacional regular.” Callou e Serra (2007:461/462). 249 CAPÍTULO 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS. “As histórias das línguas, como objetos disponíveis ou criados pelos lingüistas são, segundo Lass (1997:5), como todas as histórias, mitos. Mito no sentido de, por um lado, haver registros de fatos em documentos das várias fases da nossa história e, conseqüentemente, da língua que supostamente refletem, mas, por outro, de não haver condições de saber exatamente o que significam a não ser indiretamente, por meio de uma interpretação”. (Callou, 2002:282.) As cartas íntimas trocadas entre os entes da família Pedreira Ferraz – Magalhães constituem, indubitavelmente, uma preciosa amostra da produção escrita de brasileiros cultos, em fins do século XIX e na primeira metade do século XX. Com base neste conjunto de cartas bem controlado em relação ao quando, ao onde, ao quem e ao para quem foram redigidas as missivas em análise (cf. Lobo 2001a), investigou-se, neste estudo, o processo de inserção do Você no quadro pronominal do PB, buscando desvendar um pouco mais sobre a sua história de pronominalização e o seu nível de coexistência com o Tu. Com esses propósitos, ainda que consciente de que a projeção da história de pronominalização do Você no PB aponta para uma possibilidade interpretativa como a contemplação de um mito nos termos de Lass (cf. Lass 1997:05 apud Callou 2002:282), passa-se à exposição dos principais resultados em função da retomada dos questionamentos iniciais que nortearam esta tese. 1) Considerando que Rumeu (2004) detecta, em cartas setecentistas e oitocentistas, um Você híbrido, busca-se responder a seguinte questão: em que estágio do processo de pronominalização se encontra o inovador Você no PB de fins do século XIX e da primeira metade do século XX, transition problem, segundo Weinreich et alii (1968)? 250 O estudo da variação entre as formas relacionadas à P2 (Tu) e P3 (Você) apresentado no capítulo 5, evidenciou a presença de formas de Tu, em 67% dos dados, como emprego predominante, em coexistência com formas relacionadas a Você (33%), nas cartas trocadas entre os entes da família Pedreira Ferraz – Magalhães. Os resultados confirmaram o que foi observado em outros trabalhos sobre o tema. A entrada de Você no quadro de pronomes acabou configurando a formação de um paradigma pronominal supletivo (ou fusão de paradigmas) que se faz perceber desde o século XIX (ou um pouco antes como mostra Marcotulio, 2008). Você se instalou mais rapidamente na posição de sujeito, preferencialmente preenchido, e como pronome complemento preposicionado. Entretanto, identificaram-se alguns contextos de resistência da antiga forma Tu, que se mantém produtiva como pronome complemento não- preposicionado (te) e pronome possessivo (teu). Se o emprego do objeto te com Você que se faz presente desde o século XVIII, mostra-se vigoroso na escrita culta familiar dos séculos XIX-XX e se generaliza nos dados de fala e escrita atuais, parece que não faz sentido as gramáticas normativas continuarem a considerar um desvio a dita “mistura de tratamento”. No que se refere à representação formal dos sujeitos pronominais, observou-se uma diferença de comportamento entre Tu e Você. O legítimo pronome Tu mostrou-se categoricamente nulo (99% na análise geral dos dados e 100% na análise em tempo aparente), ao passo que o inovador Você parece anunciar um estágio de transição para a mudança do parâmetro do sujeito nulo (cf. Duarte 1993). Constatou-se um equilíbrio nos percentuais relativos à representação do sujeito: 53% de Você não-preenchido contra 47% de preenchimento (item 5.2). Por um lado, a forma inovadora apresentaria comportamento típico de uma língua de sujeito nulo, por outro já revelaria, na amostra, indícios do que se firmará mais tarde: maior preenchimento na posição de sujeito no PB. 251 A análise pormenorizada do comportamento lingüístico dos informantes quanto à representação pronominal do sujeito no estudo de painel ilustrou os contextos em que predominaram o Você pleno. Confirmou-se que os casos de preenchimento teriam uma motivação discursivo-pragmática típica de língua de sujeito nulo. Você é utilizado para destinatários específicos e o preenchimento pode marcar, na maior parte das vezes, a ênfase, o contraste ou a individualização. Além disso, em termos estruturais, o Você pleno ocorreria preferencialmente nos contextos em que o sujeito da oração subordinada é diferente em relação à oração matriz ou quando há elementos intervenientes, ou seja, o preenchimento do sujeito facilitaria a acessibilidade referencial (Barbosa; Duarte & Kato 2001; 2005, apud Silva 2007; Duarte 2003). Entretanto, foi possível perceber que timidamente o pronome Você ocupa os espaços funcionais de Tu, como formas variantes, principalmente nas cartas femininas. O processo de pronominalização de Você parece evidenciá-lo, em fins do século XIX e na primeira metade do século XX, como um legítimo pronome de referência determinada à segunda pessoa do discurso, chegando a atuar também, na atual sincronia do PB, como uma estratégia de referência indeterminada, conforme já averiguado por Duarte (1995)51 e por Avelar (2003). Mercê Estágios da Pronominalização de Vossa Mercê > Você no PB (transition problem, cf. Weinreich et alii 1968.) Vossa Mercê Você Você Você Item Lexical > Forma Nominal de Tratamento > Forma Pronominal de tratamento > Forma Pronominal de 2a Pessoa > Estratégia de indeterminação do sujeito Quadro 8: Proposta de Estágios da Pronominalização de Vossa Mercê > Você no PB adaptado de Rumeu (2004). A análise do painel dos missivistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães em relação à variação entre as formas Tu e Você como Duarte (1995:89) aponta a seguinte ocorrência do Você com referência [+ arbitrária] em contextos não encaixados na fala culta do PB: “Você tem uma visão mais ampla, mais longínqua das coisas. Você tem uma visão mais... do espaço físico. Você não fica tão contido quanto aqui. Aqui você sai, você vê muito concreto na tua frente, você esbarra com isso. Lá não! Você tem uma visão de um litoral, você tem uma visão de um verde, de uma coisa mais distante. E isso é como se você pudesse até respirar melhor né? (H3d, 459, 462).” 51 252 pronome-sujeito, evidenciou o segundo quartel do século XX (entre os anos 25 e 45) como o período em que o Você se mostrou mais produtivo cf. Duarte (1993); Lopes e Duarte (2007). Corrobora-se também a hipótese de Soto (2001) e de Machado (2006) em relação ao século XX como o momento em que Tu e Você passam a competir deliberadamente no campo da informalidade. Reiteram-se também as observações de Chaves (2001) e Marcotulio et alii (2007), no que se refere ao inovadorismo das mulheres que preferiram o Você na intimidade das cartas pessoais trocadas entre os irmãos da abastada família Pedreira Ferraz – Magalhães. 2) Por que ocorreu a inserção de Você no quadro pronominal do PB (actuation problem, cf. Weinreich et alii 1968)? Qual é o contexto sóciohistórico de implementação da forma Você nas matrizes lingüística e social do PB (embbeding problem), conforme Weinreich et alii (1968)? A inserção da forma Você no quadro pronominal do português tem como pano de fundo um processo de reorganização da sociedade portuguesa. A substituição do respeitoso Vós, tal como o Vous do francês, por formas nominais de tratamento (a forma Vossa Mercê é estabelecida para a realeza portuguesa por determinação de Felipe I através das leis de cortesia, em 1597) foi conduzida pela nobreza somente para o tratamento real, porém alcançou a burguesia e, por fim, caiu no gosto da fala popular que a desgastou fonética e semanticamente a ponto de originar um outro produtivo pronome em português (Você). Sob a perspectiva do encaixamento social (embbeding problem, cf. Weinreich et alii 1968), tem-se um processo de mudança lingüística que se espraia de cima para baixo (change from above, cf. Labov1994.). A implementação do Você e do A gente que, por sua vez, passam a competir, no sistema pronominal do PB, com o Tu e com o Nós, respectivamente, aliada a perda do Vós constituem movimentos que conduzirão a uma reestruturação do sistema pronominal. O quadro 253 pronominal passa a contar com duas formas pronominais (o Você e o A gente) que impulsionam o verbo para a terceira pessoa do singular, o que leva o PB a assumir um parâmetro de língua de sujeito pleno com a perda da ‘propriedade de licenciar e identificar sujeitos nulos’, segundo Duarte (1995). Enfim, tem-se a inserção das novas formas pronominais Você e A gente e a perda do Vós como mudanças que conduziram à neutralização da riqueza flexional e a uma conseqüente mudança na marcação do parâmetro52 de sujeito nulo: o PB que era positivamente marcado em relação ao parâmetro de sujeito nulo [+ sujeito nulo], figurando como uma língua pro-drop até 1937, cf. Duarte (1993:123), passa posteriormente a ser negativamente marcado [- sujeito nulo] como uma língua não pro-drop. O Você, nas cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz Magalhães, já sugere indícios da sua pronominalização, ao mostrar-se mais produtivo no mesmo domínio funcional que o Tu, isto é, como sujeito pronominal. Além disso, acrescente-se o fato de o Você ter assumido, no estudo em tempo aparente, uma maior freqüência de uso nas cartas de homens e mulheres jovens da família Pedreira Ferraz – Magalhães, o que parece apontar para um processo de mudança lingüística ainda em progresso no PB. Nas cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães, observou-se que as mulheres mostraram-se mais propensas ao emprego do Você do que os homens. Confirma-se, pois, o Paradoxo da Conformidade (cf. Labov 2001) segundo o qual as mulheres tenderiam a preferir a “norma padrão”. No nosso caso específico, foi preciso relativizar a noção de nãopadrão, já que a forma inovadora no PB não apresentava conteúdo semântico negativo, além de não ser uma estratégia estigmatizada. Você talvez carregasse, nas cartas das pessoas ilustres do século XIX, uma relativa formalidade advinda da forma nominal de tratamento que a originou Vossa Mercê. Acrescente-se a isso o fato de que o Você seria A marcação de parâmetro toma como base o quadro teórico de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981.). 52 254 uma forma menos diretiva de tratar o interlocutor, escolha mais condizente, portanto, com o perfil social da mulher religiosa, educada à luz dos rígidos parâmetros de uma sociedade patriarcal que ainda ecoa nos Novecentos. 3) No decorrer da primeira metade do século XX, os informantes da família Pedreira Ferraz – Magalhães, ao mudarem de faixa etária, se mostram estáveis ou instáveis em relação à variação entre os pronomes-sujeito Tu e Você? Considere-se que não é tarefa fácil identificar se o comportamento do indivíduo é estável ou instável, principalmente, nos casos em que a análise se estrutura no decorrer de sua vida (juventude, adultez e velhice) como ocorre com a análise de painel de Maria Joana e Maria Rosa. Nesses dois painéis, o fato de as idosas Maria Joana e Maria Rosa assumirem, na velhice, o comportamento que tinham na juventude não poderia ser considerado uma gradação estável? Essa é uma questão ainda não resolvida. Mesmo que não tenha sido possível vislumbrar, em virtude das limitações impostas pelo trabalho com textos escritos em sincronias passadas, o comportamento lingüístico da comunidade com base no estudo de tendências (trendy study, cf. Labov 1994), tenta-se dialogar com a proposta de adaptação dos padrões de mudança labovianos em função da variável idade pensada por Sankoff. A autora, ao promover uma releitura dos padrões de mudança labovianos, admite que, no padrão de gradação etária, o fato de os informantes mais velhos mudarem o comportamento em direção à implementação da forma inovadora representa o progresso da mudança na língua. Nesse sentido, seria possível interpretar que as missivistas Maria Joana e Maria Rosa caminharam na direção histórica da implementação do Você, visto que, na velhice, assumem a preferência por tal forma inovadora. Com relação à expressão do comportamento de estabilidade lingüística, Sankoff sugere que os adultos já inseridos no mercado de 255 trabalho possam apontar para uma maior produtividade da variante padrão. Nesse sentido, observa-se que o comportamento estável dos missivistas Fernando e Pe. Jerônimo que, no auge de suas atividades religiosas no interior dos conventos, se voltaram para o emprego do conservador Tu, pode ser justificada pelo exercício do magistério. Acrescente-se ainda o fato de que, ao púlpito dos altares, é reservada a expressão da norma padrão (caracterizada pela produtividade do pronome-sujeito Tu) e não à divulgação da norma de uso da língua através do inovador Você. O estudo de painel com informantes de uma única família (a Pedreira Ferraz – Magalhães) exige que se limite a contundência das conclusões sugeridas pela análise. Entretanto, é possível tecer algumas considerações mais gerais com base no fato de o Você ter se mostrado mais produtivo na produção escrita das mulheres e, principalmente, no contexto sócio-histórico do Brasil dos anos 30. Nesse sentido, há de se pensar numa distinção entre, o que se designa tempo-idade e tempohistórico. Por um lado, há a questão da idade das mulheres sugerindo uma maior produtividade de Você quando mais idosas. Por outro lado, é curioso pensar que tal fato se deu nos anos 30, período histórico de transformações sociais importantes no Brasil e no mundo tais como: a crise econômica de 1929, o fervilhar das idéias socialistas em oposição ao capitalismo, os desdobramentos dos movimentos nazifacistas (o nazismo alemão e o facismo italiano), o movimento anarquista, a Revolução de 1930 com a deposição de Washington Luís e a conseqüente ascensão de Getúlio Vargas ao poder no Brasil. Como não se delineou, neste trabalho, o perfil da comunidade lingüística, através do estudo de tendências, seria mesmo possível afirmar, com base nas análises de painel e de tempo aparente, que a instabilidade das mulheres denotaria um padrão de gradação etária? Caso se pense no caráter conservador dessa família extremamente voltada para o rigor dos valores religiosos, acredita-se que o perfil de gradação etária atenda às condições expostas. No entanto, caso se considere que os religiosos 256 missivistas da família Pedreira Ferraz – Magalhães também estão inseridos nesse contexto de mudanças históricas e aliado a isso se tem o fato de que viajavam muito pelo Brasil e pelo exterior, atuando, na idade adulta, mais incisivamente no ensino, não seria admissível conjecturar o padrão de mudança comunitária? Essas mulheres não poderiam ter adotado o comportamento da comunidade lingüística em transformação? Seria lícito supor que a sociedade mudou, determinando a mudança lingüística? Trata-se de questões por resolver. O afortunado achado de um conjunto de cartas familiares pertencentes à coleção “Irmã Zélia”, no acervo do AN - RJ, permitiu ao lingüista-pesquisador entrever a possibilidade de um trabalho cujo viés sociolingüístico pôde ser ratificado com a confecção de um estudo de painel na perspectiva laboviana (panel study). E mais ainda: comprovou-se que, de acordo com a intuição de Monteiro Lobato (cf. epígrafe desta tese), a “(...) Língua de cartas é língua em mangas de camisa e pé-no-chão – como a falada” e que, assim como nos séculos XIX e XX, ainda persiste, no século XXI, a famigerada “mistura de pronomes” (ou um novo quadro pronominal?) tão fortemente rechaçada pela gramática normativa e tão sabiamente defendida pelo autor que insistia, no alvorecer do século XX, em continuar se expressando em bom PB e, portanto, misturando os pronomes”: “Não fiscalizo gramaticalmente minhas frases em cartas (...) E, portanto, continuarei a misturar o “tu” com “você” como sempre fiz (...)”. (Carta de Monteiro Lobato ao amigo Godofredo Rangel. São Paulo, 07.11.1904.) 257 258 259 8. BIBLIOGRAFIA 260 ABRAÇADO, Jussara. O Possessivo seu: diferentes tipos ambigüidade e de posse. Gragoatá. Volume 9, p. 193 – 204. 2000. de AGUILAR, Rafael Cano. 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